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Bibliomaníaca e melómana. O resto terão de descobrir por vocês!

Thursday, February 24, 2005

"Na Corda Bamba" de Joanne Harris (ASA)


Tradução de Teresa Curvelo

A celebérrima autora dos best-sellers "Chocolate", "Cinco Quartos de Laranja", "Vinho Mágico" e "A Praia Roubada", leva-nos, desta vez, a efectuar uma viagem no tempo. Mais propriamente à França do séc. XVII.

Neste romance, J.H. conta-nos a história de uma jovem actriz e equilibrista que integra um grupo de saltimbancos. As circunstâncias obrigam-na fugir e a refugiar-se, incógnita, num convento para escapar a uma acusação de bruxaria.

Lá, encontra, durante cinco anos, a paz e a segurança que lhe permitem criar a filha.

Mas a morte da idosa abadessa, Mère Marie, coincide com a chegada de Guy LeMerle - uma sinistra figura do passado da ex-Donzela Alada, agora disfarçado de Père Colombin - que irá moldar a personalidade da nova abadessa: uma pré-adolescente, arrogante mas totalmente vulnerável, oriunda de uma família nobre e corrupta.

Os dois protagonistas - O Melro e a Donzela Alada - vão digladiar-se durante toda a trama, brilhantemente arquitectada pela autora, num impressionante jogo de poder.

Guy LeMerle, que representa para a Donzela Alada a sua "ave de mau agoiro"é, na verdade, um homem extremamente perigoso. Demagogo, manipulador, joga com as fragilidades emocionais das ingénuas religiosas que habitam o, até então, pacífico convento.

Uma ave maléfica que semeia a intriga, gera o conflito, espalha o medo, usando o poder de sugestão. Excelente actor, jogador exímio, fascinado pelo perigo, gosta de viver a vida "na corda bamba". Cínico até à medula, é motivado por um único desejo: a vingança. Para tal, não olha a meios para atingir os seus fins.

LeMerle é um perfeito Lúcifer, perversamente sedutor, incapaz de qualquer manifestação genuína de afecto e,por isso mesmo, facilmente induz o seu rebanho de dóceis religiosas a comportarem-se como deseja.

A tranquilidade paradisíaca do convento transforma-se num Inferno de desconfiança onde prolifera a mesquinhez, a delação e a calúnia.

Em contrapartida, a Donzela Alada é a única que pode apreciar condignamente as capacidades histriónicas deste melro perverso.

Juliette é uma mulher racional, bastante mais instruída do que as suas companheiras, mas possui, alguns pontos fracos: o seu cabelo ruivo aliado aos conhecimentos acerca das propriedades químicas das plantas e à capacidade de ler oTarot colocam-na, facilmente, face à possibilidade de ser conotada como bruxa -envenenadora.

Para não falar da sua filha Fleur - instrumento que o Melro não hesita em utilizar para silenciá-la.

Apesar de tudo, Juliette revela-se uma jogadora à altura, pois é a única que está apta a lidar com as mesmas armas do seu ex-amante.

Este pode, de longe, considerar-se o melhor livro de Joanne Harris até hoje escrito, ultrapassando até o seu delicioso "Chocolate", não só pela complexidade do carácter das várias personagens que figuram no romance, mas sobretudo pela suprema qualidade literária do texto, que ilustra de maneira muito vívida a complexidade da natureza humana.

E, principalmente, pela construção de uma personagem que pode ser considerada como o maior vilão conhecido, ultrapassando mesmo um Iago do "Othello" ou o detestável Scarpia da "Tosca", pela capacidade de usar da mentira, da dissimulação, das meias-verdades, pela periculosidade da sua maligna sedução.

Um vilão assustadoramente real.

Sem o lirismo das obras anteriores, "Na Corda Bamba"conserva alguns traços em comum com as mesmas, nomeadamente, a espantosa força de carácter e lucidez, típicas das suas heroínas, em Juliette.

O final é alucinante, um verdadeiro vórtice de emoções, oscilando ao ritmo próprio de uma montanha russa.

É especialmente interessante a alternância de discurso entre os dois protagonistas. Os capítulos narrados pelo Melro são assinalados com a pinta de espadas - símbolo do masculino, representa a lança ou o falo -, em contraste com os capítulos narrados pela Donzela Alada, Juliette, identificados pela pinta de copas - símbolo do feminino que pretende representar o cálice ou o útero.

Um impressionante jogo de equilibrismo no qual o último a cair é quem triunfa.

A eterna luta entre oBem e o Mal.

Entre a Mulher e a Serpente.

Quem será o vencedor?

Se é que a luta tem um fim...


Cláudia de Sousa Dias

2 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Olá!

Ainda não li nenhum livro de Joanne Harris, por isso mesmo cheguei aqui. Encontrei este blog quando procurava sobre o considerado "melhor livro de Joanne Harris". E aqui estou, pronto desde o primeiro momento em que li, aberto para aceitar a tua sugestão.
Diz-me: "Na Corda Bamba" é melhor que "Cinco Quartos de Laranja" (não te esqueças que quem te pergunta é um ignorante...)? De qualquer forma, é mesmo este o melhor livro dela?

Obrigado pela tua opinião! Continua, pois espero vir a conhecer este sítio melhor!
Abraços.

Pedro

P.S.: Já agora, e como não sei se já leste (não tive ainda tempo para percorrer todas as tuas páginas!), aqui vai um conselho: "Meu Pé de Laranja Lima", de José Mauro de Vasconcelos. Eu gostei muito, acho que o autor descreve o mundo e as pessoas tão unicamente e sensivelmente. Muito bonito, marcou-me porque fez-me chorar...

9:06 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Não posso dizer se é o melhor livro dela porque não li os três últoimos. sei que é o melhor dela até á data em que escrevio este post pela verosimilhança com que construiu a personalidade de Gui LeMerle, o vilão do romance. Em ex-aequo com Chocolate que é uma excelente estória de evolução e crescimento no que toca à autonomia e independância femininas...

Mas tenho a certeza que gostará de qualquer livro de Joanne harris. Qualquer destas duas sugestões é um bom começo.


Boa leitura


CSD

3:31 PM  

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