"Mariana" de Manuela Monteiro (Quasi)
Mariana é uma adorável colectânea de contos da escritora famalicense Manuela Monteiro, ex-professora de português, que agora se dedica inteiramente à escrita. Inclui quatro pequenos contos que relatam, numa linguagem poética e cheia de ternura, vários momentos da vida e à qual a autora apelida de "o meu livro de afectos".
Ao percorrermos as páginas do conto inicial que dá nome ao livro, deparamo-nos com o cenário idílico do ambiente académico de Coimbra, nos anos 50, que ilustra a turbulência interior do universo afectivo de uma jovem estudante de letras de onde se salienta a expressão do direito à diferença e a ânsia de liberdade de escolha, um traço de personalidade em comum com o carácter insubmisso da autora.
" Mariana" é uma lindíssima narrativa que permite ao leitor reviver a intensidade de um primeiro amor ao qual se mistura o romantismo dos ideais da Revolução Francesa - Liberté, Egalité, Fraternité.
O nome Mariana também não é escolhido por acaso. No texto, transparece a ideia de ter sido precisamente inspirado em "Marianne" o símbolo da República Francesa, devido à preferência da protagonista face a autores desta mesma nacionalidade. Este conto é detentor, para além de uma forte riqueza emocional, de uma aura de secretismo, sobretudo quando se refere ao grupo que se reune "à mesa do canto esquerdo do bar da faculdade", na qual, muitas vezes, a linguagem cifrada dos seus membros faz lembrar um pouco a atmosfera do de um livro de espionagem devido às actividades dos membros do referido grupo que actuam clandestinamente, enquanto conspiram contra o regime totaslitário.
Um pormenor de beleza extraordinária é a introdução, no início de cada capítulo, de um extracto de "o Cântico dos Cânticos", o mais poético dos textos bíblicos, de que a autora se serve para ilustrar a intensidade telúrica do amor e a beleza perfeita do amor entre Mariana e Miguel, marcado pela tragédia, o preço pago pela audácia.
Em "O Avô" a autora recupera a infância perdida expressa nas cores, sabores, perfumes e nos momentos únicos de uma idade dourada e cristalizada no tempo. Uma viagem ao Hades para recuperar um ente querido à semelhança do mito de Orfeu e Euridice.
Em "O Menino" estamos perante um refúgio idílico que representa, mais uma vez, a idade de oiro de uma criança à volta da qual todos se empenham em criar "um paraíso" no qual ela é protegida face às adversidades, evitando os desgostos que elas próprias sofreram na tentativa de lhe proporcionar um crescimento saudável, sem traumas. Edénico. Daí o tecto abobadado no quarto da criança pintado com anjos a velarem pela tranquilidade do seu sono.
Por último, "A Avó" reflecte já a fase madura da vida de alguém que cuja existência foi dedicada a adquirir sabedoria e a transmiti-la às gerações vindouras. É precisamente o que faz esta avó moderna, culta, ao seu neto a quem chama de "passarinho" que corre para ela depois da aulas "com as asas abertas".
Este conto tem a particularidade de proporcionar-nos aos leitores que por ele se deixam fascinar, o reconhecimento de alguns lugares mais característicos como: a Escola Primária, a casa na qual vive um velha senhora com muitos gatos, as grades verdes da escola, o lago em frente à Igreja...
Uma história que tem, tal como a primeira, a intenção de explicar às gerações vindouras a carga idealista da palavra liberdade, personificada, desta vez, pelo símbolo da pomba com as asas abertas tal como o "passarinho" a "voar" para fora da sala de aula em direcção ao espaço aberto onde pode brincar (quase) sem restrições e perpetuar a lembrança de Marianne/ Mariana.
Para manter vivo um mito sem idade e um sonho intemporal. O retrato de uma época de crença no futuro e de esperança. Uma realidade bem diversa da dos dias de hoje.
Cláudia de Sousa Dias
Labels: Repostagem repescada do arquivo morto de Fevereiro de 2005
2 Comments:
(Claudia,
por favor manda-me uma meg para recuperar o teu endereço de e-mail.Obrigado)
Combinado.
Faço já isso.
csd
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