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Bibliomaníaca e melómana. O resto terão de descobrir por vocês!

Tuesday, February 22, 2011

“Blues de um Gato Velho” de Óscar Málaga Gallegos (Teorema)


Escrevi este livro porque compreendi que a palavra é água sagrada, rio inexplicável, o único que sulcam os anjos que esperam reunir-se no Egipto.


Oscar Málaga Gallegos


Este Autor peruano natural de Lima, veio ao mundo em 1946 e aprendeu a ler e aos dois anos e meio de idade. Largos anos mais tarde, estudou Letras na Universidade Nacional de S. Marcos e emigrou, já nos anos 1970, para França onde estudou Sociologia, na Sorbonne.


Nos anos 1980, regressou ao Peru onde foi editor da revista cultural Caretas. Mais tarde, prosseguiu a carreira de editor mas em Pequim, na versão escrita em castelhano da revista China Ilustrada, acumulando a função de professor de Cultura Latino-americana e Língua Espanhola, em várias universidades daquele país. Aí conhece Xi-Pei a jovem oriental que é, actualmente, sua companheira. É, além de tudo, um poeta prolífico, várias vezes premiado.


A acção de Blues de um Gato Velho decorre, precisamente, em Pequim, no Verão de 1995, cinco anos após a violenta repressão da manifestação estudantil na Praça de Tien- a-men, pelo Exército Chinês.


Durante algum tempo, partilhei o meu destino com uma rapariga que lia Charles Bukowski na versão original. Já foi há tanto tempo, que recordo cada segundo com uma precisão satânica. Lia-o com a ajuda de uma dicionário de Oxford. Queria aprender inglês. Quando sorria, dava a impressão de se mostrar perdida, no meio de um grupo de turistas fugidos do Inferno.


A acção do romance tem muito de auto-biográfico, o protagonista e narrador - que parece ser uma projecção do próprio Oscar Málaga Gallegos -, acumula também as funções de escritor, jornalista, editor e docente. Durante a estadia naquele país, apaixona-se por uma jovem pequinesa, de aspecto felino: cabelos negros e olhos dourados, à semelhança dos gatos que lhe povoam o apartamento (a descrição é o decalque perfeito da imagem da lindíssima Xi-Pei, a quem é dedicado o livro). Os dois protagonistas são fulminados por uma paixão à primeira vista, a bordo de um autocarro lotado, sufocados pelo calor dos corpos comprimidos, espalmados como numa lata de conservas dentro da qual a jovem se tenta refrescar abanar-se com um livro de Charles Bukowski, a fazer as vezes de leque. O primeiro encontro de ambos, a bordo do autocarro onde até o leitor se sente quase a sofrer de morte por asfixia, é uma das passagens mais sensuais do romance.


Erotismo sem tabus x Lirismo Apaixonado


A obra de que aqui tratamos é caracterizada por um discurso pautado por um refinado erotismo, no qual a emoção e a sensualidade são exploradas de forma a raiar o sublime e o sexo é imbuído de poesia telúrica, apesar de temperada por um humor sombrio que serve de contraponto. No discurso do narrador há como que uma nuvem cinzenta de melancolia a pairar sobre a fervilhante imaginação do protagonista. Mas não só. A mesma nuvem aziaga tende a sobrevoar os dois amantes, semeando-lhes as vidas de fortes contrastes entre luz e sombra, conferindo intensidade dramática à acção. A mesma nuvem de melancolia, ou spleen Baudelairiano, desloca-se por todo o apartamento, tal como os belos gatos negros de olhos dourados como os de Sha-Li-Pi, a protagonista e amante do homem que escreve a estória. Trata-se de uma jovem extremamente dotada e inteligente que fala todas as línguas, como os pássaros. Blues de um Gato Velho é uma estória que, no entender do autor, tem o seu quê de épica suicida cuja inspiração vem do escritor e poeta norte-americano Charles Bukowski – o “Gato Velho”. Oscar Málaga Gallegos traça, aqui, os contornos de uma paixão obsessiva e trágica, por se adivinhar interrompida de forma abrupta e se saber finita.


À paixão carnal entre o professor e Sa-Li-Pi junta-se o fascínio pela música jazz e uma incontestável adoração por gatos pretos com olhos de âmbar. Gatos que assistem e comungam do acto erótico dos humanos como se assistissem a um ritual religioso, sagrado, do qual fazem parte integrante. O casal venera estes animais quase tanto como os antigos Egípcios, que identificavam o amor erótico e a sensualidade como apanágio deste animal.


oda a vida gostei de gatos. Tenho sete. A primeira vez que ouvi Miles Davis, vivi uma emoção extraordinária (…)


- São gatos, belos miados de gatos, cheios de desesperados destinos de gatos”.


Na saudade que emana das palavras do narrador, encontramos a certeza de um destino imerso no vazio que se segue à perda e o desespero da voracidade com que é saboreado cada segundo de prazer. Um desespero que reside no fundamento da crença de que o amor vivido pelos humanos é só um interregno, a visão do paraíso antes da entrada no vazio…no nada.


Os dois amantes gostam, também, de vestir de negro, como os seus gatos. Afinal, trata-se da cor da diferença e do drama. E partilham a roupa, tal como partilham os corpos.


Os próprios gatos parecem actuar como uma extensão ou prolongamento da languidez sensual dos humanos. Ou vice-versa. Por vezes parece que é o erotismo dos gatos que é transferido para o casal por uma espécie de osmose.


Admiro essa estranha calma com que lambem, dia após dia, as partes mais sagradas do seu corpo de gatos. Pensei sempre que refrescavam as feridas de um amor antigo. Que têm a recordação de outra língua gravada na pele, que lamber-se é a sua nostalgia de gatos.


A crença no destino final das almas dos gatos quando morrem ou dos seres humanos com alma de gato” para o narrador de Blues de um Gato Velho, é chegarem, numa viagem final percorrida pelas vias etéreas do espírito, ao Egipto, onde antes eram adorados.


Por outro lado, o par romântico deste conto parece usufruir de um especial talento para encontrar o potencial erótico nos objectos mais inverosímeis, como se neles estivesse contida uma sensualidade secreta.


O protagonista, a quem Sha-Li-Pi chama provocadoramente de “Charles” é uma personagem envolvente, cujo lirismo enreda a amada como a aranha envolve o insecto que pretende devorar, nas suas malhas de seda. Sha-Li-Pi apelida-o de “vampiro” por lhe parecer que é o tipo de homem que chupa o sangue , a vontade, a autonomia, a independência de toda a gente.


É nesta metáfora que está, sem dúvida, contido o germén da destruição do relacionamento de ambos e que indicia a fase descendente da acção do romance.


A voz do narrador divaga, ainda, como uma ave nocturna ou um mamífero voador pela noite de Pequim, dando origem a algumas das mais belas passagens do romance, em deslumbrantes fragmentos de prosa poética que parecem ter ido beber à fonte dos poetas do romantismo, embora coloridos pelos lamentos melancólicos do Jazz:


As ruas perdiam-se, vorazes, predadoras, no infinito azul-escuro de Pequim, desfaleciam sem heroísmo na noite, que mantinha aberta a boca, incandescente, da Lua. Só sobrevivia um sentimento azul-escuro(blue).


Ou então. o discurso de Sha-Li-Pi, retirado de um diálogo com o amante:


- Os vampiros não suportam feridas.


(…) quando suspeitam que foram feridos, atiram-se desde o céu, de noite, e esmagam a cabeça contra o pavimento.


- É essa a arte dos vampiros, chupam-nos a nossa felicidade e, em troca, entregam-nos a sua dor. Esta é a tua dor.


(…)


- Vivo cheia da tua dor.


(…)


- É esse o segredo dos vampiros, transformam-nos em anjos malditos da desolação. Enchem-nos da sua dor infinita, que nos inunda as veias de solidão


(…) e nunca poderemos devolver-lhes essa dor que nos entregam porque sem ela deixamos de existir…


- Os desejos alimentam a vida?


- Sha-Li-Pi, a vida não é mais do que a forma como os desejos respiram (resposta de Charles).


Em Blues de um Gato Velho a prosa poética de OMG parece superar-se, a cada passo, na procura do sublime. Não existe uma única frase que não seja bela. A mesma prosa está, muitas vezes, impregnada de tragicidade, devido ao pânico, causado por um sentimento de perda eminente e pela consciência de que o futuro nunca poderá ser mais belo do que o presente.


Apesar de haver uma única cena a causar um certo incómodo ou impacto desagradável em qualquer leitor adorador de gatos, a beleza funde-se, quase continuamente, no impudor que com extraordinária mestria, o Autor o autor consegue sublimar em toda a obra, através da exaltação do prazer dos sentidos.


Histórias de Gatos


Sha-Li-Pi é como uma encarnação humana da deusa Bastet do antigo Egipto, a deusa da luxúria e do amor erótico, da alegria e da beleza, também ligada à música e à poesia. Bastet era, sobretudo, a deusa protectora das mulheres e os Egípcios viam a sua deusa em cada gato. No período Ptolemaico, foi associada a toda a espécie de excessos, sobretudo sexuais (Fonte: Wikipedia).


A corroborar esta associação entre a jovem e a deusa parece estar a seguinte passagem do texto, retirada da obra, que descreve Sha-Li-Pi em atitude de repouso, deitada, com os gatos enrolados à volta da sua cabeça e ombros, como um toucado:


O seu rosto (de Sha-Li-Pi) estava emoldurado por uma coroa de olhos dourados. Um longo manto de caudas pretas cobria os seus ombros nus. Ao lado de cada um dos seus seios, repousava uma cabeça preta.


Esta poderia ser a descrição de um antigo mural egípcio, retirada de um monumento antigo ou um dos túmulos do Vale dos Reis.


O nome de Sha-Li-Pi está associado, na cultura Oriental, à Peónia, que simboliza a lembrança de um passado marcado, também pelo signo da beleza e da graça. Trata-se de um nome a que está, também, associada a ideia de perda: a estória deste conto é a de um velho gato que se suicidou porque perdeu a sua peónia e que se convence que tinha chegado o momento de encontrar o destino dos vampiros. Não suportam as perdas. Esmagam o cérebro contra o pavimento, apesar de Sha-Li-Pi não acreditar na natureza suicida do seu “Bukowski”:


- Charles, não tens destino, és um homem a olhar para o mar…


(…)


- Os homens que olham para o mar, são incapazes de sentir a dor, Charles, só o desespero e por isso nunca chegam ao Egipto (o paraíso dos gatos).


A belíssima estória de Sha-Li-Pi é contada e cantada pelos blues de um “gato velho” de pseudónimo Charles, exorcizar um passado e a lamber, incansavelmente, as próprias feridas…


Cláudia de Sousa Dias

9 Comments:

Blogger Olinda Melo said...

Olá, Cláudia

Encontrei agora o seu blog e em boa hora. Na verdade, há sempre um livro à nossa espera.Vou segui-la de perto para beneficiar de tudo o que nos deixa aqui.
Neste momento estou a ler "A mão de Fátima", de Ildefonso Falcones. Na contra-capa diz isto:"Na opulenta Córdva da segunda metade do século XVI, um jovem mourisco, preso entre duas culturas e dois amores, parte em busca da sua identidade."
Um abraço
Olinda

4:42 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Obrigada, Olinda...neste momento encontro-me a ler Amin Maalouf com "Escalas do Levante".


csd

12:52 AM  
Blogger Ricardo Antonio Lucas Camargo said...

Referente, ainda, à deusa Bast, Pasht ou ainda Bastet (as três grafias já vi), é curioso que ora era ela a Gata lânguida, sensual, doce, ora se manifestava com a ferocidade da Leoa Sekhmet, vingadora de ultrajes feitos aos deuses. Bastet como protetora da mulher, mas exprimindo também tudo o que de misterioso pode existir na mulher, inclusive pelo dado de guardar dentro de si a terrível Sekhmet. O "jazz" enquanto a "música de negros" mais difundida no mundo não deixaria, aqui, de dialogar com o negro dos gatos e das vestes dos personagens do romance, sem contar com o dado de ser ele um dos principais "produtos de exportação" da cultura norte-americana, na qual se fala tanto nas liberdades políticas (apesar de Guantánamo nos informar que a elas não é dado tanto valor nos EUA como estes pretendem convencer o mundo) e tanto se cultua a liberdade de mercado,em oposição ao episódio da Praça da Paz Celestial.

1:50 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Bravo, Ricardo!

Na mouche.

Pena que pouca gente, aqui em Portugal leia ou mesmo conheça, sequer, este autor.

Eu espero ardentemente que tragam cá a sua obra poética.

4:58 PM  
Blogger fallorca said...

Miauuuu....

9:37 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Ahahah...!!!!!

1:39 PM  
Blogger Claudia C. Aleph said...

Gostei muito do seu blogue :)
Convido-a a aparecer no meu
http://atransportar.wix.com/atransportar

9:23 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

E eu gosto muito deste autor. Tem pouca coisa editada em Portugal.

12:12 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Talvez contactando a editora...

1:19 PM  

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