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Blog sobre todos os livros que eu conseguir ler! Aqui, podem procurar um livro, ler a minha opinião ou, se quiserem, deixar apenas a vossa opinião sobre algum destes livros que já tenham lido. Podem, simplesmente, sugerir um livro para que eu o leia! Fico à espera das V. sugestões e comentários! Agradeço a V. estimada visita. Boas leituras!

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Bibliomaníaca e melómana. O resto terão de descobrir por vocês!

Friday, June 09, 2006

“Crónica de uma Morte anunciada” de Gabriel García Márquez (Dom Quixote)


Nesta obra, a intenção do Autor é a de criticar uma mentalidade primitiva, que permite que um assassínio, mais do que premeditado, tenha uma pena irrisória e que uma jovem seja violentamente penalizada por não ter o comportamento sexual esperado para a época e no meio onde vive.
Por outro lado, GGM pretende, também, demonstrar a consternação face à incrível quantidade de coincidências funestas, acumuladas que deixam no ar a inquietante reflexão de que
A fatalidade torna-nos invisíveis.

Breve Síntese

Angela Vicario casa com Bayardo San Román, um forasteiro que gosta de exibir, de forma assaz arrogante, o seu poder económico, sendo “devolvida” logo após a noite de núpcias, depois de o noivo constatar que a jovem já não é virgem.

Pressionada pela família a revelar o nome do suposto sedutor, Angela denuncia Santiago Nasar como sendo o autor da façanha, por julgar que a fortuna deste fará dele um intocável, apesar de viver numa terra onde, segundo o costume, as dívidas de honra se pagam com a morte.

Angela engana-se. A mentalidade, típica de uma sociedade patriarcal, da família Vicario é incapaz de aguentar o escárnio motivado pela honra supostamente manchada e sente-se compelida pela sociedade a matar o “infame”, apesar da pouca vontade em fazê-lo.

Na realidade, os irmãos de Angela fazem tudo para dar a entender as suas intenções, com o objectivo de que alguém os impeça, proporcionando a Nasar a oportunidade para escapar a uma morte mais do que anunciada.

Apesar de todos os indícios serem facultados no sentido de evitar a morte de Santiago...
...o acesso à informação é bloqueado por uma série de imprevistos, contratempos, caprichos do destino e ...
…não só.

A morte de Santiago, apesar de apregoadíssima, nunca é levada a sério pela maior parte das pessoas envolvidas que poderiam tê-la evitado.

Personagens principais

Santiago Nasar, o protagonista, é filho de um rico emigrante árabe. Carismatico, culto, adepto da caça de altanaria, é apreciador de cavalos, armas e, claro, aves de presa.

Na aparência, Nasar assume o aspecto físico muito semelhante ao do Autor – “vestia um fato de linho, lavado só com água, por não suportar o estalar da goma em contacto com a pele” –, cabelos crespos e pálpebras árabes.

Já Bayardo San Román, o anti-herói, é uma personagem que, desde o início, desperta a desconfiança de todos. Forasteiro e com um passado nebuloso envolto em mistério, provoca a curiosidade da população local e suscita a proliferação dos mais extravagantes boatos. Tem um aspecto algo efeminado, devido às roupas que usa – sempre muito justas e num tom amarelado. Os olhos são dourados – cor que García Márquez associa à vulgaridade e à corrupção, por estar directamente identificada com o ouro, ou seja, associada ao desejo de ostentação por um lado e à avareza pelo outro.

O comportamento extravagante na forma como exibe o poder de compra conquista a família de Angela – a qual vê nele uma porta de saída de uma vida pautada pela penúria.

Curiosamente, Bayardo é o filho de Petronio San Román, o general conservador que derrotou o coronel Aureliano Buendía e disparou pelas costas contra Gerineldo Márquez em Cem Anos de Solidão. O que, neste contexto, lhe granjeia forte impopularidade aquando da sua entrada na cidade, ao mesmo tempo que deixa entrever, um pouco, o carácter deste.

Os assassinos, Pedro e Pablo Vicario, segundo a opinião geral “Tinham má catadura, mas eram de boa índole”. Pedro e Pablo são os filhos típicos de uma sociedade onde os rapazes são criados “para serem homens” e as filhas, educadas para casar e serem submissas.

Angela, a mais nova e bela das quatro irmãs de Pedro e Pablo Vicario, é uma personagem modelada. Inicialmente é tida como bela e estúpida, até pelo próprio Santiago. A sua personalidade vai, no entanto, se consolidando à medida que amadurece, sobretudo ao rebelar-se contra o comportamento ditatorial e repressor da mãe, que a obriga a vestir de vermelho logo após a morte de Santiago, para que não pensassem que estaria de luto pelo amante morto.

Angela luta persistentemente pela sua paixão pelo marido, apesar da violência com que foi por ele tratada tecendo, ao longo dos anos, uma teia urdida com base na paciência, esperança e fé na acção do Tempo, na erosão e sublimação do rancor a Bayardo. Angela é inspirada no arquétipo de Penélope, retirada da Odisseia de Homero e plantada directamente na obra de García Márquez.

Victoria Guzmán, a cozinheira dos Nasar, vê na intenção dos irmãos Vicario a oportunidade de vingar os seus próprios rancores acumulados. Victoria poderia ter prevenido Santiago e não o fez porque queria, na realidade que o matassem.

Na verdade, todas as personagens poderiam ter, efectivamente, feito alguma coisa para evitar a morte de Santiago, mas a maior parte delas tinha coisas “mais importantes” para fazer ou estavam, simplesmente, decididas a minimizar a capacidade dos irmãos Vicario em executar a vingança. Excepto Clotilde Armenta, que tenta avisar...Victoria.

Há várias personagens na estória que fazem parte da própria vida do Autor/narrador, ou então, que são aparentadas com algumas figuras de Cem Anos de Solidão.
Para além das que já foram referidas, aquelas que estão relacionadas com o Autor e narrador, que no romance aparece como amigo de Santiago, são: a irmã – Margot –, a esposa – Mercedes – e a tia Wenefrida Márquez, todas elas personagens periféricas, incluídas para dar maior veracidade à estória.

Relacionada ainda com Cem anos de Solidão está, por exemplo, Dionísia Iguarán, parente de Úrsula que, no romance supracitado, é identificada com a avó do autor, Tranquilina.

Em Crónica de uma Morte anunciada, as mulheres, tal como acontece noutros romances de Gabo, movimentam o destino da personagem principal. Sobretudo Clotilde e Victoria, uma como aliada e a outra como adversária.

O realismo mágico

García Márquez em Crónica de uma Morte anunciada, apesar de relatar os factos num estilo jornalístico, objectivo e sem grandes divagações, não deixa de recorrer aos sonhos premonitórios e aos presságios, como que para reforçar o carácter intuitivo quer do narrador/autor, quer das restantes personagens. O ambiente é-nos mostrado como potenciador de emoções, ao sugerir determinados estados de alma que, associados a uma capacidade de observação e de ligação de detalhes muito superior aquilo que seria comum, se manifesta numa capacidade, também superior, de entendimento, que muitos tendem a classificar como um dom algo sobrenatural ou mediúnico.

É deste modo que o Autor descreve o dia da morte de Santiago como um dia em que “fazia um tempo fúnebre” e que “no preciso instante da desgraça, caía uma chuva miúda como a que Santiago Nasar vira no bosque, no sonho” – chuva que era, na realidade, excremento de pássaro (segundo o Autor, sonhar com pássaros é sinal aziago).

Também a irmã do narrador – Margot – afirma que “sentiu passar um anjo” quando Santiago fala acerca do seu próprio casamento, facto que não se chegou a realizar.

Outro sinal de presença do incrível é a forma como García Márquez dá ênfase ao remorso como punição para o crime e a negligência. O cheiro de Santiago moribundo impregna-se de tal forma nas narinas daqueles que, de alguma forma, tiveram o mais leve resquício de culpa, directa ou indirecta, na sua morte, ao atacar-lhes as consciências como o mais cruel dos fantasmas. O aguilhão do remorso afectará, sobretudo, os dois assassinos, durante o relativamente curto espaço de tempo que passam na cadeia a expiar o crime perdendo, inclusive, a faculdade de controlar o próprio corpo, mas sempre sem perder a lucidez.

Apesar de tudo, é Bayardo quem, para a maioria da população, é visto como a maior vítima...

O narrador propõe-se narrar a estória da morte de Santiago Nasar, reconstruindo-a. Para isso, recorre não só à memória mas, também, a entrevistas às pessoas envolvidas – aqueles que estavam, na altura, mais próximos não apenas da vítima mas também dos assassinos, tentando compor o puzzlle constituído pelos estilhaços da memória.

Um livro que fala da injustiça contida na Justiça. Ou enraizada no meio social.

Contundente. Mas, sobretudo, humano.

Como só García Márquez.


Cláudia de Sousa Dias

21 Comments:

Blogger free emotions said...

os livros de ficção nunca estiveram no meu escaparate mas estas tuas análises despertam a minha sensibilidade
obrigada

11:53 PM  
Blogger pecadora said...

Olá Caríssima,

Procurei o seu e-mail e como não encontrei, deixo-lhe um convite.

Gostaria de a convidar a participar no meu Blogue (http://asfantasiasdeumhomem.blogspot.com) com um pequeno texto sobre o erotismo e/ou fantasias sexuais.

Pretendo dar, a todos quantos o visitarem, uma leitura sexy mas suave, intensa e apelativa, ousada embora deliciosamente inebriante.

Cumprimentos,
Pecadora

1:33 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Olá Free Emotions! Que bom! Eu semp+re aprendo alguma coisa com os (bons) autores de ficção. No fundo é a experiência de vida que nos transmitem, é o deu olhar sobre o Outro.
É sempre muito enriquecedor.

Não significa que não goste de ensaio sobretudo ligado à área da psicologia, história ou antropologia.

Beijinho

12:34 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Pecadora, os seu blog tem uma formaextremamente apelativa de mostrar a mulher. Gostaria muito de aceitar, embora a minha veia criativa esteja um pouco em baixo ultimamente.

O meu e-mail é claudia_sousa_dias@hotmail.com ou claudia.sousa.dias@gmail.com

12:37 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Olá Pirata Vermelho!

Já estava com saudades!

Beijinhos e obrigada!


CSD

12:38 PM  
Anonymous Anonymous said...

Belíssima Cláudia:

Li em tempos esse livro de García Márquez, mas é apenas o nome que me leva a responder.

Vivo, desde há 2 semanas, a "Crónica de uma Morte não anunciada" de alguém que me foi intensamente querida, em especial quando vivia na outra cidade que abandonei para vir morar na tua...

Bem, "não anunciada" para todos... excepto a família, talvez... Se eu tivesse veia literária poderia construir um romance fabuloso em torno deste mistério, que envolve simultaneamente a alma humana e o desejo de ocultação, pq escondemos aquilo que agora somos em defesa da imagem que outrora fomos.

E, contudo, só a aparência muda, já que o âmago do Ser é eternamente o mesmo, imutável e sereno...

ÉS e sempre foste e ainda ÉS!
E voltarás ao mesmo seio puro através
Da Luz miraculosa que em Ti vês.

Breve estarás connosco, ó minha Irmã,
E sempre e uma vez mais já amanhã
Até se completar a teia dos afectos num afã

Que doce Penélope sabes desfazer
Para que não cesse jamais este prazer
De eternamente a meu lado te saber...

2:47 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Olá Rui!

És de, ou já viveste em Famalicão?

Se calhar conheces-me...

CSD

12:17 PM  
Anonymous Anonymous said...

Nem "sou de" nem "vivi"...

...vivo!... mas não intensamente, é certo...

Logo, talvez já nos tenhamos cruzado, sim, and that's it!

E mesmo qd a minha Mãe era viva, mas só nos encontrarias aqui no centro da cidade, onde vivíamos e ainda permaneço... repito!

Quanto à poesia em Espinho... estou interessado, já que vou a essa cidade muitas vezes!

Já agora, falando de livros e Sociologia, li ontem uma entrevista no "Notícias Magazine" com o sociólogo José Machado Pais, acerca do seu novo livro "Nos Rastos da Solidão".

Espero ver em breve uma súmula tua a estas "Deambulações sociológicas" que tenciono ler, já que o tema me interessa, e muito mais agora que essa Alma que eu tão bem conhecia se deixou morrer de solidão e abandono... ou desamor...

Yes, quite a sad chapter to end a once beautiful and promising life, like yours...

...beautiful Claude! :)

11:54 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Não cheguei a conhecer, mas deve ter sido uma pessoa muito especial...

Eu em Famalicão costumo ir às 5as feiras ao cine clube na casa das artes.

Se calhar ainda nos vemos por lá!

Tudo de bom para ti, Rui


CSD

1:33 PM  
Anonymous Anonymous said...

Que bela ideia comentar livros, perdão, Romances! Assim é mais fácil degerir a leitura: já vem mastigada, é só engolir. A revista e editora "Reader's Digest" fez algo de parecido.
Espero que não se sinta triste por ficar a saber, mas os Livros não são só romances, por muito interessantes que sejam.
Era muito bom que fizesse também análise de Huxley, Nietzsche, Breton ou Moran, pois não existe nada sobre os seus Livros na Net em português de Portugal.

Cumps.

4:03 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Meu caro anónimo

É verdade que a ficção me atrai, sobretudo porque nos bons romances estão contidos muitos dos autores qure menciona, de forma que pode-se unir o útil ao agradável e, abranger um público bastante mais vasto.

No entanto, vou seguir a sua sugestão sobretudo no que toca a Nietsche,um dos meus autores preferidos. Também aprecio de sobremaneira tudo o que tenha a ver com antropologia e psicologia.

Obrigada!:)

CSD

11:28 AM  
Blogger Rui leprechaun said...

Linda Cláudia:

Criei anteontem o meu próprio blog para homenagear e recordar a minha Amiga que preenche agora todas as minhas horas.

Seria bom que o tempo pudesse recuar, apenas uns 6 meses, mas esse milagre da inversão do calendário existe para já apenas no sonho imenso ou no desejo insano que cedo deve dar lugar à mais quieta aceitação...

So my two Beloved are gone, Mother and Friend are no more physically with me...

But they stay... yes!... spiritually...

http://xapoila.blogspot.com/

7:46 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Combinado, Gnomo!
Passarei por lá!
CSD

8:18 PM  
Anonymous Anonymous said...

Excelente post sobre uma excelente obra! Reparei num pequeno erro no final. Escreveste estória em vez de história suponho!
Keep on the good work ;)

Daniel Esteves

7:23 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Olá Daniel!

Não é erro. Estória é uma variação da palavra história - tem origem medieval - cujo significado específico corresponde à designação de pequeno conto, ou episódio...
Uma mini história - a estória - com final aberto...

Mas terás uma explicação mais completa no comentário ao texto "A Flor da Alegria" de Manuela Monteiro, feita por Fausto Lima no arquivo de Fevereiro de 2007...

Um abraço


CSD

5:43 PM  
Blogger itsnotforreal said...

Muito, muito boa mesmo sua análise. E muitíssimo obrigada por postá-la (e tão bem feita), porque tenho metade da minha prova final de Espanhol de amanhã sobre esse livro, e não tive tempo de lê-lo. Sua análise foi a melhor que encontrei, e me ajudou muito a conhecer e entender a obra em vários aspectos. (pelo menos eu espero... saberei na prova amanhã!) gostei da sua visão crítica e de seus comentários bem argumentados.(tô confiando neles, aliás...hahaha)
Me pareceu um livro bem interessante. Talvez eu leia depois que ficar livre das minhas provas.......
=]

9:56 PM  
Blogger itsnotforreal said...

Muito, muito boa mesmo sua análise. E muitíssimo obrigada por postá-la (e tão bem feita), porque tenho metade da minha prova final de Espanhol de amanhã sobre esse livro, e não tive tempo de lê-lo. Sua análise foi a melhor que encontrei, e me ajudou muito a conhecer e entender a obra em vários aspectos. (pelo menos eu espero... saberei na prova amanhã!) gostei da sua visão crítica e de seus comentários bem argumentados.(tô confiando neles, aliás...hahaha)
Me pareceu um livro bem interessante. Talvez eu leia depois que ficar livre das minhas provas.......
=]

9:56 PM  
Blogger Rita Ribeiro said...

Ola. Queria apresentar este livro num trabalho para a disciplina de filosofia, mas nao sei como retirar uma parte filosofica do livro. Poderia ajudar-me?

11:54 AM  
Blogger Maria Flowers said...

Também achei que o livro faz pensar-nos sobre a preocupaçao consciente, que poderia ter ajudado Satinago Nasar a prevenir-se, ainda que descreditado, da promessa de morte sofrida.

5:53 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Penso que Santiago se julgava intocável. Ou então que, se algo tivesse que acontecer acabaria por acontecer de qualquer forma. Uma espécie de crença no destino ou predestinação, no Fado ou Fatalidade como acreditavam os Gregos antigos.

8:56 PM  
Blogger Unknown said...

Sou fã de Gabriel García Marquez. Além deste, indico os clássicos "Cem anos de solidão" e "O amor nos tempos do cólera". Hoje acabei de ler "Memórias de minhas putas tristes", um verdadeiro louvor à vida pela visão de um senhor de noventa anos.

Paulo Henrique Leal
São Paulo - Brasil

ph.leal@hotmail.com

2:48 AM  

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