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Thursday, February 24, 2005

"Biologia do Homem" Jorge Reis Sá (Quasi)



Estamos perante mais um lindíssimo livro lançado pelas Quasi Edições cujo lançamento contou com a mais valia da lindíssima voz de Mafalda Veiga.

Esta obra do jovem autor e editor famalicense é um misto de poesia e prosa poética na qual se nota, no aspecto formal, a nítida influência da romântica e nostálgica escrita de Maria do Rosário Pedreira, mas cuja temática reflecte a sensibilidade única de Jorge Reis-Sá.

“Biologia do Homem” é, sobretudo, um livro de memórias. “Todo o poema é memória” (pag. 33). Na primeira parte intitulada “Caminho de Candeeira” o autor reconstrói os momentos felizes de uma infância dourada, edénica, a qual é narrada com uma precisão quase cinematográfica, mostrando cenas do dia-a-dia, rituais em família, a solidez da Amizade gerada na infância, os lugares das brincadeiras infantis, a Escola e o despertar do prazer da aquisição do conhecimento.

Mas também a omnipresença indelével, como uma profunda cicatriz no tórax, do primeiro contacto com a Morte.

E claro, como não podia deixar de ser a referência ao primeiro amor e à sua estreitíssima ligação com a poesia como faz questão de mostrar nos poemas “A definição do Amor” (pág.29) e “Get Real” (pag30) onde afirma, respectivamente, que “Todo o poema é amor” e que “O primeiro amor é sempre anterior às letras, à escrita do primeiro verso”. E só os verdadeiros poetas sabem o quanto existe de verdade nestas duas afirmações.

A poesia de Jorge Reis-Sá é memória viva, dolorosa ou feliz, impregnada, por vezes de melancolia ou do gosto amargo da ausência como no poema “A Morte Continuada”. Poemas que narram uma existência feliz, estival, mas que por vezes são invadidos pela gélida nortada que anuncia a chegada do frio traduzindo-se em versos que apunhalam a alma de quem os lê como no “Poema ao Filho” (pag.17), no já citado “Morte Continuada”e, sobretudo, no último verso de “Pela Manhã o Pão” – poemas de Amor e Morte.

Na segunda parte do livro – “Força de Coriolis” -, o poeta utiliza esta expressão que é normalmente atribuída a um fenómeno físico, mas cujo significado, em linguagem poética, pode traduzir-se numa revolução do quotidiano que obriga a uma reestruturação completa de uma forma de vida tal como a Força de Coriolis que, após a passagem da linha do Equador, obriga a água em redemoinho a correr em sentido contrário. Ou, já agora, a direcção do vento após a passagem do olho do furacão.

Nesta segunda parte, Jorge Reis-Sá presta homenagem às pessoas mais importantes da sua vida: a mãe, e esposa, os amigos mais próximos, as pessoas que mais admira.

É a parte da sua autobiografia que corresponde à vida de jovem adulto que vai desde as memórias do tempo da faculdade à concretização dos seus sonhos de realização pessoal, passando pela descoberta do amor adulto, intenso e completo como nos poemas “Poderia dizer-te” (pag 37) e “O quarto da Morta” (pag 40), este último com a presença das aves consagradas à deusa Afrodite. Dois textos de prosa poética que poderiam facilmente ser considerados duas lindíssimas cartas de amor.

A poesia de Jorge reflecte também a sua vastíssima cultura, um ecletismo que abrange não só a literatura, mas também a música, o cinema e as restantes Artes do Espectáculo.

“Biologia do Homem” é o livro em que o poeta desnuda a sua alma para entrar em contacto consigo próprio e com as suas raízes à imagem e semelhança da criança cujo corpo nu repousa em total contacto com a natureza na lindíssima fotografia da capa. Um livro que apela à ecologia da alma humana e à integração no seu respectivo ecossistema natural: os afectos. O regresso às origens.

Um livro no qual abundam a criatividade e o talento mas que é, acima de tudo, autêntico.

Belo e autêntico.



Cláudia de Sousa Dias

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