“Os Mares do Sul” de Manuel Vásquez Montalbán (Caminho; Biblioteca Visão)
O detective privado Pepe Carballo tenta descobrir a autoria da morte de Stuart Pedrell, um industrial catalão. A acção situa-se na época que se segue à queda do regime franquista, na Barcelona dos anos 1970.
Pepe Carballo é contratado pela viúva de um empresário assassinado misteriosamente, Stuart Pedrell, a qual pretende fazer a reconstituição, passo a passo, do percurso de vida do falecido marido, durante o último ano de vida deste no que toca à sua vivência extra-familiar.
Pepe passa, então, a dedicar o seu tempo a reconstruir o quebra-cabeças que é a personalidade do empresário e a forma como esta se articula com aqueles que com ele contactaram de perto.
Descobre, então, que tem em mãos um caso que envolve um empresário muito pouco ortodoxo. Trata-se de um diletante, um idealista, sonhador, apreciador das artes e refinado gourmet, obcecado, simultaneamente, por paisagens exóticas: os Mares do Sul. As gentes das ilhas de Gauguin.
Resta-lhe seguir, então, o itinerário que o leva às ilhas imaginárias onde Pedrell pensa encontrar a paz e a evasão, longe da hipocrisia e da frivolidade do mundo dos negócios, bem como da hipocrisia do jet-set das revistas de papier couchet.
Em Os Mares do Sul, Montalbán, aponta o chocante contraste sócio-económico patente na sociedade catalã da altura, em que a Espanha se encontra em pleno arranque da fase do desenvolvimento industrial, que lhe permitirá atingir o nível de riqueza ostentado no início do século XXI.
As condições habitacionais nos bairros operários contrastam violentamente com, por exemplo, a extravagante residência do Marquês de Mund, o sócio-capitalista de Pedrell, uma personagem a fazer lembrar um dos líderes do movimento surrealista no campo das artes. O Marquês vive alheado da realidade, isolado num mundo de luxo exuberante, deixando a gestão e multiplicação do seu vasto património herdado, a cargo dos seus dois sócios.
Já a classe trabalhadora, descrita na obra, vive num bairro operário, em condições assaz degradadas, cujas horas de ócio quase não são suficientes para dormir o tempo necessário de forma a enfrentar a rotina do dia de trabalho.
Ao contrário de Isidro Planas, o terceiro dos sócios da empresa do falecido, obcecado pela manutenção da forma física – dietas espartanas, massagens, exercício físico de rigor quase militar e…
…clísteres!
A obsessão de Planas é descrita através do humor cínico de Montalbán – embora este seja, na realidade, um falso cínico, para aqueles que sabem ler a sua prosa nas entrelinhas – o qual acaba por desvirtuar completamente a aparência viril do empresário de físico juliano.
Quanto ao protagonista, o detective Pepe Carballo, estamos perante um hedonista que, apesar da sua evidente afinidade com a ideologia marxista, é tão amante dos prazeres da vida como Pedrell.
Excepto pela forma – situada algures entre o cinismo e o cepticismo –, com que olha para as mulheres em geral – excepto em relação a Mima, a viúva de Pedrell, a qual vê como uma sedutora dama-de-ferro -, e a jovem operária que foi a última conquista romântica do empresário assassinado.
A primeira, é a mulher que paga os seus serviços de detective, uma mulher autónoma, eficiente, que “dá as cartas”. Que não está, portanto, habituada a deixar o crédito por mãos alheias. A segunda intriga-o pelo desprendimento – não é minimamente possessiva ou controladora – e, simultaneamente, pela capacidade de entrega e confiança que deposita em alguém de quem não tem quaisquer referências, como é o caso de Pedrell.E também pela capacidade que demonstra em acreditar num ideal que lhe permita – a ela e à família – resgatá-la da miséria.
Charo e Jessica são tratadas com a condescendência desdenhosa que um intelectual algo chauvinista dedica às mulheres em geral, que vê como belas e ocas.
Em Charo, Carballo vê-se a braços com a luta diária contra a excessiva possessividade e tendência para o melodrama da prostituta não assumida.
Em Jessica, rica e mimada filha de Pedrell, Carballo observa, por vezes com algum aborrecimento, a falta de orientação e a puerilidade da jovem que, sem ser desprovida de inteligência, não consegue encontrar um rumo para direccionar a própria vida. Ou a manobrar o barco que a leve rumo aos Mares do Sul. Ao paraíso idealizado pelo pai, pelo qual sente uma adoração em tudo semelhante à de Electra por Agamémnon.
A linguagem escatológica e o uso frequente do vernáculo, acentuam o cinismo aparente de Carballo. Esta característica de estilo é típica de Montalbán, encontrando-se patente em obras posteriores, embora não de forma tão vincada como, por exemplo, no romance histórico Ou César ou nada, onde entram personagens como a família Bórgia ou a rainha Joana, a Louca, filha dos Reis Católicos.
Mas nesta série policial protagonizada pelo detective catalão, premiada com o Prémio Planeta 1979, Montalbán serve-se da sua verve de características viperinas como arma de ataque, face ao entronizar do capitalismo desenfreado e da sociedade consumista, ao transformar um romance policial em romance de intervenção.
Cláudia de Sousa Dias
Pepe Carballo é contratado pela viúva de um empresário assassinado misteriosamente, Stuart Pedrell, a qual pretende fazer a reconstituição, passo a passo, do percurso de vida do falecido marido, durante o último ano de vida deste no que toca à sua vivência extra-familiar.
Pepe passa, então, a dedicar o seu tempo a reconstruir o quebra-cabeças que é a personalidade do empresário e a forma como esta se articula com aqueles que com ele contactaram de perto.
Descobre, então, que tem em mãos um caso que envolve um empresário muito pouco ortodoxo. Trata-se de um diletante, um idealista, sonhador, apreciador das artes e refinado gourmet, obcecado, simultaneamente, por paisagens exóticas: os Mares do Sul. As gentes das ilhas de Gauguin.
Resta-lhe seguir, então, o itinerário que o leva às ilhas imaginárias onde Pedrell pensa encontrar a paz e a evasão, longe da hipocrisia e da frivolidade do mundo dos negócios, bem como da hipocrisia do jet-set das revistas de papier couchet.
Em Os Mares do Sul, Montalbán, aponta o chocante contraste sócio-económico patente na sociedade catalã da altura, em que a Espanha se encontra em pleno arranque da fase do desenvolvimento industrial, que lhe permitirá atingir o nível de riqueza ostentado no início do século XXI.
As condições habitacionais nos bairros operários contrastam violentamente com, por exemplo, a extravagante residência do Marquês de Mund, o sócio-capitalista de Pedrell, uma personagem a fazer lembrar um dos líderes do movimento surrealista no campo das artes. O Marquês vive alheado da realidade, isolado num mundo de luxo exuberante, deixando a gestão e multiplicação do seu vasto património herdado, a cargo dos seus dois sócios.
Já a classe trabalhadora, descrita na obra, vive num bairro operário, em condições assaz degradadas, cujas horas de ócio quase não são suficientes para dormir o tempo necessário de forma a enfrentar a rotina do dia de trabalho.
Ao contrário de Isidro Planas, o terceiro dos sócios da empresa do falecido, obcecado pela manutenção da forma física – dietas espartanas, massagens, exercício físico de rigor quase militar e…
…clísteres!
A obsessão de Planas é descrita através do humor cínico de Montalbán – embora este seja, na realidade, um falso cínico, para aqueles que sabem ler a sua prosa nas entrelinhas – o qual acaba por desvirtuar completamente a aparência viril do empresário de físico juliano.
Quanto ao protagonista, o detective Pepe Carballo, estamos perante um hedonista que, apesar da sua evidente afinidade com a ideologia marxista, é tão amante dos prazeres da vida como Pedrell.
Excepto pela forma – situada algures entre o cinismo e o cepticismo –, com que olha para as mulheres em geral – excepto em relação a Mima, a viúva de Pedrell, a qual vê como uma sedutora dama-de-ferro -, e a jovem operária que foi a última conquista romântica do empresário assassinado.
A primeira, é a mulher que paga os seus serviços de detective, uma mulher autónoma, eficiente, que “dá as cartas”. Que não está, portanto, habituada a deixar o crédito por mãos alheias. A segunda intriga-o pelo desprendimento – não é minimamente possessiva ou controladora – e, simultaneamente, pela capacidade de entrega e confiança que deposita em alguém de quem não tem quaisquer referências, como é o caso de Pedrell.E também pela capacidade que demonstra em acreditar num ideal que lhe permita – a ela e à família – resgatá-la da miséria.
Charo e Jessica são tratadas com a condescendência desdenhosa que um intelectual algo chauvinista dedica às mulheres em geral, que vê como belas e ocas.
Em Charo, Carballo vê-se a braços com a luta diária contra a excessiva possessividade e tendência para o melodrama da prostituta não assumida.
Em Jessica, rica e mimada filha de Pedrell, Carballo observa, por vezes com algum aborrecimento, a falta de orientação e a puerilidade da jovem que, sem ser desprovida de inteligência, não consegue encontrar um rumo para direccionar a própria vida. Ou a manobrar o barco que a leve rumo aos Mares do Sul. Ao paraíso idealizado pelo pai, pelo qual sente uma adoração em tudo semelhante à de Electra por Agamémnon.
A linguagem escatológica e o uso frequente do vernáculo, acentuam o cinismo aparente de Carballo. Esta característica de estilo é típica de Montalbán, encontrando-se patente em obras posteriores, embora não de forma tão vincada como, por exemplo, no romance histórico Ou César ou nada, onde entram personagens como a família Bórgia ou a rainha Joana, a Louca, filha dos Reis Católicos.
Mas nesta série policial protagonizada pelo detective catalão, premiada com o Prémio Planeta 1979, Montalbán serve-se da sua verve de características viperinas como arma de ataque, face ao entronizar do capitalismo desenfreado e da sociedade consumista, ao transformar um romance policial em romance de intervenção.
Cláudia de Sousa Dias
16 Comments:
BOM NATAL!!!
(:
que bom ter passado por aqui e bebido esta escrita...
O brigada e um grande beijinho natalício aos dois...
Tenho pena que não tenham podido ontem vir a Famalicão ao Cineliterário!
O debate foi animadíssimo, classificaram de herético o filme "O Milegre segundo Salomé"!!!
Bjo
CSD
NAS
CER
de sangue ar musgo vento e água
:)beijO
Terra
Ar
Água
e
Fogo...
Bjo
CSD
Votos (atrasados) de Boas Festas e de um 2008 fantástico!
Abraço
P.
Obrigada Baudolino! Espero que tenhas tido um Natal de arromba!
Bjo grande
CSD
Eu acho que tenho a colecção da Visão completa... logo, devo ter esse livro.
Ando tão atrasado que acho que não vou ter tempo de ler todos os livros que tenho em casa...
Beijinhos.
Beijinhos, Nilson.
Desculpa não responder como deve ser,mas estou em transe.
Acabei de ler a notícia da morte de Benazir Buhto, a líder da oposição paquistanesa e Prémio Nobel da paz, uma mulher que eu admirava e ainda não estou em mim...
Tenho de digerir a informação primeiro.
bjo
CSD
Lê-lo-ei!
Clísteres?
Doi.
Bjs
Ana
eheheh!
isso já não sei...
;-)
CSD
Excelente recomendação. Obrigado, Cláudia, também pelas palavras deixada no 'Como morfina'
Por nada, Cljp!
Eu gostei muito do teu texto!
Beijinho
CSD
Olá Cláudia,
Grato pela tua visita ao 'cantinho dos pequeninos' lá no meu sítio.
Já li esta tua 'visão' e, se um dia destes o livro passar à frente dos meus olhos, não o vou deixar escapar. :)
Espero que tenhas tido um Feliz Natal e desejo-te um Bom Ano 2008.
Beijinho
Bom Ano 2008 !!!
Hoje lembrei-me de ti ...
entrei na " Moderna " e pensei ...
onde estará a Cláudia ? Será que está aqui ? Será ...
Um dia terei que pedir à Alcina que me ajude a encontrar-te :))
Bj* (grata pela boa companhia e pelas excelentes viagens literárias que aqui sugeres !!!)
Hoje?!
31?
Passei lá!!!
Só não fiquei porque não tinha mesa!!!
Então cruzámo-nos e não nos reconhecemos!
:-)
OLha se não nos encontrarmos uma boa entrada no novo ano para Ti e não te esqueças de provar os mexidos da Moderna!
Estão divinais!
Melhores só mesmo os da minha tia Fernanda!
Beijinho grande.
CSD
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