“Uma Campanha Alegre” de Eça de Queirós (Planeta deAgostini)
Uma Campanha Alegre é o resultado final de uma compilação que reúne os textos que deram origem a As Farpas, elaboradas em conjunto com Ramalho Ortigão, que consistiam numa publicação periódica, dedicada exclusivamente à crítica social, política, estética, artística, considerações filosóficas, literárias e assim por diante…
Tratava-se de uma publicação levada a cabo por dois Dom Quixotes que lutavam com os “moinhos de vento” humanos que tomavam atitudes de gigantes, cuja prepotência se fazia sentir sempre que a sua pesada estrutura, inflexibilidade e exercício de poder de pendor absolutista ofendiam a respectiva Dulcineia que, nos textos, assume várias identidades: Democracia, Liberdade de expressão, Igualdade de Oportunidades, Desenvolvimento Económico, Sufrágio Universal, Alfabetização.
São muitos os virotes, os dardos, as farpas, apresentados neste volume, dirigidos quer ao Governo quer à oposição, pelas atitudes contraditórias que denunciam a corrupção, a venalidade, a estultícia de uma classe política inculta e ineficaz.
O século XIX, sendo marcado por sucessivas convulsões sociais e políticas, entre as quais uma guerra civil – entre liberais e absolutistas – e pela alternância sucessiva e constante entre uma facção e outra, que se traduzem num sem número de reformas que nunca chegaram a concretizar-se, torna-se um prato cheio para um advogado que desempenha as funções de jornalista e analista social.
Com Uma Campanha Alegre ficamos a saber que os números correspondestes ao nível de alfabetização e iliteracia eram obscenos em comparação com os restantes países menos desenvolvidos d Europa - exceptuando a Grécia, país com o qual Eça de Queirós encontra muitas semelhanças com Portugal, quer no que respeita à estrutura económica, quer à ineficácia da classe política, passando pelos motivos que levam as classes mais desfavorecidas a emigrar. O que torna estes dois povos mediterrânicos muito próximos, no que diz respeito ao aspecto antropológico e psicossocial.
Percebe-se claramente, em vários artigos, que esta é uma publicação que incomoda as classes dominantes.
As Farpas recebem ataques de várias frentes, incluindo a Igreja – um dos órgãos mais visados pela língua viperina e pena acutilante queirosianas –, assim como o partido no Poder e, também, a oposição.
A salvo, só mesmo as classes populares.
E, mesmo assim, a comissão de trabalhadores num dos ramos industriais mais proeminentes na época, recebe, ainda, uma pequena estocada, quando se trata do exercício indiscriminado do direito à greve. O Autor compara a situação dos trabalhadores do sector industrial com os trabalhadores agrícolas, da agropecuária e da piscicultura, onde as condições de trabalho e salariais são escandalosamente adversas.
A política relativamente à cultura é, também, visada no sentido de a tornar acessível às classes populares e da necessidade urgente de a mesma cultura adquirir uma vertente pedagógica.
Ao reunir os textos de As Farpas, que são exclusivamente da sua autoria, em Uma Campanha Alegre e, portanto separados das “farpas” assinadas por Ramalho Ortigão, Eça de Queirós mostra a verdadeira têmpera do seu carácter, e convicções pessoais que se aglutinam, praticamente, todas neste volume.
Eça é antes de mais, um homem frontal. Com uma coragem e audácia sem precedentes. Um homem que despreza a palavra medo. Dotado de uma energia inesgotável para lutar pelas suas convicções, no sentido de conseguir uma melhoria de qualidade de vida para todos.
Um estilo irónico, roubado aos atenienses e aos romanos da Antiguidade, que recorre à anedota, ao sarcasmo, à alegoria e à parábola para explicar as contradições do non-sense político português.
Lidas com atenção, as suas “farpas” acertam quase sempre, em todas as frentes e com uma eficácia fulminante, o alvo.
Tudo isto, faz de Eça de Queirós uma figura de proa, de vanguarda e destaque no desenvolvimento e evolução da mentalidade do País. Um agente de Mudança.
Porque Portugal é um país em que o desenvolvimento se processa por avanços e recuos – ou, simplesmente por períodos de estagnação -, a todos os níveis.
Vale, por isso, a pena ler Uma Campanha Alegre para que, pelo menos, não repitamos, ou tentemos não repetir, os erros do passado…
Cláudia de Sousa Dias
18 Comments:
Às avessas do que é costume fazer-se, não se trata tanto de admirar a perenidade das apreciações de Queirós. De pôr em evidência é a constância daquilo que ali acima tão bem ficou sintetizado, no que respeita à sigularidade deste espaço sócio-administrativo com características de Estado - "pelas atitudes contraditórias que denunciam a corrupção, a venalidade, a estultícia de uma classe política inculta e ineficaz.
(...) e pela alternância sucessiva e constante entre uma facção e outra, que se traduzem num sem número de reformas que nunca chega(ra)m a concretizar-se".
A escolha não podia ser mais oportuna, Cláudia!
Obra tão actual, logo na minha primeira visita ao seu blog! Parece-me um blog excelente e cheguei aqui por recomendação de um amigo. Nós, pelo Q&Q queremos ver se se alivia esta onda de processos em tribunal por tudo e por nada. Daí que optamos por relatar factos (reais ou não) que funcionam como caricatura dos dias de hoje... A ver vamos se coseguimos...
Parabéns pelo blog Cláudia
Um blog indispensavel para quem gosta de cultura.
Não sei se as suas escolhas recaem apenas em escritores de sucesso, ou se eventualmente poderá apreciar leituras de "pobes" autores como é o meu caso.
Beijinho e parabéns pelo excelente blog
O sonhador
Pois, Pirata...Está tudo dito!
Q&Q adorei a vossa visita. Não tenham dúvida que retribuirei.
João Cordeiro, não é verdade!
Também analiso livros de Autores menos conhecidos ou ilustres desconhecidos ou mesmo de desconhecidos de todo.
Tenho é o defeito ou qualidade de fazer uma selecção das obras que escolho comentar no blog.
Há autores que mesmo a vender milhares de livros eu não comentaria, porque não gosto de magoar ninguém.
Prefiro, por isso, fazer uma pré-selecção, ou uma crítica construtiva, falando com o Autor em privado, se ele assim o desejar.
CSD
Obrigado pela sublime resposta.
Concordo inteiramente com o seu pensamento
Beijinho sonhador
Obrigada eu, João!
És sempre bem-vindo!
CSD
Somos um povo que não se governa nem se deixa governar.
As farpas, aplicadas ao nosso hoje, são lugares comuns, banalizaram-se.
Passamos, aliás, a ser especialistas de farpas. Acho que nem fazemos mais nada...
Mas vale sempre a pena ler o livro, até porque farpas em regimes de tendência ditatorial são sempre muito mais interessantes que nos de tendência democrática.
Bom fim-de-semana, beijinhos.
Pois...Querido Nilson!
É verdade.
Mas era necessário que deixássemos de ser um país onde as coisas se realizam através de expedientes, muitas vezes em cima do joelho, ou contornando a lei e implamentássemos mais medidas concretas, tendo em vista resultados concretos e reais e não apenas a manipulação das estatísticas...
CSD
Pois, tudo isso é verdade Cláudia.
Mas também seria importante que todos pagassem os impostos, que funcionários públicos deixassem de roubar o Estado, que todos os patrões pagassem e fizessem os descontos de acordo com a lei, que todos tivessem um comportamento cívico aceitável, enfim, que o número de chico-espertos deste país fosse mais reduzido.
E que, por outro lado, fossemos mais construtivos e menos destrutivos.
Mas são apenas pontos de vista...
Beijinhos.
tem tudo a ver...
O que falaste é o principal cancro da economia do país...
Mas todos nós já nos apercebemos desse facto.
O problema é a inércia face à necessidade urgente de mudar.
CSd
Atenção, Cláudia! Está a entrar a fundo nos leitores subversivos! Nos tempos que correm...
Enfim, um Eça é sempre refrescante, com uma pitada daquele picante subtil, que não arde mas estimula os sentidos.
Um abraço
P
Ai,ai~...Baudolino!
Que será de mim?
Ainda por cima vêm aí o Luís Sepúlveda e o Gora Vidal outra vez...e daqui a nada, Salman Rushdie...
Bem, o máximo que me pode acontecer é ser apedrejada...
DEpois o hasempreumlivro é publicado, torna-se um best-seller e o meus pais têm uma velhice descansada...
Um beijo grande e um obrigada sincero pela preocupação!
CSD
Querida Cláudia,
As Farpas são aqueles momentos da nossa literatura que deveríamos ter tipo "Manual de mesa-de-cabeceira". Num estado de coisas como aquele que se vive neste país, certamente encontraremos uma, a cada momento, que se lhe adeqúe.
Como o Nilson disse ... "somos um pais que se não governa nem se deixa governar"...
A verdade é que TODOS somos responsáveis. Somos demasiado passivos, em mt casos até acomodados... parcos de ideais e de gestos comunitários. (Digo eu…)
Sem descambar na política e com um pé nela, o que aqui se aborda é o interesse literários da obra e a sua actualidade. E nisso, penso, estamos todos de acordo.
De novo uma excelente crónica.
Continuação de excelente semana
Beijos d(a)e Mel
www.noitedemel.blogs.sapo.pt
www.maresiademel.blogs.sapo.pt
Totalmente de acordo, querida Mel!
Um beijo enorme!
CSD
O Eça continua actual... e sempre muito interessante de se ler!
Pois...Olha não gostarias de comparecer ao jantarv de bloggers no"Varandas da Barra" na 6ª?
promete ser interessante...
CSD
Olá! que bom encontrar-te :)
gostava de ler este livro... existe por ai ou é raro?
Tente procurar a colecção dos livros do Eça que normalmente é adoptada pelas escolas.
É mais fácil encontrá-lo nas livrarias escolares.
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