“Os Impostores” de Santiago Gamboa (ASA)
Santiago Gamboa é um Autor de origem colombiana a residir, actualmente, em Roma. Após ter-se dedicado à carreira de jornalista decidiu enveredar pela carreira literária, abraçando por inteiro a escrita ficcional.
A personagem central de Os Impostores tem um percurso de vida algo semelhante ao do Autor, uma vez que, a personagem central Suárez Acevedo é, também, um emigrante de origem colombiana que se dedica ao jornalismo mas na realidade ambiciona tornar-se escritor, enquanto reside na Europa, neste caso, em Paris. O Autor constrói uma trama com quatro protagonistas, mas a qual a posição nuclear é ocupada pela personagem que é o espelho do próprio Santiago Gamboa o qual aposta na criação de uma divertida sátira que mistura os géneros romance de aventuras e espionagem, numa paródia aos filmes de James Bond e mas com nítida influência da estrutura e temáticas relacionadas com a investigação científica típicas de romance como "O Fiel Jardineiro" ou "A Casa da Rússia" de Le Carré. O discurso narrativo é uma fusão muito bem conseguida entre acção e relatos, narrativas tendo como pano de fundo as vozes dos respectivos narradores e a crítica literária, com múltiplas referências e alusões, feitas pelos vários protagonistas a que se juntam ainda momentos de ousado erotismo, um algo perverso sentido de humor e intriga policial.
Cada narrador persegue um objectivo pessoal e exprime o seu ponto de vista pessoal, o qual está associado à viagem que cada qual se dispõe a empreender a Pequim. O único elemento comum é um vivo interesse num antigo manuscrito chinês, responsável pela discórdia que, no final do século XIX e início do século XX, fora lançada entre uma facção rebelde de um movimento intelectual e filosófico chinês de tendência mística– os Boxeurs – e a presença europeia – sobretudo francesa – no Oriente, que terá culminado num banho de sangue.
O tempo presente da acção situa-se já em pleno século XXI, altura em que já não se ouve falar dos “boxeurs”, cuja organização parece ter-se fragmentado, transformando-se em micro células de carácter pacífico. No entanto, um pouco inesperadamente, surgem algumas facções de carácter nacionalista que parecem não olhar a meios para obter o documento, recorrendo mesmo à violência se necessário.
Ao longo da obra, o Autor parece ter a preocupação em demonstrar como a capacidade em decifrar mensagens escritas, seja através da descodificação de uma língua pouco acessível como é o caso do código linguístico chinês, seja através da identificação dos múltiplos significados ou interpretações de um texto sobejamente conhecido, ao exercício do Poder. Para tal, utiliza quatro personagens de forma a que, de início, todas se movimentem um pouco às cegas com o objectivo de chegar ao manuscrito para fins privados e na mais completa ignorância em relação ao perigo que correm. Aquele que mais se aproxima da realidade, apercebendo-se vagamente dos interesses ocultos que estão por detrás da invulgar missão que lhe é atribuída é precisamente o imigrante colombiano em Paris que, talvez pela sua inconveniente situação de estrangeiro oriundo de um país pobre para as facções de carácter mais nacionalista que estão interessadas no referido manuscrito, é utilizado de certa forma como “carne para canhão”. O mesmo jornalista actua como uma espécie de líder do grupo, ao conduzir a procura do mesmo manuscrito quando encontra, por casualidade, os restantes personagens em Pequim.
Outro personagem de origem sul-americana é o professor de literatura e, também, aspirante a escritor, Nelson Chouchén Otalora, de ascendência cino-peruana, a leccionar nos EUA e que deseja recuperar o manuscrito por razões sentimentais, que se prendem com o passado da própria família, o qual lhe parece suficientemente aliciante - porque recheado de episódios que tresandam a aventura -, para escrever um romance. A característica mais deliciosa deste académico, que deseja ser catapultado para a fama e assim estar presente nas parangonas das principais revistas literárias mundiais ao lado seus ídolos, é uma vaidade desmedida e um desejo ilimitado de fama, reconhecimento e de ser adorado pelas estórias que inventa.
A estes sonhadores aventureiros sul americanos junta-se um europeu, o calmo plácido o professor de literatura, Gisbert Klauss, apreciador da tranquilidade doméstica que entende como dever interferir o mínimo possível no seu trabalho intelectual. É, também, investigador no ramo linguístico e a sua principal ambição é descobrir um código-chave ou sistema universal de descodificação linguística que permita decifrar todo e qualquer sistema linguístico, inclusive nas línguas que já não são faladas na actualidade. Possui no entanto, um lado secreto: ao sair de casa para viajar após um longo período de clausura, descobrimos-lhe o lado contemplativo que lhe acentua uma veia poética assaz Göethiana. A sua ambição intelectual prende-se não tanto com a vaidade pessoal mas com o desejo de partilha e uma sede insaciável de conhecimento e deslumbramento, assim como o desejo de tornar possível a qualquer mortal letrado a leitura de toda e qualquer obra escrita, em qualquer língua e em qualquer estágio de evolução da humanidade, após o aparecimento da Escrita.
Estes três impostores só o são porque viajam incógnitos, isto é, ocultando o seu verdadeiro objectivo: encontrar o manuscrito. Uns para sair quer da mediocridade, no caso do jornalista Suárez, ou para incrementar as sua própria actividade ligada à escrita, ficcional no caso de Nelson e outros para sair da obscuridade em matéria de investigação científica, como no caso de Klauss. Os três possuem, cada qual à sua maneira, algo de misantropo, faceta que cultivam uma vez que o gosto por um certo pelo isolamento parece ser o caminho que convida à escrita.
O jornalista a colombiano-parisiense, Suárez Azevedo é empurrado para a viagem após sofrer um forte abalo na vida emocional, culmina num rompimento abrupto do casamento, após se deparar com o lado oculto da sexualidade da esposa. Já os dois professores possuem, cada qual à sua maneira, casamentos estáveis mas monótonos, aos quais aquela viagem vem lançar uma lufada de ar fresco por introduzir uma alteração brutal na rotina.
O erotismo em Gamboa
A presença de descrições de ousado conteúdo erótico em alguns momentos de Os Impostores deve-se ao carácter dionisíaco e algo pan sexualista de Otalora o qual, por vezes, se assemelha a um sátiro – sobretudo depois de conhecer a espia Irina – e à surpresa de Suárez, ao confrontar-se com as tendências sexuais cibernáuticas da mulher, Corinne, de quem se divorcia antes de partir em viagem.
A espia vinda da Rússia e a médica proctologista cubana que com quem partilham a aventura em Pequim dotam o texto de uma tonalidade humorística sem precedentes, levando o seu despreendimento e a leveza com que encaram as relações íntimas, no sentido kunderiano do termo, exortam-nos a ler a obra despojados do sentimento opressivo e quase esquizofrénico da quase omnipresença de um inimigo oculto ligado à procura daquele manuscrito.
Os dois companheiros de viagem sul-americanos procuram, durante a viagem, sacudir a monotonia do quotidiana e revigorar o marasmo sexual a que estiveram, até ali sujeito, ao produzir cenas escaldantes e hilariantes devido a uma excesso orgíaco hiperbólico numa evidente paródia a Miller e a Bukowsky.
Klauss está apenas presente como um desbloqueador, facilitador de comunicação já que, dos três impostores, é o único a conhecer a língua local, estando mais interessado em aprofundar os conhecimentos do que em aventuras amorosas que lhe roubem a tranquilidade exigida pela já avançada idade e por uma constituição física de homem habitualmente sedentário.
A estrutura do Romance
A trama é desenvolvida alternando o discurso destes três impostores, a que se junta um quarto narrador – um padre jesuíta francês que se encontra na posse do manuscrito e cuja vida depende de conseguir colocá-lo ou não nas mãos de Suárez, o qual tem ordem expressa do director do jornal para quem trabalha, de entregá-lo à embaixada francesa.
O final tem a desvantagem de optar por recorrer a uma cena algo estereotipada, um tiroteio ao estilo dos filmes do 007, que é depois, rematado por um epílogo a apelar para o misticismo, num texto inegavelmente belo pelo conteúdo poético, o quel poderíamos facilmente incluir na categoria de realismo mágico, imbuído por uma nuvem vaporizada de filosofia xintoísta com um cheirinho às máximas de Confúcio, o qual fecha a narrativa com um momento de requintada beleza literária.
Mas para quem tem dúvidas se deve ou não comprar o livro por desconhecer o Autor, a impressão de Urbano Tavares Rodrigues acerca da obra, datada de 2005, encarrega-se de dissipá-las:
«Qualquer leitor decerto se encanta com este romance de aventuras e caricaturas de Santiago Gamboa, polvilhado de exotismo e riquíssimo em humor. Mas são sobretudo os escritores e os professores universitários quem mais se há-de rir com as cómicas descrições das conversas de romancistas frustrados, seus sonhos e ambições, suas encardidas manobras para a obtenção do êxito que lhes foge.
O pretexto para este fabuloso exercício de ironia é uma rocambolesca intriga policial e de aventuras que envolve um manuscrito chinês desaparecido e leva a Paris e a Pequim, onde haverá tiros, angústia e suspense (e muito sexo à mistura) um catedrático peruano metido a ficcionista, outro escritor, este columbiano, sempre em busca de editor e amaldiçoando essa espécie, e ainda uma burlesca parelha constituída pelo enigmático senhor Petit e o discreto narrador, tudo olhos e ouvidos. Nestas páginas deliciosas de crítica aos intelectuais, aos sul-americanos, às mulheres fatais insaciáveis, o leitor vai viajando também, cruzando os ares, visitando hotéis de luxo, participando em superlativas cenas eróticas e rindo sempre, antegozando o próximo episódio, enterrando os heróis mortos, congratulando-se com a eterna vaidade e os eternos enganos dos vivos.»
Urbano Tavares Rodrigues in http://www.leitura.gulbenkian.pt
Cláudia de Sousa Dias
9 Comments:
Um excelente escritor ainda não tive tempo de ler este livro (já o tenho no monte dos livros para ler há uns tempos...) mas se for como o que já li dele é de certeza um grande romance...
Há ainda muito pouco tempo que comprei "Os impostores" de Santiago Gamboa, que pus logo para o lado, por ter outros livros para ler, que pensava serem muito mais interessantes do que este.
Ao ler este seu post, fiquei de tal maneira curiosa, que vai ser o meu próximo livro, logo que acabe de ler, o romance que estou a ler nesta altura.
Volto!
Obrigada, Mr. Nonsense, primeiríssimo a comentar.
No entanto, devo dizer que não se trata de um grande romance. Trata-se de um romance interessante e aliciante, mais pela sátira do que pela intriga.
:-)
Csd
E será sempre bem-vinda, Ematejoca!
;-)
csd
Olá Cláudia!
Continuas a surpreender
mas
se calhar é ingenuidade minha...
beijinhos
não, Pirata!
é amabilidade tua..obrigada.
Um beijinho
csd
Podias dar uma espreitadela ao Roman Gary...
quem sabe...
csd
Boa noite.
Estou de regresso, mas agora num novo sítio.
O Diletante ficou para trás, tal como para trás ficou uma etapa da minha vida.
Estou agora no Cinzelador de Palavras. Espero uma visita.
Abraços cinzelados,
Catarino
(http://cinzelador.blogspot.com)
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