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Bibliomaníaca e melómana. O resto terão de descobrir por vocês!

Saturday, January 28, 2006

“O Mandarim” de Eça de Queirós (Edições Expresso; Planeta DeAgostini)


Dentre a vasta produção literária de Eça de Queirós, os contos são aquilo que mais pretende ilustrar determinadas características de alguns tipos sociais ou estereótipos da época. A esta intenção junta-se a força da alegoria que pretende dar uma orientação ética à semelhança das fábulas de La Fontaine e Esopo.

É nesta categoria que se enquadra o conto O Mandarim escrito após a viagem do Autor às terras do sol nascente. Nesta obra, Eça dá largas à fantasia que é, apesar de tudo, filtrada pelo racionalismo e sentido crítico do Autor.

Trata-se de uma fábula em tudo semelhante ao Fausto de Goethe na qual Teodoro, um funcionário público de escassos rendimentos, recebe a visita de um estranho e misterioso personagem semelhante a um Mefistófeles travestido de dândi. A sua função no conto é a de tentar, seduzir. O objectivo é mostrar o processo de corrupção inerente à natureza humana. Isto é, saber qual é o preço da integridade de um homem. Melhor dizendo, até que ponto podem resistir os valores que representam o respeito pela integridade física e propriedade alheia. Trata-se de um duelo entre o Desejo e o Dever. Ou, em linguagem freudiana, entre Ego e Superego. Duas forças opostas que se digladiam na mente da personagem principal.

Para o Autor, por aquilo que se pode depreender nas entrelinhas, toda a alma tem o seu preço. A natureza humana é, naturalmente, corruptível. O cepticismo de Eça vai de encontro à convicção de muitos estudiosos do comportamento e dos processos mentais em geral, para os quais mesmo as mentes mais racionais ou mais altruístas tendem, por vezes, a procurar a solução mais fácil e imediata apesar de ser muitas vezes contrária à lógica ou ao raciocínio mais linear. Por exemplo: quantas vezes não nos damos ao trabalho de separar o lixo em casa, apesar de sabermos as consequências negativas em termos de impacto ambiental, apenas porque é mais cómodo?
No caso de Teodoro, para agarrar a sorte, basta-lhe esboçar um gesto aparentemente inofensivo cujas consequências não estão à vista...A tentação é demasiado grande. Mesmo para os padrões do século XXI, cento e seis mil contos é uma fortuna considerável. No século XIX, é o equivalente ao património de um sátrapa oriental.

O peso das consequências do seu acto só será sentido a posteriori, quando já é demasiado tarde para voltar atrás.

A construção da narrativa foi elaborada em duas versões: a primeira, em forma de folhetim, foi publicada no Diário de Portugal e a segunda destinava-se à Revue Universelle. Esta última é composta por capítulo mais longos – menos seccionada ao contrário do que acontece na versão folhetinesca – e alguns parágrafos são introduzidos com o objectivo de proporcionar aos leitores descrições mais detalhadas, de modo a permitir-lhes visualizar as situações com maior nitidez. O sentimentalismo e moralismo na versão destinada ao Diário de Portugal são atenuados. Alguns substantivos abstractos deixam de ser representados por maiúsculas retirando-lhe o valor alegórico.

São, por outro lado, realçados valores relacionados com uma ética mais universal de teor kantiano. Esta versão aperfeiçoada de O Mandarim foi adaptada a um público-alvo tendencialmente laico onde é destacado como virtude de homem do seu tempo o agnosticismo de Teodoro que, no Diário de Portugal aparece como um atributo extremamente mal visto pela opinião pública.

As personagens são deliciosamente cómicas como é típico nas sátiras queirosianas.
O funcionário público Teodoro é fisicamente pouco apelativo, meticuloso, de hábitos rotineiros. Aspira a uma vida principesca povoada de luxo, opulência e sensualidade desenfreada.

D.Augusta, a venal dona da pensão onde habita Teodoro enquanto pobre, é uma viúva já entrada na idade, mulher de dois amantes, e cuja maior prova de afecto ao seu favorito é a de usar “o dedo mínimo branquinho e papudo (...),” para “sulcar-lhe as repas lustrosas com o pentezinho dos bichos...”.

Vladimira, a bela e sedutora esposa do general russo que o novo milionário conhece na sua viagem ao extremo oriente torna-se a sua amante intelectual com quem este discute a situação geopolítica da Europa, a obra de Zola, o niilismo, a beleza de Sarah Bernhardt. Eça nunca deixará de associar a mulher intelectual às cocottes pela facilidade com que umas e outras possuem em se integrar no mundo hermético dos temas de conversa considerados como exclusivos do mundo masculino.
É assim que a generala Vladimira surge como uma cortesã de luxo disfarçada de respeitável senhora da alta sociedade, seduzindo envolta num vestido de seda cor de folha morta, à semelhança da sensualmente opulenta Condessa de Gouvarinho em Os Maias e cativando pela palavra como a carismática esposa do doutor Fradinho em O Conde de Abranhos.

Eça é igualmente pródigo em demonstrar, a partir da altura em que a sorte bate à porta de Teodoro, a forma como a civilização ocidental se rende ao culto do deus do dinheiro. É depois de enriquecer brutalmente que o ex-funcionário público conhece o poder do vil metal que lhe abre as portas para tudo o que antes lhe era inacessível. Inclusive a hipocrisia e a bajulação. É depois de enriquecer que Teodoro conhece o sabor da traição pela mão de uma Cândida criatura semelhante à rosa inglesa de Alexandria em A Relíquia.

O cinismo passa a fazer parte da personalidade do novo milionário a par de uma existência sibarita chegando, inclusive, a comparar-se com Tibério ou Heliogábalo nas suas festas à Trimalchion (vide O Satyricon de Fellini).

Apesar de tudo, o protagonista não consegue deixar de pensar nas consequências do seu acto.
Decide então empreender uma viagem até à China – local de origem da sua fortuna – para minimizar as consequências nefastas do seu acto...

É desta formas que vamos empreender uma viagem, pela pena de Eça de Queirós, à terra dos mandarins, com a voz de Teodoro como guia turístico. As paisagens, as cidades, as tradições e costumes, a estratificação social, as condições de vida e as relações com o exterior, são analisadas e descritas com o olhar crítico de um cientista social de espírito positivista.

O Mandarin é uma das mais acutilantes críticas sociais de um autor que mostra a burguesia e a nobreza como as classes sociais que se empenham em mostrar à plebe carenciada, “um Paraíso distante”, “para lhe desviar a atenção dos seus cofres repletos e das suas searas” ou denunciar a pretensão e ignorância dos políticos e geoestrategas portugueses que acreditavam poder varrer a China apenas com cinquenta homens, numa altura em que o vasto Império da Manchúria importava tecnologia e estratégia militar do exército prussiano!

Mais uma obra de importante reflexão sobre o desenvolvimento do País, da mediocridade intelectual e social que grassava então o Portugal à qual que se alia uma intrigante fábula surrealista com toda a carga alegórica e moralizante a ela associada.

Delicioso e divertidíssimo.

Para desfrutar numa tarde de boa disposição.



Cláudia de Sousa Dias

Thursday, January 19, 2006

“Cold Mountain” de Charles Frazier (ASA)


Charles Frazier é um autor que passou a fazer parte da constelação de estrelas do universo da literatura norte americana, na alvorada do terceiro milénio, precisamente com Cold Mountain.
O romance trata da odisseia de um desertor da Guerra Civil Americana, que atravessa a acidentada cordilheira a norte da Geórgia, até chegar a Cold Mountain, onde o espera a sua Penélope, Ada Monroe.

Inman decide abandonar o exército do general Lee, após ser ferido com alguma gravidade, enfrentado, ao mesmo tempo, o rigor extremo do clima e o relevo acidentado de uma cordilheira onde a Natureza se impõe ao Homem, obrigando a uma batalha sem tréguas pela sobrevivência.

Inman é uma personagem predestinada, desde a mais tenra infância, a ser um desertor. O seu temperamento indomável, rebelde, aliado a uma incapacidade em tolerar qualquer tipo de despotismo, acabam por orientar a sua vida nesta direcção. Ainda nos bancos da escola primária, atira o chapéu pela janela da sala de aulas para criar o pretexto para sair para procurá-lo, após o que aproveita a oportunidade para não voltar. Anos mais tarde, seguindo o mesmo processo mental, aproveitará, também, uma ferida no pescoço para voltar as costas ao despotismo de um general que considera a guerra como uma forma de realizar a vontade divina.

O fugitivo, não deixa, é claro, de sofrer a perseguição dos grupos armados que se dedicam à caça dos desertores, como o Bando de Teague, constituído por assassinos sanguinários, aves de rapina cuja principal ocupação é a de aterrorizar e extorquir a população. Viciados na arte da guerra, encontram no ódio a principal linha de orientação da componente emocional e comportamental das suas atitudes.

O mesmo temperamento rebelde é também traço fundamental da personalidade de Ada, uma criatura bela, inteligente, algo altiva, esquiva como uma Diana, em relação ao sexo masculino.

O romance desenvolve-se com base em duas narrativas: a de Inman – contínua e dinâmica, situada, sobretudo, no tempo presente –, com um discurso povoado de animismos, onde a natureza se harmoniza com o estado de espírito das personagens; por outro lado, a narrativa de Ada é descontínua – estagnada no presente, enclausurada na quinta-refúgio, em Cold Mountain, onde se exila após a morte do pai – sendo obrigada a fazer regressões no tempo para que possamos ficar a par dos episódios mais marcantes da vida passada da jovem.

Inman e Ada são dois eremitas, dois anacoretas – a faceta masculina e feminina do próprio autor, que se isolou em Cold Mountain, para encontrar inspiração para escrever o romance. Ambos os protagonistas são intelectuais que, por força das circunstâncias, são obrigados a travar uma dura guerra com os seres orgânicos e a adoptar um estilo de vida totalmente diverso em relação ao que inicialmente se previa.

Ruby, a terceira personagem mais importante do romance, surge no momento oportuno como adjuvante de Ada, uma fada-madrinha cujo saber prático se alia à erudição da protagonista. Ao salvá-la de morrer de fome numa quinta esvaziada de trabalhadores, onde as tarefas se acumulam de uma forma assustadoramente hercúlea, Ruby torna-se uma amiga indispensável ao quotidiano de Ada.

Tanto Ruby como Inman possuem um conhecimento aprofundado acerca das propriedades das plantas e da vida selvagem, o que os transforma numa espécie de feiticeiros do bosque, à semelhança dos antigos druidas.

Choques Culturais
Em Cold Mountain são realçados alguns conflitos sociais que envolvem as normas acerca daquilo que é socialmente correcto. Desta forma, podemos observar que os habitantes da montanha são encarados pela população de Charleston como selvagens e indomáveis, crescendo em total desrespeito pelas convenções sociais que, naquela pequena cidade do Sul, definem a noção de decoro. Os habitantes de Cold Mountain, por seu lado, descendentes de imigrantes irlandeses e galeses, mantém os seus hábitos culturais muito próximos às tradições dos seus locais de origem – onde predomina a cultura celta, ligada à natureza, de saber empírico e um imaginário povoado de lendas que sacralizam o que para eles é vital para a sua própria sobrevivência. Ostentam o seu pragmatismo e simplicidade desarmantes, manifestando um desprezo condescendente para com os evangelizadores em geral, que se crêem omniscientes das coisas do céu e da terra, de Deus e dos homens.

A crítica social também está presente no romance, sobretudo no episódio que relata a história de Odell – o rico herdeiro de uma vasta propriedade sulista – e Lucinda, uma bela escrava negra, e a forma como ambos se tornaram proscritos na sociedade.

Da mesma forma, a Autor faz referência ao materialismo e à hipocrisia dos federais que, debaixo da máscara da protecção dos direitos humanos, visam apenas defender e ampliar os seus privilégios económicos (espoliar os proprietários dos estados do Sul e apoderar-se de mão-de-obra barata para a indústria).

Simbologia

O romance está polvilhado de símbolos que lhe conferem uma espantosa riqueza estilística. Alegorias, metáforas, personificações proliferam, dando corpo à influência da cultura totémica e xamane, tão típica das tribos índias norte-americanas, impregnada no imaginário do Autor.
No capítulo intitulado “A Cor do Desespero”, o azul (blue) do céu e das montanhas na linha do horizonte, sugerem ou inspiram a melancolia (blue, novamente) das personagens. De Inman, sobretudo. Melancolia, na cor azul do desespero, e fatalidade, estão presentes do discurso do índio Nadador, citado por Inman, um presságio acerca do destino do protagonista.

A Garça Azul, no capítulo “Origem e Raízes”, simboliza a solidão de Ada. A ave, tal como a jovem, possui uma figura elegante, de pernas longas e as pontas das asas negras como o cabelo de Ada. E, segundo Ruby, “um bico afiado como um punhal (...) sempre a pensar que mais poderá apunhalar para comer”, mais uma alusão à protagonista e à sua luta desesperada pela sobrevivência em tempo de guerra.

A garça é uma ave, no entender de Ada, “anacoreta, mística, peregrina e solitária” sobre a qual a jovem acha, inclusive, “esquisito que se consigam tolerar para procriar”. Está, na realidade, a falar de si própria. Ada terá, à semelhança da garça, um destino paralelo ao do seu pai – solitário durante a maior parte da sua vida, detentor de uma felicidade plena, mas de curta duração.

O corvo é um símbolo da maior importância na obra, já que exerce uma influência particularmente marcante nas três personagens principais.
Do ponto de vista de Ruby, a agudeza de espírito, a falta de altivez, a astúcia e o gosto pelas partidas – atributos necessários à adaptação, exigida pelo meio agreste de Cold Mountain. Ada, por sua vez, associa a cor negra, à cor do mal, aos proscritos, àqueles que se banqueteiam com a carniça, símbolo das forças negativas.
Também Inman, habita um mundo onde é possível ver-se a si próprio com a forma de um corvo, isto é, “cheio de enganos secretos e capaz de fugir dos inimigos escarnecendo deles”.

Outros símbolos de relativa importância são, por exemplo, a rosa que, no imaginário de Ada, significa o caminho difícil e perigoso em direcção a um dado objectivo, que poderá ser o amor ou o despertar espiritual.

Ou a toupeira, que adquire um significado extremamente importante associado à personalidade de Ruby, pois trata-se de um animal impotente eremita e cego, cuja solidão e ressentimento a impelem a fazer o mundo desmoronar à sua volta (quando pergunta sarcasticamente ao interromper um casal de amantes “será que é preciso tossir?!”).

Presságios

Há, na obra, vários indícios que pressagiam a fatalidade, para além do texto do índio Nadador. Por exemplo: quando Inman, compara a paixão entre ele e Ada ao percurso de duas linhas paralelas que “quanto mais se afastam, mais se aproximam”, deixando entrever o desfecho do relacionamento entre ambos. Aliado a este indício, Inman tem uma premonição que o faz suspeitar nunca chegar ao seu destino.

Outro indício anunciador de tragédia tem a ver com a morte acidental da mãe ursa, animal com o qual o protagonista se identifica.

Mas o sinal mais significativo prende-se com a detecção da proximidade dos planetas Vénus e Saturno, no firmamento por Ada. O primeiro planeta marca a chegada do Amor, enquanto que o segundo augura um volte-face na Roda da Fortuna.

Por tudo isto, Cold Mountain – O regresso do Soldado, não é uma obra para o leitor comum.

É antes uma obra-prima para ser apreciada pelos amantes da boa literatura.

Denso.

Profundamente intimista.

Detalhadamente sensorial.


Cláudia de Sousa Dias

Friday, January 06, 2006

“O Conde de Abranhos” de Eça de Queirós (Porto Editora; Planeta DeAgostini)


Estamos perante mais uma sátira queirosiana, dirigida à classe política do Portugal do último quartel do sec.XIX.

O romance é construído com base na intenção do secretário do Conde de Abranhos de escrever a biografia deste último. Z. Zagalo, o secretário, declara-o à condessa viúva, em estilo de homenagem ao falecido Conde, numa carta de pêsames, que acaba por se tornar num autêntico elogio fúnebre.

A personalidade deste secretário-narrador parece ser, aparentemente, a de um típico funcionário público: detentor de qualificações médias, inteligência mediana, capacidade crítica limitada – patente no gosto, algo duvidoso, pelo exagero relativo à apreciação das qualidades físicas, genealógicas, intelectuais e de carácter do Conde de Abranhos.

À primeira vista, Zagalo parece ser o maior defensor da ordem estabelecida, da monarquia e do partido no governo, ultra-conservador e bajulador ad nauseam.

Mas, na realidade, o secretário do Conde é o mestre do sarcasmo pois, ao fingir elogiar o seu antigo chefe está, na realidade, a salientar os aspectos mais execráveis da personalidade do Conde, colocando-os em evidência, ao descrever as suas atitudes, salvaguardando-se, ao mesmo tempo, de um processo judicial. É desta forma que coloca a nu as verdadeiras origens sociais de Alípio Abranhos, ao mostrar como este nega ajuda à família, o seu pseudo-moralismo, o oportunismo político, a traição aos seus próprios ideais…

O Conde de Abranhos é, na verdade uma personagem medíocre, mas premiado pela sorte. Consegue ascender socialmente, primeiro, graças a uma avultada herança de um parente colateral, depois, através de um casamento vantajoso e, sobretudo, pela bajulação e um indiscutível talento para o plágio.


Eça aproveita a descrição levada a cabo pelo funcionário Zagalo acerca das “vitórias” académicas do Conde, para criticar os métodos de avaliação utilizados no ensino superior, colocando em destaque a prepotência e o egocentrismo de quem gosta de ver as suas “sebentas” perpetuamente reproduzidas nas folhas de exame, assassinando, ao mesmo tempo, qualquer assomo de espírito crítico ou centelha de criatividade.

Na carta dirigida à condessa viúva, Zagalo dá a entender tratar-se, esta, de uma mulher convencional, sempre politicamente correcta, ou seja, uma verdadeira “mulher de César”. Ao contrário da primeira condessa de Abranhos, falecida, ao que tudo parece indicar, após um incidente algo semelhante ao de Luísa de O Primo Basílio. Ambas são fisicamente semelhantes – a típica loira queirosiana – de origens sociais também semelhantes, que casam com homens um pouco abaixo da sua condição social. Contudo, Jorge, o marido de Luísa, é um dotado engenheiro de minas, íntegro, culto, um amante dedicado, enquanto que o Conde é uma verdadeira fraude social e intelectual e um marido manifestamente negligente. Corrupto e egocêntrico, é pouco atencioso, mais preocupado com a exibição dos seus dotes oratórios do que com o estado físico da sua esposa, aquando do nascimento do seu primeiro filho.

É, também, pela voz de Zagalo que ficamos a saber a opinião de Eça acerca das mulheres intelectuais como a insinuante esposa do Dr. Fradinho. Apelidada de bella, ou de sereia, este género de mulher não é bem vista pelo Autor, pelo facto de a cultura, a sapiência e a verve actuarem como facilitadores da aproximação masculina e, simultaneamente, suscitar o interesse do sexo oposto.

E é, também, nesta obra que o Autor faz o ponto da situação política e social na Europa mostrando as suas excepcionais capacidades de análise e dotes de visionário – ao prever o desmembramento do Império Britânico e o fim da classe política dominante naquele País –, relativamente ao nível de desenvolvimento de Portugal, em comparação aos seus parceiros mais evoluídos na Europa da época.

Para além disso, o Autor fornece, simultaneamente, alguns indicadores interessantes para que possamos constatar, de uma forma mais objectiva, o grau de atraso no que toca ao desenvolvimento económico e cultural do Portugal de então, mais preocupado com as tricas políticas entre partidos rivais, todos eles com a prioridade absoluta de assegurarem um lugar no Governo ou administração Pública para os seus amigos ou familiares.

Mais uma obra imperdível, pela sua lucidez, do maior romancista português de todos os tempos.


Cláudia de Sousa Dias