“As Rosas de Atacama” de Luís Sepúlveda (ASA)
O título original desta publicação chama-se, na realidade, Historias Marginales – Histórias Marginais – e corresponde, precisamente, ao primeiro título desta colectânea de relatos de extraordinária beleza, a formar um ramalhete de pequenas estórias de heróis desconhecidos que a História relegou para a obscuridade.
Porque a História oficial se ocupa, quase que exclusivamente, do ponto de vista do vencedores.
A inspiração para dar início à escrito a incidir na temática de As Rosas de Atacama – o título escolhido pela editora – surge aquando de uma visita ao campo de concentração de Bergen Belsen onde o autor se depara com a seguinte inscrição:
Eu estive aqui e ninguém contará a minha história.
Uma frase onde está implícita a nota de desespero e cujo impacto só tem comparação com a pungente obra de Münch intitulada O Grito.
O contraponto da situação é dado, mais uma vez, por uma citação – Goebbels, com uma frase que tristemente célebre, que contém em si uma verdade medonha:
Um morto é um escândalo, mil mortos são uma estatística.
Uma frase chave que despoleta a motivação de Sepúlveda para contratacar com as palavras do poeta Guimarães Rosa:
Narrar é resistir.
Desta forma Luís Sepúlveda decide reunir todas estas pequenas histórias marginais com o objectivo de despertar a indignação e a memória. A finalidade é criar a vontade no Homem de mudar o mundo no sentido da evolução do progresso do Humanismo. E do respeito pelo ecossistema que permite a vida no planeta.
Uma obra que é, por isso mesmo e mais do que nunca, actual.
E a forma mais adequada de perseguir o seu objectivo é a de trazer à luz do dia aqueles que permanecem na sombra da História dos que não aparecem nos noticiários, que não têm biógrafos mas apenas uma esquecida passagem pelas ruas da vida.
As Rosas de Atacama é também um livro de relatos que conta as viagens de um andarilho aos locais mais recônditos de todo o mundo sob as condições de vida mais adversas, desde a bela e impiedosa selva do equador e o infernal deserto de Atacama, até à gelada Patagónia perto de Cape Horn ou à Lapónia no Árctico.
Cada relato tem a capacidade de nos deslumbrar ou comover pela forma como LS expõe as contradições inerentes ao desenvolvimento económico que entra muitas vezes em contradição com a sobrevivência humana e das outras espécies no planeta, afastando-se do seu objectivo inicial: a melhoria de qualidade de vida e o bem comum.
Deste autor chileno evidencia-se o talento inquestionável para extrair beleza dos sítios por onde passa quer e das pessoas com as quais trava conhecimento. Algo que se torna fácil para quem tem o dom inato – ou um leque de vivências fora do comum acumuladas durante muitas décadas – de enxergar para além da superfície, transformando muitas vezes a dor em palavras com sabor a poesia…
Ao mesmo tempo o Autor proporciona-nos a lucidez necessária à observação de algumas questões que estão na ordem do dia ao expor o absurdo de contradições quase sempre subjacentes aos jogos de poder dos senhores do mundo, ao referir-se, por exemplo, a uma ilha perdida na ex-Jugoslávia, onde antes coexistiam pacificamente várias etnias e religiões diferentes:
Dói-me a ilha perdida e repete-me que os homens que não conhecem a fundo a sua História caem facilmente nas mãos de vigaristas, de falsos profetas e voltam a cometer os mesmos erros.
Os valores da solidariedade humana, da ecologia, da lealdade e da partilha do pão e do vinho das palavras são para Sepúlveda como uma espécie de eucaristia.
O Autor gosta, aliás, de escrever sobre uma mesa de amassar pão, como já foi referido a propósito de Patagónia Express.
Um acto que tem, em si, uma carga simbólica na medida em que são as palavras que lhe garantem a sobrevivência, isto é, que lhe colocam o pão sobre a mesa.
Uma obra composta por mini-contos de duração efémera (em média duas páginas) beleza fulgurante como as rosas do deserto de Atacama onde a escrita é o pão amassado com amor, alegria e…
…lágrimas.
Cláudia de Sousa Dias
Porque a História oficial se ocupa, quase que exclusivamente, do ponto de vista do vencedores.
A inspiração para dar início à escrito a incidir na temática de As Rosas de Atacama – o título escolhido pela editora – surge aquando de uma visita ao campo de concentração de Bergen Belsen onde o autor se depara com a seguinte inscrição:
Eu estive aqui e ninguém contará a minha história.
Uma frase onde está implícita a nota de desespero e cujo impacto só tem comparação com a pungente obra de Münch intitulada O Grito.
O contraponto da situação é dado, mais uma vez, por uma citação – Goebbels, com uma frase que tristemente célebre, que contém em si uma verdade medonha:
Um morto é um escândalo, mil mortos são uma estatística.
Uma frase chave que despoleta a motivação de Sepúlveda para contratacar com as palavras do poeta Guimarães Rosa:
Narrar é resistir.
Desta forma Luís Sepúlveda decide reunir todas estas pequenas histórias marginais com o objectivo de despertar a indignação e a memória. A finalidade é criar a vontade no Homem de mudar o mundo no sentido da evolução do progresso do Humanismo. E do respeito pelo ecossistema que permite a vida no planeta.
Uma obra que é, por isso mesmo e mais do que nunca, actual.
E a forma mais adequada de perseguir o seu objectivo é a de trazer à luz do dia aqueles que permanecem na sombra da História dos que não aparecem nos noticiários, que não têm biógrafos mas apenas uma esquecida passagem pelas ruas da vida.
As Rosas de Atacama é também um livro de relatos que conta as viagens de um andarilho aos locais mais recônditos de todo o mundo sob as condições de vida mais adversas, desde a bela e impiedosa selva do equador e o infernal deserto de Atacama, até à gelada Patagónia perto de Cape Horn ou à Lapónia no Árctico.
Cada relato tem a capacidade de nos deslumbrar ou comover pela forma como LS expõe as contradições inerentes ao desenvolvimento económico que entra muitas vezes em contradição com a sobrevivência humana e das outras espécies no planeta, afastando-se do seu objectivo inicial: a melhoria de qualidade de vida e o bem comum.
Deste autor chileno evidencia-se o talento inquestionável para extrair beleza dos sítios por onde passa quer e das pessoas com as quais trava conhecimento. Algo que se torna fácil para quem tem o dom inato – ou um leque de vivências fora do comum acumuladas durante muitas décadas – de enxergar para além da superfície, transformando muitas vezes a dor em palavras com sabor a poesia…
Ao mesmo tempo o Autor proporciona-nos a lucidez necessária à observação de algumas questões que estão na ordem do dia ao expor o absurdo de contradições quase sempre subjacentes aos jogos de poder dos senhores do mundo, ao referir-se, por exemplo, a uma ilha perdida na ex-Jugoslávia, onde antes coexistiam pacificamente várias etnias e religiões diferentes:
Dói-me a ilha perdida e repete-me que os homens que não conhecem a fundo a sua História caem facilmente nas mãos de vigaristas, de falsos profetas e voltam a cometer os mesmos erros.
Os valores da solidariedade humana, da ecologia, da lealdade e da partilha do pão e do vinho das palavras são para Sepúlveda como uma espécie de eucaristia.
O Autor gosta, aliás, de escrever sobre uma mesa de amassar pão, como já foi referido a propósito de Patagónia Express.
Um acto que tem, em si, uma carga simbólica na medida em que são as palavras que lhe garantem a sobrevivência, isto é, que lhe colocam o pão sobre a mesa.
Uma obra composta por mini-contos de duração efémera (em média duas páginas) beleza fulgurante como as rosas do deserto de Atacama onde a escrita é o pão amassado com amor, alegria e…
…lágrimas.
Cláudia de Sousa Dias
23 Comments:
mini contos andarilhos lágrimas...
grandes emoções me acompanham na tua leitura
e sempre sempre
o desejo de (re)ler...:)
abraÇo.beijO
Toma, querida Cláudia
http://www.youtube.com/watch?v=Funp7JTWp2A
pelo que te vi dizer no sítio da mrf.
Ou
talvez gostes mais desta
http://www.youtube.com/watch?v=KxyrphGgLH4
(uma belíssima voz, sempre...
a sobressair, agora que já não estamos sujeitos à massificação)
E
já agora, esta ilustração à custa de uma ária de referência, de uma opera divertida
http://www.youtube.com/watch?v=dHv_lZK0y2A
(um beijinho)
é uma querida, Un Dress!
CSD
Obrigada, Pirata.
Abraço.
CSD
Li e gstei mesmo muito. Já li há algum tempo. Como sempre, um texto excelente.
abraço
lendo
sendo
viagem de palavras...
Todos os livros que lês são bons? Nunca vi 1 comentário bom ou n recomendo...
Ainda bem que gostaram, Pi e Baudolino.
A viagem pelas palavras é uma História Interminável...por acaso um livro que já me recomendaram há já muito tempo, mas que ainda não tive a oportunidade de ler...
Anónimo, não sei se são bons. Sei que gosto de todos os livros que comentei aqui, até hoje.
A qualidade e o interesse poderão ser variáveis, mas isso éalgo o leitor dos meus textos se habitua a ler nas entrelinhas. Por eu leio géneros muito variados e temáticas mais variadas ainda.
No entanto os MAUS livros não entram aqui...
Quando escolhpo comentar um livro que não é excelente mas tem alguns aspectos positivos que justificam aleitura penso que os meus leitores podem identificar o facto perfeitamente.
Agora nunca espere que eu vá dissuadir alguém de comprar um determinado livro.
Este blog não tem essa finalidade.
A intenção é apenas fornecer pistas para a leitura.
CSD
OlÁ!!!!
Soube-me bem ler este teu post e, através das tuas palavras, "reler" o livro lido há algum tempo!*
Que bom rtp!
Tenho novos textos no prelo, isto, é manuscritos!
Acho que vou passar todo o dia de amanhã no computador para ver se consigo postar algo de novo no final da tarde. Fiz um abrandamento na esc~rita porque meti na cabeça que quero voltar a ficar elegante e também porque o trabalho me tem roubado mais tempo às minhas leituras...
CSD
Mmais uma abordagem muito interessante.
És incansável.
Beijinhos.
Nem tanto Nilson...
Há uma semana que não pego num livro...
O que é muito esquisito...
:-)
bjo
CSD
gosto imenso do spulveda...mas agora ando numka de japonês - haruki murakami - em busca do carneiro selvagem
Ainda não li nada dele.
Mas estou com muita vontade.
Um abraço
CSD
vale a pena...rompe com o convencional...
e na minha opnião..consegue com seriedade ser hilariante.
beijo
Pois, este é fantástico !
Deixo-te um beijo de letras (como a sopa ...conheces ?)
Fazer palavras nas bordas do prato ... e a pensar
Eu já estive com vários na mão para comprar.
Mas ainda tenho um stock de livros para "gastar" até ao Natal...
Isabel, a sopa conheço!
Não costumo é ver o programa...porque não dá para mim por causa do horário...
Beijo grande
Atiradas as sementes ao vento, são elas que escolhem onde vingar. O deserto é um bom lugar para rosas.
Si, sobretudo as de Atacama...
CSD
Sem dúvida o melhor livro de Sepúlveda. Evita tudo aquilo que em Sepúlveda cansa pelo exagero (a moralidade de trazer por casa, a ecologia, 'tribalismo', etc), e reúne tudo o que dá uma dimensão universal, profunda e comovente aos seus textos - o humor e domínio perfeito da linguagem postos ao serviço das causas acima referidas.
Ola. Tenho uma pequena apresentação de português e tenho dificuldade em relacionar este livro com alguma obra de arte (filme, pintura…).Podaria me ajudar? Obrigado.
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