Egoísta 52 – Revolucionar
Esta é, ainda, a edição de Abril, que
aqui posto por ainda não me ter chegado às mãos a edição deste
Natal, a dos Anjos, a quel espero adquirir ainda antes de acabarem as
férias.
A capa deste número lembra um grafitti
– o conteúdo, no entanto está longe de se assemelhar ao do ensaio
fotográfico da outra revista, de ciência sociais, que foi alvo de censura neste ano que
agora finda, mas contém uma refrescante e saudável dose de rebeldia.
Através desta edição da Egoísta
é-nos dada a conhecer a perspectiva, em cores bastante
diversificadas, das várias vozes literárias relativamente à forma
como vêm a revolução (a de '74) ou a uma revolução. Há textos sublimes, outros mais
prosaicos, há entrevistas que são autênticos documentos
históricos, fotografias que se tornam autênticos testemunhos de
momentos-chave, imortalizados na fracção de segundos de leva o
disparo de um flash, e outras que são a mais pura expressão do
livre exercício do movimento, da emoção, do pensar, da palavra.
Comecemos então pela perspectiva que é
vertida no editorial de Mário Assis Ferreira, uma reflexão
sobre o que mudou ou deixou de mudar na mentalidade colectiva
portuguesa nos últimos quarenta anos.
Para João Vilhena a revolução
é aquilo que fazem todas as aves – sair da casca. É o que sugere
a série de fotografias que apresenta na Revista, intitulada “Egg
Series”. Na verdade, algumas voam mal rompem o invólucro onde
decorre a sua gestação. Outras nunca chegam a fazê-lo, como a
avestruz. No entanto, todas rompem a casca para enfrentarem o mundo
“cá fora”.
Eduardo Lourenço é
entrevistado por Ana Sousa Dias e fotografado por Alfredo
Cunha advoga que “a liberdade é uma luta sem fim”. Uma luta
pela qual se paga um preço, em regra muito elevado. Este filósofo,
actualmente a residir em França, disserta em Diálogo com Ana
Sousa Dias, a forma como é encarada a Liberdade ao longo das
várias épocas da História.
Lídia Jorge apresenta um
excerto do seu último romance “Os Memoráveis” onde, a propósito
de Liberdade, fala de euforia, memória, esquecimento e desilusão.
Segue-se o texto “Abril” de Ana
Sousa Dias a servir de legenda
a uma foto-reportagem de Alfredo Cunha.
O texto é precedido de um dístico de Paul Nizam,
retirado do Livro
Aiden-Arabie, à laia de
epígrafe, para estabelecer um paralelismo com as Primaveras Árabes,
sublinhando a divergência entre ambos os contextos
histórico-políticos e sociais. Trata-se de uma crónica de
momentos-chave que iriam despoletar profundas transformações no
país nas décadas seguintes e cujas consequências se verificaram a
nível demográfico, económico e sobretudo social.
“Certa
noite em Vildands Vägen” é o título de Mário de
Carvalho, para este número.
Trata-se de uma crónica do dia da Revolução, contada a partir do
exílio e dos ecos que vão chegando ao narrador pela rádio, naquele
que parecia ser um dia igual a tantos outros, no quotidiano daquela cidade sueca.
O
primeiro intervalo visual chega-nos com as imagens de Jorge
Colombo e daquilo que lhe
parecia ser a vista de uma grande metrópole – Tóquio ou Nova
Iorque – a que chama de “Constelações – pintura digital.
A
seguir é tempo de poesia com Manuel Alegre e
o poema “1940
Dunquerque”, um
episódio do tempo de Segunda Guerra Mundial em que se vê envolvido
um grupo de jovens portugueses; é o poema da Libertação, de um
apelar à renovação de um Abril de outros tempos.
Lídia Jorge volta
à liça para presentear os leitores com um texto inédito em prosa
que se pode ser como se de poesia se tratasse – é, na verdade,
poesia – “Às vezes, pela tarde” para mostrar “como se rasgam
os limites”.
A
fotógrafa Annie Leibovitz
traz um conjunto de fotografias que pressupõem novas formas,
revolucionárias, portanto, de olhar o mundo, o espaço, o futuro, a
vida, a Arte.
Sobre
um fundo rosa-coral ou rosa-flamingo, a irromper em letras brancas, o
poema “incipit” de José Manuel Mendes, remete para o discurso de insubordinação de Natália Correia
“Não percas a rosa”.
Outro
poema em prosa é-nos trazido pela pena de Nuno Júdice,
que nos transporta ao período do Império Romano, época em que
revoluções se tingiam de sangue, empapando a terra e manchando as casas de vermelho, do sangue dos que caíam em batalha ou
sucumbiam a intrigas palacianas.
“O
dia em que” é o título do texto de Maria Manuel Viana
a falar de “uma mulher banal”, onde a voz da narradora traz o
arquétipo oposto ao da “mulher fatal” ou ao da “mulher
genial”, mas que sente um inquietante impulso de fazer algo de
extraordinário, ou de transgredir, mas que lhe falta sempre a
inspiração. Essa mulher sente, por isso, necessidade de criar
personae que a superem e por isso estas, tal como acontece no inquietante conto de
Andersen “A Sombra”, acabam por tomar conta da sua vida,
sobrepondo-se-lhe.
A
seguir, novamente um intervalo. Desta vez, de escuridão.
“Blackness”, de Pedro Ferreira.
Trevas profundas de onde emerge a luz de um olhar, pele ou cabelo,
evadindo-se, revolucionariamente, insubordinadamente, a partir do
mais negro abismo.
E
assim se chega a um dos melhores textos deste número da Egoísta, um
excerto de uma obra de Teolinda Gersão,
“Paisagem com mulher e mar dentro”, no qual só é dado a
perceber o quanto depende uma família extremamente rica dos seus
serviçais e do labor da classe trabalhadora. E ao lê-lo, percebemos
também o quanto essa consciência mudaria o seu quotidiano e
provavelmente todo o sistema social, calibrando o peso de todos os
estratos, ao pôr em causa o excesso de poder de qualquer um destes.
Luís Barros
aceitou para este número da revista o desafio de escrever sobre um
tema que o apaixona e, por isso, ligado à ideia de liberdade: aquela que se liga ao acto de amor que consiste em deixar alguém partir,
abdicar da presença do ser amado. Um texto que fala da dor
desencadeada por algo que despoleta uma revolução no quotidiano,
consequência de uma outra, a de carácter político.
A “Rita” de
Valério Romão é a revolução causada por uma vida que se
esvai nas mãos de um profissional de saúde e lhe muda radicalmente
a forma de olhar a profissão, o trabalho, a família, o amor, a
vida. Nada é igual e o quotidiano da personagem, que é também o
narrador, é constantemente assombrado pelo fantasma de Rita.
Segue-se mais um
intervalo fotográfico, com a expressividade das irreverentes
fotografias de Carlos Ramos.
Depois, João
Tordo mostra o Eu de um narrador cuja percepção do mundo que o
rodeia é alterada de tal forma que as coisas que antes pareciam
levar ao caminho da felicidade passam agora a ter um valor relativo.
O caminho para lá chegar já não é o mesmo e, se calhar, haverá
que alterar a rota, ao tomar a consciência de que perseguir a
liberdade pode sempre tornar-se uma prisão e que aquela, quanto mais
se busca mais se lhe escapa.
Outro intervalo se
segue, desta vez intitulado de “Waves”., da autoria de Nick
Selway, um ensaio fotográfico de grande beleza cromática com o
azul do mar a representar a Liberdade e a Insubmissão inscritas nas
ondas, ora moldando a costa ora reclamando o seu território.
Raquel Serejo
Martins conta, em estilo quase telegramático, a vida de um homem
que nasceu em 1914, o ano em que estalou a Primeira Guerra Mundial e passa por um atribulado conjunto de peripécias, interligando acontecimentos históricos e pessoais até chegar a 2014. A.D. Mas já sem fôlego para novas
revoluções.
Alex Harper apresenta
mais um ensaio fotográfico intitulado "Private Act", este a preto e branco, onde se dá lugar
à liberdade de expressão dos corpos no esplendor da sua nudez em
poses que desafiam as convenções.
A
“[R]evolução” de João Adelino Faria contém
um trocadilho que opõe a palavra “Revolucionar”, tema da
revista, à palavra “Reformar”, sendo que a primeira é
consequência de uma evolução e a segunda o sinónimo de
estagnação. O Autor caracteriza, através de um pertinente
exercício de reflexão, várias gerações que pretenderam, de
alguma forma mudar o mundo.
“Jumping”
é o novo ensaio fotográfico, o último deste número da Egoísta, a
mostrar o corpo em movimento, desafiando a lei da gravidade numa
atitude de revolucionária insubmissão, da autoria de Stéphane
Giner.
O
último texto é uma obra-prima de Miguel Mesquita que
dá pelo título “A Casa dos Vazios” ou de como diante de uma
crise de liderança há sempre aqueles que se valem da esperteza para
levar a sua avante face aos que não têm coragem para
revolucionar o quotidiano e virar a vida do avesso, escravizando-se
pela eternidade.
E
assim termina a Egoísta de Abril de 2014, desta vez subordinada a um
verbo cada vez mais em desuso e de aplicação cada vez mais rara em
países democráticos e habituados à paz.
E
como estamos ainda em época festiva devido ao fim-de-ano desejo-vos
uma excelente 2015.
Cláudia
de Sousa Dias
07.12.2014
9 Comments:
no mural de CSD
Francisca Maia e Helder Magalhães gostam disto.
Graca Monteiro agora postam no facebook
5 h · Não gosto · 2
Claudia De Sousa Dias pois é. Mas os posts do face desaparecem. Enquanto que no blogue ficam sempre guardados no arquivo.
3 h · Gosto
Duas pessoas gostaram deste post no mural "o que andamos a ler?"
2 pessoas gostam disto.
Luisa Jardim
9 amigos em comum
Adicionar amigo/a
Raquel Serejo Martins
45 amigos em comum
No mural "o que andamos a ler?":
Luisa Jardim A número 53 é magnifica!
5 min · Gosto
Claudia De Sousa Dias Vou comprá-la logo que a Livraria a receba.
Agora mesmo · Gosto
Luisa Jardim Acrescento, a editora da revista, a escritora Patricia Reis, é maravilhosa!
2 min · Gosto
Claudia De Sousa Dias Sim, tem feito um trabalho excelente ao longo destes anos todos. É um elemento imprescindível na equipa.
Agora mesmo · Gosto
No mural de CSD há mais uma pessoa a gostar do post:
Beatriz Hierro Lopes gosta disto.
E também na página "Livros no Facebook":
Raquel Serejo Martins e Ricardo Figueiredo de Carvalho gostam disto.
Obrigada pela divulgação! A ver se palmilho a próxima Egoísta :)
Beijinhos
Tens de a encomendar. Eu vou receber a minha na 100ª página. Espero que para a semana que vem já lá esteja.
Claudia, como a posso contactar? :-)
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