"O Impressionista" Hari Kunzru (ASA)
Tradução de Isabel Alves
O esbater dos contornos da identidade, numa sociedade e época em que o racismo e a xenofobia implicam necessidade de integração e adaptação e, consequentemente, a perda da própria personalidade
O Impressionista" é um romance cuja acção se inicia na Índia Britânica dos anos 20.
Pran Nath, a personagem principal, é um adolescente mimado, oriundo de uma das mais prestigiadas castas da Índia: os Brâmanes (sacerdotes ou intelectuais). Mas a sua origem tem uma mácula: a da bastardia.
De repente, as suas características físicas - típicas de um ariano - passam a ser objecto de suspeita por parte dos seus conterrâneos e parentes, ávidos da fortuna do jovem.
O desmascarar das suas origens leva-o à expulsão da sua casta transformando-o num Pária - num excluído social - o que vai obrigá-lo a uma mudança de identidade.
As circunstâncias levam-no a assumir o papel de rapariga e a fazer parte de uma sinistra teia que integra uma complicada rede de tráfico humano envolvendomuitas das mais poderosas figuras do Governo Britânico na Índia.
Para preservar a sua identidade sexual, Pran Nath tem de agarrar a oportunidade de fuga logo que esta se lhe depara.
Mais uma vez, muda de nome passando à aprendizagem da sua "anglicização", absorvendo os hábitos e a cultura Britânicos - processo que se completará após a emigração para a metrópole e a usurpação da identidade de um conhecido seu que morre tragicamente.
Em Londres, veste perfeitamente a máscara do típico estudante inglês. Contudo, basta-lhe a mudança de ambiente para se sentir novamente desenquadrado desencadeando, mais uma vez, a necessidade camaleónica de se transfigurar para se confundir com a paisagem social que o rodeia.
"O Impressionista" é um romance cujo tema central é a despersonalização. Os contornos do EU esbatem-se, tal como os contornos numa pintura impressionista, deixando de haver, praticamente, diferença entre a verdadeira personalidade do protagonista e as máscaras que ele utiliza para sobreviver.
O EGO dilui-se.
Hari Kunzru, cujo "O Impressionista" foi considerado pelo jornal "The Observer" como "o melhor primeiro romance britânico de 2002," é detentor de uma escrita fria, implacável, de um realismo acutilante combinado com um humor tipicamente britânico, minucioso até ao extremo nos detalhes que levam a uma evocação perfeita das sensações e a uma nítida visualização de todos os ambientes descritos, o que cria um forte contraste com o título do livro.
Este autor anglo-indiano define, com olhar de lince, os choques culturais entre duas sociedades aparentemente antagónicas, mas cujo racismo exacerbado não permite que seres "híbridos" se enquadrem em qualquer uma delas e muito menos que possam adquirir prestígio social.
O simples facto de um indivíduo possuir os genes de duas etnias diferentes, com fenótipos tão díspares é, tanto na Índia como na Inglaterra da primeira metade do Séc. XX, um estigma de degradação e inferioridade moral congénita.
Através da descrição dos ambientes sociais, Kunzru foca a violência e maustratos a crianças, permitida dentro do meio familiar, o tráfico e utilização de crianças como brinquedos sexuais em bordéis especializados, a hipocrisia e frivolidade da alta sociedade no Império britânico.
Estamos perante um autor que, apesar de ser extremamente crítico, consegue abster-se da tentação de mencionar qualquer tipo de juízo de valor deixando ao leitor a tarefa de efectuar a sua própria avaliação.
O livro é valorizado pela apresentação, no final, de um glossário que explica o significado dos termos menos conhecidos da língua local largamente utilizados na Índia Britânica.
Um romance que, quer pela sua semelhança com acontecimentos que envolveram algumas das mais prestigiadas figuras públicas em Portugal nos últimos tempos, quer pela relevância a nível da compreensão da política internacional da actualidade, não conseguirá deixar ninguém indiferente.
Cláudia de Sousa Dias
O esbater dos contornos da identidade, numa sociedade e época em que o racismo e a xenofobia implicam necessidade de integração e adaptação e, consequentemente, a perda da própria personalidade
O Impressionista" é um romance cuja acção se inicia na Índia Britânica dos anos 20.
Pran Nath, a personagem principal, é um adolescente mimado, oriundo de uma das mais prestigiadas castas da Índia: os Brâmanes (sacerdotes ou intelectuais). Mas a sua origem tem uma mácula: a da bastardia.
De repente, as suas características físicas - típicas de um ariano - passam a ser objecto de suspeita por parte dos seus conterrâneos e parentes, ávidos da fortuna do jovem.
O desmascarar das suas origens leva-o à expulsão da sua casta transformando-o num Pária - num excluído social - o que vai obrigá-lo a uma mudança de identidade.
As circunstâncias levam-no a assumir o papel de rapariga e a fazer parte de uma sinistra teia que integra uma complicada rede de tráfico humano envolvendomuitas das mais poderosas figuras do Governo Britânico na Índia.
Para preservar a sua identidade sexual, Pran Nath tem de agarrar a oportunidade de fuga logo que esta se lhe depara.
Mais uma vez, muda de nome passando à aprendizagem da sua "anglicização", absorvendo os hábitos e a cultura Britânicos - processo que se completará após a emigração para a metrópole e a usurpação da identidade de um conhecido seu que morre tragicamente.
Em Londres, veste perfeitamente a máscara do típico estudante inglês. Contudo, basta-lhe a mudança de ambiente para se sentir novamente desenquadrado desencadeando, mais uma vez, a necessidade camaleónica de se transfigurar para se confundir com a paisagem social que o rodeia.
"O Impressionista" é um romance cujo tema central é a despersonalização. Os contornos do EU esbatem-se, tal como os contornos numa pintura impressionista, deixando de haver, praticamente, diferença entre a verdadeira personalidade do protagonista e as máscaras que ele utiliza para sobreviver.
O EGO dilui-se.
Hari Kunzru, cujo "O Impressionista" foi considerado pelo jornal "The Observer" como "o melhor primeiro romance britânico de 2002," é detentor de uma escrita fria, implacável, de um realismo acutilante combinado com um humor tipicamente britânico, minucioso até ao extremo nos detalhes que levam a uma evocação perfeita das sensações e a uma nítida visualização de todos os ambientes descritos, o que cria um forte contraste com o título do livro.
Este autor anglo-indiano define, com olhar de lince, os choques culturais entre duas sociedades aparentemente antagónicas, mas cujo racismo exacerbado não permite que seres "híbridos" se enquadrem em qualquer uma delas e muito menos que possam adquirir prestígio social.
O simples facto de um indivíduo possuir os genes de duas etnias diferentes, com fenótipos tão díspares é, tanto na Índia como na Inglaterra da primeira metade do Séc. XX, um estigma de degradação e inferioridade moral congénita.
Através da descrição dos ambientes sociais, Kunzru foca a violência e maustratos a crianças, permitida dentro do meio familiar, o tráfico e utilização de crianças como brinquedos sexuais em bordéis especializados, a hipocrisia e frivolidade da alta sociedade no Império britânico.
Estamos perante um autor que, apesar de ser extremamente crítico, consegue abster-se da tentação de mencionar qualquer tipo de juízo de valor deixando ao leitor a tarefa de efectuar a sua própria avaliação.
O livro é valorizado pela apresentação, no final, de um glossário que explica o significado dos termos menos conhecidos da língua local largamente utilizados na Índia Britânica.
Um romance que, quer pela sua semelhança com acontecimentos que envolveram algumas das mais prestigiadas figuras públicas em Portugal nos últimos tempos, quer pela relevância a nível da compreensão da política internacional da actualidade, não conseguirá deixar ninguém indiferente.
Cláudia de Sousa Dias
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