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Thursday, February 24, 2005

"Zona Xis" Urbano Tavares Rodrigues (Quasi)




A fronteira entre a luz e as trevas, numa impressionante conjugação entre poesia, arquitectura e fotografia crindo uma ponto de convergência entre estas três áreas


Estamos, mais uma vez, perante um tesouro literário de qualidade indiscutivelmente superior a que a Quasi já nos habituou.

Nesta “Zona Xis”, a poesia de Urbano Tavares Rodrigues aparece, à primeira vista, quase como uma legenda do excelente trabalho de fotografia de Joel Moniz.

A justaposição da poesia ou, neste caso, da prosa poética, vem multiplicar as significações possíveis a atribuir a estas duas formas de arte que, por si só, já são polissémicas, ou seja, possibilitam uma multiplicidade de interpretações.

Nas imagens, encontramos uma beleza fria, incorporada num impressionante jogo de luz e sombra que permite esculpir volumes gradativamente numa escala de cinzentos – esta cor impera destacando-se pelo seu carácter de tonalidade intermédia, fronteiriça, remetendo para o título do livro.

É também frequente o contraste entre ângulos agudos e obtusos linhas que se interceptam bruscamente, linhas paralelas que só se encontram no infinito ou falsas perspectivas criadas pelo contraste claro/escuro. Tal como por vezes, acontece com os seres humanos.

Podemos também distinguir o poderoso contraste entre estilos arquitectónicos justapostos – a beleza clássica do passado e o minimalismo do presente.

O poeta, por seu lado, começa por falar de “casas fantasmais e quase sem janelas” sugerindo a ideia de ausência de luz e de vida. De facto, a cor que é inexistente em todas as fotografias, está, também, ausente em quase todos os textos-legenda. Quando é referida fala-se apenas de cores nocturnas ou espectrais como os azuis, o fumo, a prata, o luar sugerindo fortemente o spleen Beaudelairiano.

Urbano Tavares Rodrigues fala, igualmente, do crepúsculo como uma zona fronteiriça entre a vigília e o sono, entre a vida e a morte da alma como “jardins anoitecendo”.

A luz solar tem um lugar de destaque. Em diversos trechos a luz que jorra da clarabóia nas fotografias de Joel Moniz é identificada com a “lâmpada” ou “candelabro oriental” cujo feixe ilumina as paredes (ou as consciências) lisas e nuas, conduzindo o olhar, mostrando o Caminho à anima humana.

A luz é, na poesia de Urbano Tavares Rodrigues, o símbolo da liberdade de expressão que se opõe às trevas que a prisão, as grades, o medo e o peso opressivo da escuridão potenciam o amordaçar das consciências pela “ditadura do silêncio”.

A luz é também sinónimo de amor. Um amor cuja perfeição foi cristalizada algures no passado (o vidro está também presente nas fotografias de Joel), mumificado em saudade.

O mar – o azul que não se vê mas que está para lá das dunas e montanhas (obstáculos) – é o regresso ao estado líquido, como no ventre materno. O que sugere, talvez, a esperança de um recomeço de uma vida para além da morte. Ou o reencontro do amor após uma separação forçada. Ou até a morte como libertação ou passaporte para a liberdade como ilustra “ o remate em cruz de uma cúpula” com a imensidão celeste como pano de fundo na página adjacente.

As forças parecem, contudo, esgotar-se antes de atingir a praia – o limiar da Zona Xis.
O tempo e o vento da Mudança fazem desmoronar as falsas perspectivas – pps 36 e 37.

Quando nos aproximamos do final, os textos deixam de ser acompanhados por fotografias. Na última delas vemos, inclusive o predomínio do branco em relação aos tons sombrios apesar da desolação da paisagem invernal – um sinal de convalescença?

O poeta começa então a referir laivos que cores diurnas - “o amarelo martirizado dos estames” -, que começam a impor a sua presença dolorosa - “as feridas interiores a sararem no tumulto do casarão amarelo (amarelo - desespero), “folhas doentes (amarelas) dos tamarindos” ou “ o teu sorriso mais violeta (sombrio) que carmim”.
Nos últimos trechos a vida e o amor caminham de mãos dadas .

O luar espectral dilui-se e é substituído pela omnipresença do azul libertador, portador da paz, da serenidade e do bem-estar.

Sublime.


Cláudia de Sousa Dias

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