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Sunday, April 23, 2006

“O Crime do Padre Amaro” de Eça de Queirós (Europa-América; Planeta DeAgostini)


A acção passa-se em Leiria, em finais do sec. XIX, numa cidadezinha provinciana onde a oferta cultural é escassa e o passatempo principal, a “arte” de saborear voyeuristicamente os escândalos sexuais dos habitantes da cidade, a par dos rituais religiosos, rigorosamente cumpridos.

O controlo social é apertadíssimo. E o desvio à norma, impecavelmente punido.

A trama constrói-se à volta do jovem Padre Amaro – que vem para Leiria a fim de substituir o falecido e velho pároco – e de Amélia, a bela filha da amante do cónego Dias, um clérigo bonacheirão, amante dos prazeres da cama e da mesa.

Amélia, crescida em casa de um padre, rodeada de imagens sacras, relicários e toda uma literatura beata, sonha, ao despontar os primeiros impulsos sexuais da sua austera adolescência, em desposar uma figura angélica, semelhante àquelas que está habituada a ver nos frescos, iluminuras ou vitrais dos lugares de culto, construindo, a partir delas, uma imagem de ideal masculino que acaba por projectar em Amaro.

Amaro, é dono de uma beleza delicada, traços finos, trigueiro, esguio, cabelo levemente ondulado, olhos negros, acentuados pelo sombreado de longas pestanas. Apesar do aspecto distinto, é um homem que conhece o significado da palavra privação – proveniente do tempo em que esteve a cargo dos tios, cuja avareza e secura o esmagavam – e, simultaneamente, o gosto pelo luxo – adquirido na infância enquanto viveu com a sua abastada madrinha e estimulado pela visita à filha desta, a bela e refinadíssima Condessa de Ribamar.

É pela intervenção dos Condes de Ribamar que Amaro consegue ser destacado para a paróquia de Leiria, onde irá desfrutar de uma situação económica bastante confortável.

A atracção entre o ultra-romântico par (Amélia é, apesar de tudo, o oposto das heroínas tipicamente clássicas de modelo arcadiano de Eça e também não é, de forma alguma, o tipo de mulher que o escritor mais admirava, mas exactamente a típica portuguesinha por quem, mercê da educação e da cultura em que cresce, cultiva um sentimento de pena…) estabelece-se de uma forma quase que instantânea. Os dois perseguem-se mutuamente com o olhar durante os serões em casa da S. Joaneira, a mãe de Amélia, onde inicialmente Amaro está hospedado.

Mais tarde, o inevitável acaba por acontecer no casebre onde habita o velho sineiro, o Tio Esguelhas, o cúmplice dos amantes. A sua filha, deficiente, é um excelente pretexto para Amélia justificar as suas idas a casa do sineiro. Antónia ou Totó, apesar de física e intelectualmente limitada, não deixa de se aperceber dos verdadeiros motivos das visitas do casal. Segue-os com o olhar, adivinha os seus movimentos, sem se coibir de manifestar um ódio visceral a Amélia por esta servir-se da sua doença como álibi para os encontros amorosos com o padre, a quem também deseja. O ciúme acaba por corroê-la, sabendo-se atirada pelas contingências da vida para o Inferno dos mal-amados.

Mas o ciúme obsessivo com laivos de paranóia, faz também parte do leque de emoções conflituosas que compõem o carácter do Padre Amaro. Este ama Amélia, mas não o suficiente para desistir dos privilégios que a posição de padre lhe confere e que tanto lhe custou a conseguir.

A paixão de Amaro por Amélia é egoísta, possessiva. Amaro sabe até que ponto a sua posição é frágil. Sabe, também, o quanto a manutenção desta situação pode prejudicar a jovem. O que não o impede de tentar afastá-la de tudo e de todos aqueles que possam desviá-la da sua influência. Até mesmo dos livros e do acesso à literatura, fora do âmbito litúrgico, afirmando que “não a quer para doutora”.

Amaro não hesita, inclusive, em utilizar as suas ligações ao mundo eclesiástico para destruir o rival – o intelectual João Eduardo, autor de um libelo publicado anonimamente num jornal local direccionado ao clero de Leiria, onde denuncia os aspectos mais venais da classe, colocando em risco a reputação de Amélia que, na altura, vivia em casa da mãe, amante do Cónego Dias e tendo como hóspede o Padre Amaro.
Os aliados de Amaro reduzem João Eduardo a nada, à laia de retaliação. Sem emprego e de noivado desfeito, nada mais resta ao jovem e passional Eduardo fazer uma retirada estratégica para Lisboa, onde passa um período de sérias dificuldades, uma vez que todas as portas se lhe fecharam.

Perseguem-no os estigmas de anarquista e ateu como a insígnia dos leprosos.

Apenas muito mais tarde, com a ajuda de alguém económica e socialmente intocável, Eduardo terá a possibilidade de se reerguer, exibindo a sua nova situação económica como uma bofetada com luva de pelica aos rancorosos clérigos de Leiria que anseiam por vê-lo a comer o pó da estrada.

O carácter de Amaro é assaz violento, tortuoso, obscuro. Além do mais, a cobardia e a pusilanimidade, outros dos seus traços de personalidade, vêm ao de cima nos momentos de tomada de decisão. É devido a esta mesma pusilanimidade e fraqueza de carácter que Amaro sucumbe à tentação de um crime, com o objectivo de salvar a sua reputação e conservar os privilégios inerentes ao seu estatuto de padre, ao entregar o filho recém-nascido a uma “tecedeira de anjos” – um eufemismo que designa alguém que se encarrega de se desembaraçar das crianças indesejadas, para depois alegar uma qualquer fatalidade (im)prevista. A cobardia de Amaro só é excedida pelo seu egoísmo. Por outro lado, a ambição desmedida leva-o a não distinguir o Bem do Mal, quando assume uma posição maniqueísta em vários momentos do romance.

A narrativa está cheia de presságios – como já é habitual em Eça de Queirós – desde o piar da coruja, associado aos dois amantes em várias por altura de um dos seus encontros, ao olhar de maldição que lhes lança a Tótó e, sobretudo, ao apelo de Amélia a Nossa Senhora das Dores para fazer com que o padre goste dela, um claro indício de sofrimentos futuros, quer físicos quer psicológicos. Mas a principal pista àcerca do destino de Amélia, provém de uma forte intuição depois de vestir o manto da Virgem e Amaro declarar ser ela “mais linda que Nossa Senhora” – a hybris, isto é, o orgulho arrogante de Amaro que aterroriza Amélia, certa de ter ofendido a divindade. O sentimento de heresia oprime-a até à paranóia. Por outro lado, a mãe de Amélia chega a afirmar preferir ver a filha “morta a casada com um pedreiro-livre”, como Eduardo, mais uma pista para o futuro reservado a Amélia.
O abade Ferrão e o Dr. Gouveia são os únicos aliados de Amélia que, para além de estarem do seu lado nos momentos mais difíceis, tentam libertá-la da influência nefasta do padre. Enquanto isso, o sonho erótico de Amaro onde mistura o sagrado e o profano ao possuir Amélia no purgatório debaixo do olhar divino, sofrendo, também ele, o aguilhão do remorso ou, mais propriamente, do medo da punição divina.


O Crime do Padre Amaro é, sobretudo, um manifesto contra o clero, cujo principal objectivo se traduz na manutenção do status quo isto é, da ordem pré-estabelecida e das velhas élites no poder. Trata-se de uma farpa explicitamente dirigida especialmente à classe eclesiástica que está patente quando o abade Natário afirma que “A Pobreza agrada a Nosso Senhor”, ao expor a forma como o clero arranja justificações divinas para a manutenção das desigualdades sociais.
Amaro chega, inclusive, a lamentar não estarem no tempo de Torquemada para poder mandar para a fogueira quem se lhe atravessasse no caminho e, deste modo, dispor de Amélia como lhe aprouvesse.
O Autor mostrar, simultaneamente, a forma como sistema de confissão constituía um excelente canal de espionagem, ao fomentar a delação e manipulação política, servindo os interesses do partido conservador, o qual incumbia ao clero o cargo de “orientar” os fiéis a votarem nos partidos que satisfaziam os seus interesses.

O carácter de Amaro assemelha-se, de certa forma, ao de Basílio de O Primo Basílio.

No final, o padre confirma, cinicamente, sem ponta de remorso e com toda a jovialidade, “só confessar mulheres casadas”. Porque as consequências de uma eventual ligação ilícita ficam escondidas pela máscara do casamento cobrindo-se, desta forma, o escândalo com a capa do socialmente correcto. E, tal como Basílio em relação à morte de Luísa, Amaro não muda com a morte de Amélia. Continua a usufruir do luxo da sua posição social, exibindo uma hipócrita virtude.

A hipocrisia da sociedade está, também, personificada na figura do viscoso, untuoso, falsamente subserviente Libaninho, o homossexual não assumido, que desvia a atenção da sua verdadeira orientação sexual, usando da maledicência e apontando os “pecados” alheios.

No final, assiste-se ao encontro de Amaro, do Cónego Dias e do Conde de Ribamar debaixo da estátua de Camões, símbolo da identidade nacional. O imponente trio disserta sobre a política europeia e a situação económica do País debaixo do frio e sobranceiro olhar da estátua do Grande Autor Épico, cuja expressão quase que de desprezo, como que sublinha o acentuado declínio social e ético da nação...

Uma livro que foi vítima, para usar uma expressão de Gabriel García Márquez, “do lápis vermelho de Torquemada” ou, como quem diz, “da Censura” (in Memória das minhas Putas tristes), durante o Período do Estado-Novo e a que agora podemos ter acesso.

Uma prosa de um veneno irresistível.

Um Eça simplesmente demolidor.


Cláudia de Sousa Dias

8 Comments:

Blogger Claudia Sousa Dias said...

Não sei, mas relativamente ao segundo comentário é essa a imagem que tentaram fazer passar.

Yo no creo que todos sean así, pero que los hay, los hay...

Y creo que lo mismo pasa a las brujas, o no?

Beijos

Cláudia

7:23 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

A propósito, o meu agnosticismo e a minha rebeldia o meu apego ao pensamento crítico, para além de ser uma feminista convicta (perdoe-me se estou a ferir susceptibilidades)vai muito de encontro à visão do Eça. Apesarde, paradoxalmente a visão dele acerca da divisão dos papéis entre os géneros corresponder ao modelo chauvinista da soiciedade patriarcal.

A +personagem de Amélia e a forma como se estrutura "O Crime do Padre Amaro" à volta desta personagem são, até agora a única excepção excepção à clássica apresentação daas heroínas de Eça e a única vez em que este se propôis efectivamente a defender os direitos das mulheres.

Por isso, dedico toda a minha admiração a um escritor que teve a coragem de escrever um romance desta têmpera numa época em que estes temas eram tabu.

7:31 PM  
Anonymous Anonymous said...

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5:36 PM  
Anonymous Anonymous said...

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3:38 AM  
Blogger Cleopatra said...

Gosto do Livro.
Lamentei o filme.(Claro!)

11:35 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Não vi o filme, Cleópatra!

Claro que ainda vou a tempo, logo que saia em DVd ou passe no cine clube e VN de Famalicão!

Bjo

CSD

7:46 PM  
Anonymous Latif Morales said...

A obra em si é fabulosa...e realmente como vi comentários a respeito do filme...deixa a desejar.

4:38 AM  
Anonymous Latif Morales said...

A obra é de fato fabulosa, sem sombra de dúvidas, muito envolvente de uma linguagem clara, e realmente o filme fica a desejar.
BJKS

4:44 AM  

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