"Aphrodite" de Pierre Louÿs (Círculo de Leitores)
Um romance erótico de inspiração ática.
Contemporâneo de Verlaine e Stéphane Mallarmé, toda a obra de Pierre Louÿs remete para temas relacionados com a Antiguidade clássica: Astarté (poesia), Leda, Ariane (narrativas líricas), La Maison sur le Nil (romance) e Les Chansons de Bélites (poemas musicados por Claude Débussy).
Aphrodite foi catalogado como um romance de costumes antigos, licencioso para os padrões da época (sec.XIX), mas que contribuiu largamente para a consolidação da reputação internacional do Autor, não só pela qualidade da escrita como também pela fidelidade à mentalidade da época, relativamente à sociedade ateniense, num Egipto helenizado. A abundância da descrição dos ritos e tradições antigas foi colhida através das suas inúmeras traduções de obras clássicas, destacando-se a tradução de Diálogos das Cortesãs, de Luciano de Samosata. Muitas dessas obras foram impedidas, pelos padrões morais da época, de ser publicadas. Este é um dos motivos pelos quais tanto a obra, como o nome do Autor permanecerem, de certa forma, relegados para a obscuridade. Algumas obras mais ousadas tiveram, inclusive, de ser publicadas sob pseudónimo por atacarem a moral sexual da época como o romance L’Île aux Dames – uma paródia a A Ilha do Tesouro de Júlio Verne. Conta, ainda, com um romance póstumo intitulado Psyché .
A acção de Aphrodite situa-se em Alexandria no reinado de Ptolomeu Auleta e Berenice – irmã mais velha de Cleópatra – no século I a.c., algumas décadas antes do Egipto ser anexado por Roma.
A personagem principal é uma hierodula ou cortesã sagrada, uma jovem sacerdotisa de Aphrodite, que exerce a sua profissão na cidadela pertencente ao templo da Deusa. Crísia, Crisis ou Criseida é, na realidade, uma jovem originária da Galileia, raptada aos doze anos, por mercadores que a vendem no bairro sagrado, onde passa a ser muito requisitada, pela longa cabeleira loira, pelo azul sombrio do olhar e pelas feições muito semelhantes às das jovens atenienses.
Crisis incarna aquilo que os homens, desde sempre, mais admiram e temem nas mulheres: o poder da sua beleza. Que, na jovem galileia de aspecto arcadiano, atinge um nível muito próximo da perfeição, a ponto de quase a confundirem com a própria Deusa. Sem falar na particularidade de a jovem incarnar, também, o estereótipo negativo da personalidade feminina: inveja, cobiça, fome de poder, um ego desmesurado e uma marcada ausência de escrúpulos na utilização do seu poder para manipular a consciência masculina através do Desejo.
Crisis é o tipo de mulher que coloca a própria vontade e o poder da sua beleza acima do bem e do mal.
Porque Eros é cego. E conduzido pela Loucura, sua parceira inseparável.
Por Crisis e pela sua semelhança com a Deusa, o escultor Demétrios, esquece todos os princípios éticos e comete os maiores crimes, inclusive o assassínio e o sacrilégio.
Na perspectiva do Autor, à semelhança dos clássicos, o protagonista masculino não age de forma consciente, mas sob o veneno da flecha de Eros. Passado o efeito, recobra a razão e tenta reparar o erro. Não obstante, o facto de ter tirado a vida a duas mulheres parece ser considerado como um mal menor, à luz da mentalidade da época. Na cultura helénica, a vida e o carácter femininos não eram grandemente valorizados, uma vez que a mulher era considerada pouco mais do que um animal em cujo útero era possível plantar e desenvolver-se uma nova vida.
O estilo do Autor obedece aos cânones da simplicidade ática, sem excessos ou floreados retóricos e sem cair na tentação do melodrama, numa prosa despida de sentimentalismo piegas. Apesar de tudo nota-se, nas entrelinhas, um ligeiro travo de cinismo relativamente ao carácter das mulheres em geral. O próprio carácter das rainhas Berenice e Cleópatra aparece revestido de uma aura de prepotência, sugerindo um forte sentimento de ginofobia relativamente às mulheres ligadas ao Poder.
Quanto à estrutura, Aphrodite obedece à construção típica das obras clássicas – uma tragédia em cinco actos – e onde há, em termos ideológicos, o confronto entre o princípio masculino e o princípio feminino, do qual o primeiro termo mencionado sai sempre vencedor. O que está de acordo com o papel e o âmbito de actuação permitido às mulheres na sociedade e cultura atenienses, desde o século de Péricles até à altura no domínio romano, em toda a área onde se fez sentir a influência da cultura grega. No século XIX, altura em que viveu o Autor, a situação das mulheres não era muito diferente. O trabalho feminino era exercido quase exclusivamente no domínio privado, sobretudo nas classes economicamente mais favorecidas. O acesso à cultura era muitíssimo limitado. E, na época clássica, não se fala sequer de mulheres a frequentarem a Academia ou mesmo a instrução elementar dada aos homens, embora tenhamos conhecimento de algumas excepções como Safo e suas discípulas, ou as rainhas egípcias como Cleópatra.
No que toca à ética, o Autor refere, no prefácio, não ter descrito a volúpia tal como ela é “a fim de exaltar a verdade”. Enfatiza que o amor era, para os gregos, um sentimento gerador de grandeza, uma energia impulsionadora do progresso e da evolução, sem lhe imputar a ideia de impudicícia e imodéstia trazidas pela tradição judaico-cristã. Em contrapartida, os filósofos austeros eram considerados pelos antigos como loucos ou perigosos. O que não deixa de constituir um paradoxo, uma vez que Demétrio, sob o efeito da paixão, causou o Mal, isto é, cometeu crimes, embora, posteriormente, passada a vertigem da volúpia, a memória do sentimento passado lhe permita criar uma obra de arte a legar para a posteridade. Ou seja, a mensagem que se pretende passar é a de que enquanto que a paixão em si é destruidora, o amor por seu lado, edifica, contribui para o progresso, para a criação do Belo como valor absoluto.
A intenção do Autor é a de criar uma intriga passada na Antiguidade, vista pelo olhar de um ateniense. Deste ponto de vista, a sensualidade é a condição necessária para criar desenvolvimento intelectual, das artes, das letras e da cultura de um povo. Louÿs defende que a inteligência humana é, antes de tudo, sensual, uma vez que os povos das civilizações mais proeminentes ao longo da história não eram propriamente púdicos.
Em termos estéticos, um dos episódios mais belos da obra é-nos dado quando Demétrio visualiza, através de um sonho, a concretização do seu amor absoluto e incondicional pela Deusa que veste a imagem de Crísis. A beleza e o detalhe com que é descrita a alteração da fisionomia da Bela, durante o acto de amor, são traduzidos num texto sublime, de uma precisão escultórica e cinestésica, sem uma única palavra supérflua.
Aphrodite, personifica a Beleza como o eterno feminino num romance de amor e morte.
O erotismo desprovido do mais ínfimo vestígio de vulgaridade.
A transposição da extrema sensibilidade estética dos Atenienses, numa homenagem à deusa mais amada de todos os tempos.
Um diamante literário lapidado até à perfeição.
Cláudia de Sousa Dias
Contemporâneo de Verlaine e Stéphane Mallarmé, toda a obra de Pierre Louÿs remete para temas relacionados com a Antiguidade clássica: Astarté (poesia), Leda, Ariane (narrativas líricas), La Maison sur le Nil (romance) e Les Chansons de Bélites (poemas musicados por Claude Débussy).
Aphrodite foi catalogado como um romance de costumes antigos, licencioso para os padrões da época (sec.XIX), mas que contribuiu largamente para a consolidação da reputação internacional do Autor, não só pela qualidade da escrita como também pela fidelidade à mentalidade da época, relativamente à sociedade ateniense, num Egipto helenizado. A abundância da descrição dos ritos e tradições antigas foi colhida através das suas inúmeras traduções de obras clássicas, destacando-se a tradução de Diálogos das Cortesãs, de Luciano de Samosata. Muitas dessas obras foram impedidas, pelos padrões morais da época, de ser publicadas. Este é um dos motivos pelos quais tanto a obra, como o nome do Autor permanecerem, de certa forma, relegados para a obscuridade. Algumas obras mais ousadas tiveram, inclusive, de ser publicadas sob pseudónimo por atacarem a moral sexual da época como o romance L’Île aux Dames – uma paródia a A Ilha do Tesouro de Júlio Verne. Conta, ainda, com um romance póstumo intitulado Psyché .
A acção de Aphrodite situa-se em Alexandria no reinado de Ptolomeu Auleta e Berenice – irmã mais velha de Cleópatra – no século I a.c., algumas décadas antes do Egipto ser anexado por Roma.
A personagem principal é uma hierodula ou cortesã sagrada, uma jovem sacerdotisa de Aphrodite, que exerce a sua profissão na cidadela pertencente ao templo da Deusa. Crísia, Crisis ou Criseida é, na realidade, uma jovem originária da Galileia, raptada aos doze anos, por mercadores que a vendem no bairro sagrado, onde passa a ser muito requisitada, pela longa cabeleira loira, pelo azul sombrio do olhar e pelas feições muito semelhantes às das jovens atenienses.
Crisis incarna aquilo que os homens, desde sempre, mais admiram e temem nas mulheres: o poder da sua beleza. Que, na jovem galileia de aspecto arcadiano, atinge um nível muito próximo da perfeição, a ponto de quase a confundirem com a própria Deusa. Sem falar na particularidade de a jovem incarnar, também, o estereótipo negativo da personalidade feminina: inveja, cobiça, fome de poder, um ego desmesurado e uma marcada ausência de escrúpulos na utilização do seu poder para manipular a consciência masculina através do Desejo.
Crisis é o tipo de mulher que coloca a própria vontade e o poder da sua beleza acima do bem e do mal.
Porque Eros é cego. E conduzido pela Loucura, sua parceira inseparável.
Por Crisis e pela sua semelhança com a Deusa, o escultor Demétrios, esquece todos os princípios éticos e comete os maiores crimes, inclusive o assassínio e o sacrilégio.
Na perspectiva do Autor, à semelhança dos clássicos, o protagonista masculino não age de forma consciente, mas sob o veneno da flecha de Eros. Passado o efeito, recobra a razão e tenta reparar o erro. Não obstante, o facto de ter tirado a vida a duas mulheres parece ser considerado como um mal menor, à luz da mentalidade da época. Na cultura helénica, a vida e o carácter femininos não eram grandemente valorizados, uma vez que a mulher era considerada pouco mais do que um animal em cujo útero era possível plantar e desenvolver-se uma nova vida.
O estilo do Autor obedece aos cânones da simplicidade ática, sem excessos ou floreados retóricos e sem cair na tentação do melodrama, numa prosa despida de sentimentalismo piegas. Apesar de tudo nota-se, nas entrelinhas, um ligeiro travo de cinismo relativamente ao carácter das mulheres em geral. O próprio carácter das rainhas Berenice e Cleópatra aparece revestido de uma aura de prepotência, sugerindo um forte sentimento de ginofobia relativamente às mulheres ligadas ao Poder.
Quanto à estrutura, Aphrodite obedece à construção típica das obras clássicas – uma tragédia em cinco actos – e onde há, em termos ideológicos, o confronto entre o princípio masculino e o princípio feminino, do qual o primeiro termo mencionado sai sempre vencedor. O que está de acordo com o papel e o âmbito de actuação permitido às mulheres na sociedade e cultura atenienses, desde o século de Péricles até à altura no domínio romano, em toda a área onde se fez sentir a influência da cultura grega. No século XIX, altura em que viveu o Autor, a situação das mulheres não era muito diferente. O trabalho feminino era exercido quase exclusivamente no domínio privado, sobretudo nas classes economicamente mais favorecidas. O acesso à cultura era muitíssimo limitado. E, na época clássica, não se fala sequer de mulheres a frequentarem a Academia ou mesmo a instrução elementar dada aos homens, embora tenhamos conhecimento de algumas excepções como Safo e suas discípulas, ou as rainhas egípcias como Cleópatra.
No que toca à ética, o Autor refere, no prefácio, não ter descrito a volúpia tal como ela é “a fim de exaltar a verdade”. Enfatiza que o amor era, para os gregos, um sentimento gerador de grandeza, uma energia impulsionadora do progresso e da evolução, sem lhe imputar a ideia de impudicícia e imodéstia trazidas pela tradição judaico-cristã. Em contrapartida, os filósofos austeros eram considerados pelos antigos como loucos ou perigosos. O que não deixa de constituir um paradoxo, uma vez que Demétrio, sob o efeito da paixão, causou o Mal, isto é, cometeu crimes, embora, posteriormente, passada a vertigem da volúpia, a memória do sentimento passado lhe permita criar uma obra de arte a legar para a posteridade. Ou seja, a mensagem que se pretende passar é a de que enquanto que a paixão em si é destruidora, o amor por seu lado, edifica, contribui para o progresso, para a criação do Belo como valor absoluto.
A intenção do Autor é a de criar uma intriga passada na Antiguidade, vista pelo olhar de um ateniense. Deste ponto de vista, a sensualidade é a condição necessária para criar desenvolvimento intelectual, das artes, das letras e da cultura de um povo. Louÿs defende que a inteligência humana é, antes de tudo, sensual, uma vez que os povos das civilizações mais proeminentes ao longo da história não eram propriamente púdicos.
Em termos estéticos, um dos episódios mais belos da obra é-nos dado quando Demétrio visualiza, através de um sonho, a concretização do seu amor absoluto e incondicional pela Deusa que veste a imagem de Crísis. A beleza e o detalhe com que é descrita a alteração da fisionomia da Bela, durante o acto de amor, são traduzidos num texto sublime, de uma precisão escultórica e cinestésica, sem uma única palavra supérflua.
Aphrodite, personifica a Beleza como o eterno feminino num romance de amor e morte.
O erotismo desprovido do mais ínfimo vestígio de vulgaridade.
A transposição da extrema sensibilidade estética dos Atenienses, numa homenagem à deusa mais amada de todos os tempos.
Um diamante literário lapidado até à perfeição.
Cláudia de Sousa Dias
10 Comments:
xii nun cnheço o livro, mas deve ser mt fixe :o) espero q esteja tudo bem cntg .o)
bjinho
Sim, está tudo bem, linda!:)
Só tenho estado um pouquinho mais alheia a estas coisas da blogosfera porque os meus alunos têm dado algum trabalho!
Mas está a valer a pena!
Logo à tarde vou visitar-te ao teu cantinho!
Beijo
CSd
Hello, Travesericks!
I don't know if you realised it but my blog taks ONLY abou literature. An if i'm talking about a novel that is a classic, a masterpiece I simply can't understand what porn has got to do with it.
More. If you don't know the diference between erotism and pornography I sugest you to visit www.planoalto.blogspot.com or www.antesquemedeite.blogspot.com
Thank you for your visit.
CSD
acho um pratinho tu dares-te ao trabalho de responderes a spam electrónico :DD
toma beijo
Pois...Por via das dúvidas...Por trás de um spam haverá alguém...
Ainda por cima não sei como apagar aquela porcaria (hihihi.Devem ter associado a palavra erótico e Aphrodite a pornografia!
Não há pachorra!
CSD
A propósito Jp, adorei a tua fotografia ou logotipo, uma esfinge, não é?
CSD
Não, não conheço, mas vou consultar o Públoco daqui a pouco na Biblioteca!
Depois digo-te alguma coisa:)
beijos
CSD
Claudia estes tipos de spam em forma de comentário, apagam-se nas definições do teu próprio blogue.Abres o painel como quem vai postar, e abres a visualização do blogue. Repara que depois aparece um lápis por baixo de cada post. Se abrires então a cx de comentários respectiva, aparece um desenho de um caixote do lixo debaixo de cada comentário. É só clicar.
Beijoca
é uma esfinge estranha, mas é uma esfinge ;-)
Oh Jp! Obrigadíssima!
Um beijo grande!
CSD
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