“Virginia Woolf” by Alexandra Harris (Thames &Hudson)
A historiadora cultural Alexandra
Harris é uma cintilante, original, maravilhosamente empenhada e inovadora
voz, cujo primeiro livro, Romantic Moderns, venceu o Guardian
First Book Award. Nascida em Sussex, 1981, Harris formou-se na
Universalidade de Oxford e no Courtauld Institute London, leccionando
actualmente a cadeira de Inglês na Universidade de Liverpool (tradução minha).
Cultural historian and writer, Alexandra
Harris is a brilliant, original and wonderfully engaging new voice
whose first book, Romantic Moderns, was winner of the Guardian
First Book Award. Born in Sussex 1981, Harris was educated at the
University of Oxford and the Courtauld Institute, London, and is
currently Lecturer in English at the University of Liverpool. (Nota
da capa da presente edição).
Ostentando uma capa com o estilizado retrato de Virginia Woolf pintado por Roger Elliot Fry (Roger
Fry, cuja biografia da autoria de Virginia Woolf foi já comentada neste blog), o livro consiste num périplo cronológico pela vida e obra da
escritora, figura emblemática do Modernismo inglês na
Literatura. A contextualização da obra e do processo da escrita de
Woolf por Harris é feita em linguagem simples e facilmente inteligível mesmo
para os leitores que não têm o inglês como língua materna ou
nunca tenham lido nada de VW.
O prefácio (Foreword) traça uma
pequena nota biográfica a representar o quadro geral da sociedade
vitoriana em que decorre a infância e adolescência de Woolf, os
sucessivos dramas familiares que marcaram profundamente a sua forma
de ser e inspiraram grande parte da ficção construída a partir
de uma base real, marcada também por um contexto de grandes
transformações socio-económicas e culturais ocorridas nas
primeiras décadas do século XX, as quais alteraram drasticamente o
curso da história.
A própria Alexandra Harris não deixa
de salientar que:
«In this book I have tried to
present in a concise form the outline of Woolf's life and some of the
most distinctive patterns of her thought. It is meant as a first port
of call for those new to Woolf and as an enticement to read more. I
hope it will also set off a few fresh ideas (or arguments) in
readers long familiared with the material I present.».
A obra divide-se em dez capítulos de
leitura agradável. No primeiro capítulo, "Victorians" (1885-1895), é explorado
o ambiente cultural e os contextos socio-económico, familiar e
afectivo em que viveu Virginia Woolf já na fase final da era
vitoriana, relacionando esse contexto sociocultural e político com a forma como se exprime Woolf.
O segundo capítulo, “Getting
Trough”, abrange o período de 1896 a 1904, a viragem do século,
cujo final coincide com a morte de Julia Stephen, mãe de Virginia
Woolf e a primeira das grandes afectivas e à qual se
sucede um diagnóstico do problema do foro psiquiátrico de que viria
a sofrer até à data da sua morte. Harris estabelece, a partir deste
ponto de viragem, uma correlação entre as crises emocionais sofridas
pela escritora, juntamente com os surtos que caracterizam a manifestação da
doença, e as interrupções dos ciclos de actividade e produção
escrita de Woolf, mostrando que os dois fenómenos (crises e ausência
de produção escrita) estão intrinsecamente ligados. Harris
desmistifica também a concepção romântica que associa a
criatividade à loucura, tal como fizeram já algumas investigadoras
portuguesas na Universidade Nova de Lisboa, que estabeleceram uma ligação similar na obra de Fernando
Pessoa (vide artigo deste blogue sobre a Revista Modernista).
A depressão crónica, com laivos de psicose, que afecta Virginia Woolf
toma, na óptica de Harris, a configuração da
doença bipolar. Na época, esta doença era ainda diagnosticada de forma
imprecisa, e na maioria das vezes, de
forma completamente errónea pelos psiquiatras de então. No
caso de Virginia Woolf, após a leitura deste livro, percebe-se que a
manifestação das crises que levam à manifestação da doença
estão sempre relacionadas com situações de perda afectivas ou a
períodos de grande instabilidade ou stress. O ponto de vista de Harris consiste em mostrar como as
situações mais críticas deixam se encontram inscritas, na maior
parte das vezes, no discurso de Virginia Woolf na transposto para a sua escrita ficcional e não só.
O capítulo 3, “Setting up”
(1905-1915) inicia-se com a mudança da família Stephen (nome de
solteira de Virginia) para a casa de Gordon Square, tornando possível à escritora e às irmãs juntarem-se ao grupo de intelectuais de que
fazia parte o seu irmão Toby, que organizava reuniões em casa com
os seus colegas de Cambridge, grupo esse a que mais tarde daria
origem ao “Grupo de Bloomsbury”:
« “The house in Garden Square was
large and bright. With no figure of authority to set out the rules,
it seemed that new patterns of age could be invented here. Thoby and
his friends from Cambridge sat up late in the drawing-room. Vanessa
[a irmã] was revealling in the sense of liberation. The scene was set
for sexual, social and artistic freedoms that would become associated
with Bloombsbury.” Virginia would later enjoy talking about this
moment of releae» (Harris, p. 39).
Este capítulo foca-se ainda na a
estreia de Virgina Woolf na escrita ficcional com o romance “Voyage
out”, tendo ela antes dedicado o seu tempo ao jornalismo e à
escrita diarística e epistolar. Coincide também com o tempo em que
Virginia Stephen conhece Leonard Woolf que viria a ser seu marido.
O capítulo 4, “Making a Mark”
(1916-1922), em que Harris mostra o empenho de Virginia em consoolidar o seu estilo próprio, coincide com os dois últimos anos da Primeira Guerra
Mundial e o período de recuperação económica do pós-guerra
durante o qual VW, se torna cada
vez mais audaz, na contestação do cânone literário
da época, para encontrar a sua própria “voz” a qual deixaria impressa a
sua marca própria na literatura inglesa do século XX. Harris sublinha que, durante esta fase,
Woolf produziu dois romances: Night and Day e Jacob's Room
. É também a altura em que a sua actividade como crítica literária
começa a adquirir importância, devido ao contacto com vários
escritores seus contemporâneos, como Katherine Mansfield, James Joyce e T.S.Elliot.
No capítulo seguinte, “Dran on and
on” (1023-1925), Harris realça os períodos de intermitência
entre a sanidade ou a chamada "normalidade" e a “loucura” que se instalava por longos
períodos na vida da escritora e a obrigava a adiar por longos períodos muitos dos seus
projectos bem como a estabelecer uma rotina rigorosa que a obrigava a passar
longas temporadas sem escrever. A actividade como editora, realizada
em conjunto com Leonard Woolf, cresceu em importância neste período.
A casa de Tavistock Square, no centro de Londres, era onde mais
gostava de passar o tempo, mas como a escritora era obrigada a ficar longas temporadas
em Richmond por razões de saúde e profissionais (é ali onde tem a
gráfica) os seus trabalhos de criação são suspendidos e interrompidos frequentemente. É também nesta fase que
inicia a controversa relação com Vita Sackville-West.
O capítulo 6 “This is it”
(1925-1927) foca-se na descrição do contexto em que é escrito o
romance To the Lighthouse que, afinal, actua como uma terapia ao
mesmo tempo que começa também construir os alicerces
para a criação de The Waves e Mrs. Dalloway,
aproveitando então Virginia ao máximo os períodos de lucidez para a
produção literária. Percebe-se a partir das descrições de Harris e da forma como expõe os factos seguindo uma linha cronológica mas relacionando factos que se sucedem no mesmo período de tempo, que esta alternância entre os períodos de “lucidez” e “loucura”
de Virginia Woolf, mais não é do que a sucessão de períodos de depressão
profunda, caracterizados inclusive por alucinações com períodos de
hiperactividade, ambos típicos da doença bipolar.
«Woolf was working towards a
philosophy about these moments of clarity. She has experienced them all her life, as shocks or revelations, moments in which what was
blurred becomes in an instant very clear.» (Harris, p. 96).
No capítulo 7, “A Writer's Holliday”
(1927-1928), é evidenciada a onda de choque na opinião pública provocada pela
publicação de Orlando (1928), um ano depois de To the
Lighthouse devido ao corte
radical com a forma clássica (progressiva) de desenvolvimento da
narrativa. Mas mesmo em relação ao conjunto da obra da escritora
Harris não deixa de sublinhar que esta publicação é atípica da autora, que este livro simplesmente “did
not fit” (pg.99), devido à ambiguidade, à androginia e
ambivalência das personagens, particularmente no tocante à
identidade sexual da personagem central da trama.
Já o capítulo seguinte, “Voices”
(1929-1932) foca-se, principalmente, na escrita de The Waves:
«The waves is a
book of voices. Six characters speak in turn, three men and three
women, each articulating his or her own pleasures and fears, each
responding to the other five, working out how thet are different and how they are the same»
(Harris, p. 112).
Harris salienta que
o prestígio de Woolf atingiria o seu auge em 1932, altura em que
seria convidada a dar aulas em Cambridge, no Trinity College, convite
que acabaria por declinar por divergências ideológicas:
«What she wanted
to talk about now was not the kind of thing the dons of Trinity
would want to hear.» (Harris, p. 125).
O capítulo “The
Argument of Art” (1932-1938) debruça-se sobre o cenário em que é
escrito The Years, publicado em 1938:
«The book was
extremely ambitious: “I want to give the whole of present society
(…), nothing less: facts, as well as the vision. And to combine
them both. I mean, The Waves going on simultaneously with
Night and Day”. So this was a bringing together of all she had done so far, calling on the visionary qualities she had developed in The Waves to give meaning to the kind of realism she had
used in her early novels» (Harris, p.126).
Woolf viria a
escrever, durante este período, o livro de ensaios intitulado Three
Guineas que a escritora via como continuação de A Room of
One's Own, escrito alguns anos antes.
O último capítulo “Sussex”
(1938-1941) centra-se novamente no aspecto pessoal da vida de Woolf:
o agravamento da doença, sem dúvida estimulado pela morte do seu adorado sobrinho Julian, durante a Guerra Civil Espanhola e pela destruição
da sua casa em Tavistock Square durante o bombardeamento levado a
cabo pela aviação nazi, durante a Segunda Guerra Mundial.
Um anos antes de falecer, Virginia
Woolf publica ainda a biografia de Roger Fry, a pedido da família
deste e também o seu último romance, Between the Acts:
«Between the Acts is
made of interruptions like this one: conversations cut off, lines
forgotten. People keep talking and shuffling during the play. Scenes
keep being disrupted and then reconvened. The effect is like a
kaleidoscope with beads falling into new patterns». (Harris, p.148).
Para Harris esta é uma obra que podemos classificar como “entre
géneros” pois situa-se algures entre o romance, o drama, a crónica
e a escrita diarística.
A
última parte “Afterwards” que se pode considerar como uma espécie
de epílogo, traça o quadro evolutivo do impacto que teve a obra de
Virginia Woolf nas décadas que se seguiram ao seu suicídio, e a forma
como os herdeiros, o marido, Leonard Woolf, o cunhado, Clive Bell e os
sobrinhos de Woolf projectaram e divulgaram a sua obra, de forma a que a obra de Virginia não caísse no esquecimento e em projectá-la como uma figura marcante, emblemática, no
mundo das letras.
Virginia
Woolf é talvez a escritora de língua inglesa do século XX mais
estudada não só no Reino Unido, mas no mundo e aquela que mais
inspira escritores profissionais, biógrafos e romancistas,
estudantes, académicos, passando rapidamente à categoria de mito. O seu “Eu”, discretamente refugiado por detrás das máscaras (de escritora, de intelectual,
de mulher na esfera familiar, social e profissional) torna-se mesmo inspiração para a criação literária de terceiros tal como sucede em As Horas de Michael Cunningham.
Mas não há nada como ler a sua prosa. Harris é, no entanto, e sem sombra de dúvida um excelente
texto de apoio para iniciados devido ao tom coloquial que domina o
seu discurso, informal mas preciso e copm uma extraordinária capacidade de síntese, patente logo nos títulos
que encabeçam cada capítulo. E esta capacidade de síntese, que se caracteriza pela forma como consegue em tão poucas páginas condensar em linhas
muito gerais os principais traços que caracterizam a obra de
Virginia Woolf, articulando a dimensão da vida da pessoal da
escritora com o seu ethos, a sua imagem pública, as vivências afectivas, o
posicionamento político e ideológico fazem com que valha a pena ler esta biografia.
Cláudia
de Sousa Dias
30.05.2015
4 Comments:
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Walid Maciel Chaves Saad É raro ler biografias sobre escritores,acho que não tenho tempo e em vez disso leio mais um romançe do escritor,é o que me aconteceu com a Virgina Woolf mas gostava de ler uma biografia dela.O "Ulysses"do Joyce continua à espera que o leia ou tente ler,talvez neste caso começar por uma biografia não fosse má ideia...(no entanto já li um livro dele).
Não gosto · Responder · 1 · 2/8 às 0:04
Susana Villar A biografia da VW da Hermione Lee é fantástica. Esta n li.
Gosto · Responder · 2/8 às 2:00
Claudia De Sousa Dias A de Lee, ainda só li o capítulo que está relacionado com o pos-impressionismo, o grupo de Bloomsbury e Roger Fy por causa da tese de do artigo sobre a biografia de Roger Fry da autoria de Woolf. E também por causa da dissertação do mestrado.
Gosto · 1 · 2/8 às 11:41 · Editado
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José Ferreira heart emoticon
Não gosto · Responder · 1 · 2/8 às 10:14
E na página do grupo "o que andamos a ler":
Ana P. P. Ribeiro, Henrique Normando e Rui Gonçalves gostam disto.
Ana P. P. Ribeiro Tenho para me estrear com esta escritora "Rumo ao farol" e "Orlando".
2/8 às 13:34 · Não gosto · 1
Na página "Livros no Facebook"
Josefa Lima gosta disto.
Li este post fascinada! Da Virginia Wolf, gosto muito de "Um quarto que seja seu".
Beijocas e aparece!
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