“E como eram as ligas de Madame Bovary?” de Francisco Umbral (Campo das Letras)
Francisco Umbral, jornalista, escritor e eminente crítico literário, propõe-se, com uma obra de título altamente sugestivo, a despertar a curiosidade dos amantes das artes e das letras ao elaborar o mapa cultural da Europa, traçando o retrato psicológico e social dos grandes génios, literários e não só, do Velho Continente.
Na introdução, à qual intitula de A que chamamos Europa, Umbral manifesta a intenção de explicar a civilização europeia, mais com homens do que com letras. A superstrutura na qual esta se baseia é explicada recorrendo às motivações pessoais, às relações familiares, ao maior ou menor grau de integração ou aceitação social, ao grau de dificuldades económicas, às ambições, orientação sexual ou religiosa e ao tipo de sensibilidade estética de cada um, desde Virgílio a Picasso, passando por Napoleão a Cervantes ou Voltaire.
Posteriormente, cada capítulo é dedicado a uma figura europeia de vulto no Universo das artes e das letras.
No seu conjunto, E como eram as ligas de Madame Bovary incide, sobretudo, nos mais célebres autores dos últimos dois séculos fazendo, simultaneamente, a ligação entre estilo e temática presentes na obra de cada um deles com as respectivas vivências, integradas no contexto histórico correspondente.
Ironia, sátira e muita malícia, na forma como coloca em evidência os pontos fracos de das figuras que se propõe a analisar, destacando, com um toque de humor perverso, as fraquezas, complexos e manias de cada um – o paradoxo dos grandes génios da Europa em toda a sua grandeza e miséria.
O Autor tenta identificar qual é a parte do seu Eu – o lado mais íntimo e pessoal – que cada uma destas figuras de vulto projecta na sua obra. E o que, dentro daquilo que ficou para a posteridade, fazia parte do mundo real de cada um deles.
É neste contexto que surge o título da obra, E como eram as ligas de Madame Bovary. A roupa interior da personagem Madame Bovary não é mencionada na obra, apenas sugerida, tal como as cenas eróticas entre esta e o seu amante. Também muito pouco se sabe sobre a amante de Flaubert que inspirou o romance. Apenas se sabe que o passeio na carruagem com as janelas fechadas que levava os dois amantes era um dos maiores fétiches do Autor.
É o mesmo que tentar distinguir a imagem idealizada da Dulcineia do Dom Quijote de Cervantes, da camponesa Aldonza que serviu de inspiração ao perseguidor dos moinhos de vento.
Infelizmente, Umbral esquece-se de analisar a vida e obra de mulheres como George Sand, Jane Austen, Anne, Emily, Carlotte Brontë, Virginia Woolf ou Camile Claudel e, obviamente, Safo, dando-nos o retrato cultural de uma Europa monossexuada.
Com excepção da bela e generosa mecenas Lou-Andreas Salomé,que Umbral com a sua viperina verve reduz a pó, ao referir-se aos seus dotes literários.
É também notória a ausência dos grandes vultos da língua portuguesa no índex de Francisco Umbral, sobretudo de Camões, Eça de Queirós, Florbela Espanca, Fernando Pessoa ou Mário de Sá Carneiro. Com uma única excepção: o Nobel José Saramago que, por coincidência ou não, se encontra a viver em Espanha.
Não deixa de ser igualmente interessante, a forma como as fraquezas e falhas dos autores del país de nuestros hermanos são atenuadas e, de certa forma, encaradas com alguma benevolência (vide capítulo dedicado a Camilo José Cela) em contraste com a maioria dos autores de nacionalidade francesa (vide Capítulo dedicado a Beaudelaire ou Sartre) que são alvo das suas acutilantes farpas.
O livro que começa por ser uma acutilante e divertida sátira aos pilares do edifício que constitui o grande génio da Europa, a dada altura torna-se simplesmente maledicente e, por último, reveste-se de um certo paternalismo nacionalista.
A leitura vale a pena pela possibilidade de olhar o lado mais obscuro da vida de um artista na Europa e, sobretudo, por chamara atenção para a dificuldade em ser-se diferente quando se evita a tentação de escrever para agradar às massas.
Um livro acutilante.
A perspicácia do olhar do falcão.
Combinada com a mordedura de uma serpente.
Cláudia de Sousa Dias
Na introdução, à qual intitula de A que chamamos Europa, Umbral manifesta a intenção de explicar a civilização europeia, mais com homens do que com letras. A superstrutura na qual esta se baseia é explicada recorrendo às motivações pessoais, às relações familiares, ao maior ou menor grau de integração ou aceitação social, ao grau de dificuldades económicas, às ambições, orientação sexual ou religiosa e ao tipo de sensibilidade estética de cada um, desde Virgílio a Picasso, passando por Napoleão a Cervantes ou Voltaire.
Posteriormente, cada capítulo é dedicado a uma figura europeia de vulto no Universo das artes e das letras.
No seu conjunto, E como eram as ligas de Madame Bovary incide, sobretudo, nos mais célebres autores dos últimos dois séculos fazendo, simultaneamente, a ligação entre estilo e temática presentes na obra de cada um deles com as respectivas vivências, integradas no contexto histórico correspondente.
Ironia, sátira e muita malícia, na forma como coloca em evidência os pontos fracos de das figuras que se propõe a analisar, destacando, com um toque de humor perverso, as fraquezas, complexos e manias de cada um – o paradoxo dos grandes génios da Europa em toda a sua grandeza e miséria.
O Autor tenta identificar qual é a parte do seu Eu – o lado mais íntimo e pessoal – que cada uma destas figuras de vulto projecta na sua obra. E o que, dentro daquilo que ficou para a posteridade, fazia parte do mundo real de cada um deles.
É neste contexto que surge o título da obra, E como eram as ligas de Madame Bovary. A roupa interior da personagem Madame Bovary não é mencionada na obra, apenas sugerida, tal como as cenas eróticas entre esta e o seu amante. Também muito pouco se sabe sobre a amante de Flaubert que inspirou o romance. Apenas se sabe que o passeio na carruagem com as janelas fechadas que levava os dois amantes era um dos maiores fétiches do Autor.
É o mesmo que tentar distinguir a imagem idealizada da Dulcineia do Dom Quijote de Cervantes, da camponesa Aldonza que serviu de inspiração ao perseguidor dos moinhos de vento.
Infelizmente, Umbral esquece-se de analisar a vida e obra de mulheres como George Sand, Jane Austen, Anne, Emily, Carlotte Brontë, Virginia Woolf ou Camile Claudel e, obviamente, Safo, dando-nos o retrato cultural de uma Europa monossexuada.
Com excepção da bela e generosa mecenas Lou-Andreas Salomé,que Umbral com a sua viperina verve reduz a pó, ao referir-se aos seus dotes literários.
É também notória a ausência dos grandes vultos da língua portuguesa no índex de Francisco Umbral, sobretudo de Camões, Eça de Queirós, Florbela Espanca, Fernando Pessoa ou Mário de Sá Carneiro. Com uma única excepção: o Nobel José Saramago que, por coincidência ou não, se encontra a viver em Espanha.
Não deixa de ser igualmente interessante, a forma como as fraquezas e falhas dos autores del país de nuestros hermanos são atenuadas e, de certa forma, encaradas com alguma benevolência (vide capítulo dedicado a Camilo José Cela) em contraste com a maioria dos autores de nacionalidade francesa (vide Capítulo dedicado a Beaudelaire ou Sartre) que são alvo das suas acutilantes farpas.
O livro que começa por ser uma acutilante e divertida sátira aos pilares do edifício que constitui o grande génio da Europa, a dada altura torna-se simplesmente maledicente e, por último, reveste-se de um certo paternalismo nacionalista.
A leitura vale a pena pela possibilidade de olhar o lado mais obscuro da vida de um artista na Europa e, sobretudo, por chamara atenção para a dificuldade em ser-se diferente quando se evita a tentação de escrever para agradar às massas.
Um livro acutilante.
A perspicácia do olhar do falcão.
Combinada com a mordedura de uma serpente.
Cláudia de Sousa Dias
15 Comments:
Olá passei por aqui e gostei, volto se não te importares.
Olá Claudia diz-me como adquiro o livro, pois aqui nas ilhas não o encontro...
Beijinho
Encontra-lo na Fnac...
Se não tiverem podes sempre encomendá-lo...
se fores a Lisboa tens uma loja no Chiado ou então na Livraria Bertrand na Rua Garret em frente à pastelaria Bénard onde servem os mais deliciosos croissants com chocolate que já provei...
bjo
CSD
CSD
Pois é, a visão abrangente em literatura é uma quimera. Quando a Cláudia afirma que "deixou vultos como..." é verdade mas, são as questões do(s) cânone(s) literários... Quem escolhe? Quem reconhece? Quem valida?...
Cumprimentos de um agente secreto português em missão nas Honduras!
Boa sorte para a missão, Toutinegra!
Obrigada pela visita!
CSD
Umbral eminente crítico literário????
Sim, Suroeste!
Como escritor e jornalista que é, ao escrever uma obra como esta Umbral não pode deixar de se tornar um crítico literário com grande impacto no público especializado, com o seu estilo particular. Cabe a NÓS, ou nosotros, refutar a suas opiniões com base em argumentos sólidos...
Não concordas?
CSD
Sinceramente eu nao acredito que o que poida dizer Umbral como crítico literário tenha muita repercusao no público especializado. Ele tem ussado a crítica literaria como arma de vinganza pessoal, o qual nao me parece que poida ter muita credibilidade científica.
Ah bom, estou a perceber!Mas dá para perceber à distância!
E refutar!
Diga lá que não dá gosto identificar as falhas e contrapor com argumentos válidos e isentos,nó que somos leitores de espírito aberto!:-)
Umbral tem de positivo o talento que tem em utilizar a ironia como lado negativo tem um certo cinismo e é, muitas vezes parcial.
Mas nós é que temos que o dentificar.
Em relação a mim há de certeza leitores que não se identificam com os meus valores ou que não gostam da minha abordagem em relação aos livros...
Estou a adorar as suas visitas ao meu blog!
CSD
Bem isto de escrever à pressa e esquecer-me de letras e vígulas não está com nada!
3º parágrafo do comentário anterior: Onde se lê "nó" leia-se nós.
4ºparágrafo: depois de "ironia" tem de se colocar a conjunção "e".
5º parágrafo:onde se lê "dentificar", não tem nada a ver com dentes;-) Deve ler-se antes "identificar".
Obrigada pela compreensão!
CSD
vim curioso. "curiosity killed the cat", eu sei, mas...tal como ele, não resisto a livros (e a música). gostei muito.
É claro que sim, Sleep Well!
Umbral, Unamuno, Cela, Sartre, Flaubert...
Sou uma leitora de espírito aberto, como sabes...
Beijo mto grande
CSD
Tornem-se comentadores habituais do blog mais critico e polémico da blogosfera e tenham a honra de deixar marca na mítica frase do mês!
Os vossos comentários contam e nós contamos com eles.
"Infelizmente, Umbral esquece-se de analisar a vida e obra de mulheres como George Sand, Jane Austen, Anne, Emily, Carlotte Brontë, Virginia Woolf ou Camile Claudel e, obviamente, Safo, dando-nos o retrato cultural de uma Europa monossexuada."
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tens razão ...
mas eu adoro a escrita de Umbral !
Lúcida e dilacerante.Uma escrita com nervos e músculos. Toca-nos.
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Li este livro "(...) as ligas de madame Bovary ". Delicioso
Pois é Isabel!
Pena ser tãaaao chauvinista...!
E tem um problema sério nas articulações caudaso pelo triunfo alheio...mas tens razão aquele humor ácido é delicioso...
...picante...
...e certeiro!
Beijos
CSD
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