“Quase todas as Mulheres” de J.J. Armas Marcelo (Dom Quixote)
Detentor de uma vastíssima cultura literária, clássica e contemporânea, J.J. Armas Marcelo conta já com um extenso curriculum de publicações literárias, desde 1974, com El Camaleón sobre la Alfombra, que ganhou o Prémio Galdós, até Quase todas as Mulheres romance que arrebatou o Prémio Ciudad de Torrevieja, 2006. Da extensa lista de obras publicadas fazem parte, ainda, Estado de Coma y Callina (1978), Las Naves Quemadas (1982), El àrbol del Bien y del Mal (1985), Los Dioses de si mismos (1989), Madrid, Distrito Federal (1994), Cuándo éramos mejores (1997), Así en la Habana como en el Cielo (1998), El Niño de Luto y el Cocinero del Papa (2001), El Orden del Tigre (2003), assim como ensaios e biografias. Foi ainda, director do programa Los Libros, na TVE, durante quatro anos.
Quase todas as Mulheres é um romance híbrido que se desenrola a duas velocidades onde, dentro da narrativa principal, que é composta pelas estórias, devaneios e aventuras amorosas de um Casanova madrileno do século vinte, Nestor Rejón – um prestigiado ourives que se serve das qualidades eróticas das suas amantes para obter a inspiração de forma a executar belas esculturas em ouro e peças de joalharia fina –, se desenvolve a investigação levada a cabo pela namorada deste acerca da vida de Giuseppe Tommasi di Lampedusa, autor de O Leopardo.
Sobre a obra e o personagem central, Autor sintetiza a temática principal em poucas palavras:
“Nestor Rejón descobre desde criança a beleza e os tesouros inabarcáveis que se escondem no corpo e na alma das mulheres. Com os anos, graças às suas esculturas em ouro, converte-se num ourives de renome internacional e, da sua tranquilidade madura, recorda todo um passado, como pesquisador de “ouro”, um metal precioso e misterioso como as mulheres que amou.”
No tempo presente da narrativa o protagonista vive um romance que parece ser a síntese das memórias eróticas de todas as estórias do passado, com a jovem anglo siciliana Sarah d’Allara.
À medida que ambos percorrem os lugares de uma tórrida beleza agreste em plena canícula siciliana fazendo lembrar algumas descrições de Fabrizio Salina no célebre romance de Lampedusa e alguns planos do filme homónimo de Visconti, pela mão de Sarah, que o conduz através dos meandros de uma investigação de contornos quase obsessivos da vida de Tommasi di Lampedusa e de O Leopardo. No entanto, nem tudo é perfeito: o ourives assiste, desconfiado e mordido pelo ciúme, ao assédio de Tony Limpito, o ex-namorado de Sarah que a persegue com o intuito de a reconquistar.
Uma das dimensões exaustivamente exploradas é a estória da cronologia erótica de Rejón, o qual, para além de exercer o ofício de ourives, trabalha como um verdadeiro mineiro no que diz respeito à pesquisa da alma feminina dentro da livre expressão individual do erotismo feminino. Esse é o “ouro” - que aqui simboliza, a felicidade, o estado de bem-aventurança ou, simplesmente, o prazer da luxúria - que tenta encontrar nas mulheres que se relaciona, sendo por quase todas as mulheres correspondido de uma forma ou de outra.
Rejón é, em todos os aspectos da vida, não só um esteta, mas um sibarita, amante do luxo, que aprecia e valoriza o belo em todos os aspectos da vida e que gosta de fruir o prazer na sua forma mais requintada -, algo que se reflecte na qualidade dos objectos com que gosta de se fazer rodear, sobretudo na decoração da casa denominada de La Cuppula, em Taormina terra que cativa pelo clima, pela paisagem soberba e pela gastronomia. Este refúgio de luxo é trata-se de um verdadeiro paraíso da arte, uma espécie de gruta de Ali-Bábá.
“O artista do ouro” analisa e recorda, durante as horas de ócio, as relações que teve com as várias mulheres ao longo da vida ao longo da qual se foi dissipando a própria juventiude. No entanto executa essa mesma análise apenas do ponto de vista masculino, identificando as falhas e imperfeições apenas nas mulheres que nunca identifica totalmente com o seu ideal, exceptuando a última, Sarah d’Allara. O autor foca sobretudo o aspecto erótico e as afinidades – ou a falta delas – nas relações. Contudo existe sempre um distanciamento, patente na forma como cita repetidamente o nome completo de cada uma delas, como se só ouso do primeiro nome trouxesse uma proximidade excessiva, constituindo um peso demasiado grande na própria vida e nas emoções associadas à memória de cada uma delas, salvo em duas excepções: Eladia, a mulher que o inicia nas lides eróticas e Berta, a mãe das duas filhas.
A estória de Eladia reveste-se de um teor particularmente picante, de sabor proibido, envolvendo o pré-adolescente Nestor, que ainda nem sonhava em ser ourives, e a jovem empregada doméstica, fazendo lembrar Gonzalo Torrente Ballester e o início do romance “Filomeno, para meu pesar”. A lembrança da experiência com Eladia é como que um relâmpago um choque eléctrico que irá inspirar e despoletar os seus dotes artísticos que canaliza para o trabalho em ourivesaria. As sua primeira escultura em ouro é um sexo feminino, que lhe garante sucesso absoluto na sua primeira vernissage. Eladia é única que é tratada de forma mais intimista e, também, a única que Nestor deseja manter anónima pela omissão do sobrenome.
Berta Solán, a mulher com quem vem a casar, nunca lhe inspirou uma paixão arrebatadora mas é o relacionamento que consegue perdurar no tempo, uma mulher à qual permanece ligado, directa ou indirectamente devido às filhas que têm em comum.
A jovem Sarah d’Allara, o amor da idade madura é, simultaneamente, a imagem de Angélica do filme O Leopardo de Visconti ou seja, a projecção de um ideal de beleza rosto da mulher siciliana.
Sarah d’Allara é a investigadora da vida de Lampedusa cujo resultado Rejón relata nas suas memórias, percorrendo com a jovem o recantos da ilha por onde aquele passeava a sua solidão contemplativa e, inclusive, a pastelaria onde diariamente se sentava a escrever e a comer bolos.
É pelos olhos de d’Allara que Rejón fica a conhecer, integrando nas suas memórias, os maneirismos perfeccionistas, a tristeza crónica, os gostos pessoais, a extraordinária capacidade de observação e perspicácia em constatar e analisar a mentalidade de uma sociedade que, apesar do avanço dos séculos, nunca sai do marasmo, do imobilismo. O Autor consegue captar, de forma exaustiva e cheia de detalhes, a personalidade introvertida do escritor siciliano, ao servir-se do discurso inflamado da personagem Sarah como canal e do olhar analítico do esteta que é o protagonista, Rejón para transmitir ao leitor a deliciosa crónica de uma viagem de sonho cujo pretexto é o de conhecer in loco os lugares de perambulação diária de um dos melhores autores da língua italiana de sempre.
J.J. Armas Marcelo tinha afirmado numa entrevista concedida em 2007 na Póvoa de Varzim, durante o encontro internacional de escritores de expressão ibérica, Correntes d’Escritas, tendo sido este livro fruto de uma vontade de tecer uma merecida homenagem a um escritor como Lampedusa.
A tragédia do desamor e solidão do escrito a par de um imenso amor à escrita e à literatura cujo contributo e valor só foi reconhecido postumamente, sobretudo pelos sicilianos.
Cláudia Sousa Dias
Quase todas as Mulheres é um romance híbrido que se desenrola a duas velocidades onde, dentro da narrativa principal, que é composta pelas estórias, devaneios e aventuras amorosas de um Casanova madrileno do século vinte, Nestor Rejón – um prestigiado ourives que se serve das qualidades eróticas das suas amantes para obter a inspiração de forma a executar belas esculturas em ouro e peças de joalharia fina –, se desenvolve a investigação levada a cabo pela namorada deste acerca da vida de Giuseppe Tommasi di Lampedusa, autor de O Leopardo.
Sobre a obra e o personagem central, Autor sintetiza a temática principal em poucas palavras:
“Nestor Rejón descobre desde criança a beleza e os tesouros inabarcáveis que se escondem no corpo e na alma das mulheres. Com os anos, graças às suas esculturas em ouro, converte-se num ourives de renome internacional e, da sua tranquilidade madura, recorda todo um passado, como pesquisador de “ouro”, um metal precioso e misterioso como as mulheres que amou.”
No tempo presente da narrativa o protagonista vive um romance que parece ser a síntese das memórias eróticas de todas as estórias do passado, com a jovem anglo siciliana Sarah d’Allara.
À medida que ambos percorrem os lugares de uma tórrida beleza agreste em plena canícula siciliana fazendo lembrar algumas descrições de Fabrizio Salina no célebre romance de Lampedusa e alguns planos do filme homónimo de Visconti, pela mão de Sarah, que o conduz através dos meandros de uma investigação de contornos quase obsessivos da vida de Tommasi di Lampedusa e de O Leopardo. No entanto, nem tudo é perfeito: o ourives assiste, desconfiado e mordido pelo ciúme, ao assédio de Tony Limpito, o ex-namorado de Sarah que a persegue com o intuito de a reconquistar.
Uma das dimensões exaustivamente exploradas é a estória da cronologia erótica de Rejón, o qual, para além de exercer o ofício de ourives, trabalha como um verdadeiro mineiro no que diz respeito à pesquisa da alma feminina dentro da livre expressão individual do erotismo feminino. Esse é o “ouro” - que aqui simboliza, a felicidade, o estado de bem-aventurança ou, simplesmente, o prazer da luxúria - que tenta encontrar nas mulheres que se relaciona, sendo por quase todas as mulheres correspondido de uma forma ou de outra.
Rejón é, em todos os aspectos da vida, não só um esteta, mas um sibarita, amante do luxo, que aprecia e valoriza o belo em todos os aspectos da vida e que gosta de fruir o prazer na sua forma mais requintada -, algo que se reflecte na qualidade dos objectos com que gosta de se fazer rodear, sobretudo na decoração da casa denominada de La Cuppula, em Taormina terra que cativa pelo clima, pela paisagem soberba e pela gastronomia. Este refúgio de luxo é trata-se de um verdadeiro paraíso da arte, uma espécie de gruta de Ali-Bábá.
“O artista do ouro” analisa e recorda, durante as horas de ócio, as relações que teve com as várias mulheres ao longo da vida ao longo da qual se foi dissipando a própria juventiude. No entanto executa essa mesma análise apenas do ponto de vista masculino, identificando as falhas e imperfeições apenas nas mulheres que nunca identifica totalmente com o seu ideal, exceptuando a última, Sarah d’Allara. O autor foca sobretudo o aspecto erótico e as afinidades – ou a falta delas – nas relações. Contudo existe sempre um distanciamento, patente na forma como cita repetidamente o nome completo de cada uma delas, como se só ouso do primeiro nome trouxesse uma proximidade excessiva, constituindo um peso demasiado grande na própria vida e nas emoções associadas à memória de cada uma delas, salvo em duas excepções: Eladia, a mulher que o inicia nas lides eróticas e Berta, a mãe das duas filhas.
A estória de Eladia reveste-se de um teor particularmente picante, de sabor proibido, envolvendo o pré-adolescente Nestor, que ainda nem sonhava em ser ourives, e a jovem empregada doméstica, fazendo lembrar Gonzalo Torrente Ballester e o início do romance “Filomeno, para meu pesar”. A lembrança da experiência com Eladia é como que um relâmpago um choque eléctrico que irá inspirar e despoletar os seus dotes artísticos que canaliza para o trabalho em ourivesaria. As sua primeira escultura em ouro é um sexo feminino, que lhe garante sucesso absoluto na sua primeira vernissage. Eladia é única que é tratada de forma mais intimista e, também, a única que Nestor deseja manter anónima pela omissão do sobrenome.
Berta Solán, a mulher com quem vem a casar, nunca lhe inspirou uma paixão arrebatadora mas é o relacionamento que consegue perdurar no tempo, uma mulher à qual permanece ligado, directa ou indirectamente devido às filhas que têm em comum.
A jovem Sarah d’Allara, o amor da idade madura é, simultaneamente, a imagem de Angélica do filme O Leopardo de Visconti ou seja, a projecção de um ideal de beleza rosto da mulher siciliana.
Sarah d’Allara é a investigadora da vida de Lampedusa cujo resultado Rejón relata nas suas memórias, percorrendo com a jovem o recantos da ilha por onde aquele passeava a sua solidão contemplativa e, inclusive, a pastelaria onde diariamente se sentava a escrever e a comer bolos.
É pelos olhos de d’Allara que Rejón fica a conhecer, integrando nas suas memórias, os maneirismos perfeccionistas, a tristeza crónica, os gostos pessoais, a extraordinária capacidade de observação e perspicácia em constatar e analisar a mentalidade de uma sociedade que, apesar do avanço dos séculos, nunca sai do marasmo, do imobilismo. O Autor consegue captar, de forma exaustiva e cheia de detalhes, a personalidade introvertida do escritor siciliano, ao servir-se do discurso inflamado da personagem Sarah como canal e do olhar analítico do esteta que é o protagonista, Rejón para transmitir ao leitor a deliciosa crónica de uma viagem de sonho cujo pretexto é o de conhecer in loco os lugares de perambulação diária de um dos melhores autores da língua italiana de sempre.
J.J. Armas Marcelo tinha afirmado numa entrevista concedida em 2007 na Póvoa de Varzim, durante o encontro internacional de escritores de expressão ibérica, Correntes d’Escritas, tendo sido este livro fruto de uma vontade de tecer uma merecida homenagem a um escritor como Lampedusa.
A tragédia do desamor e solidão do escrito a par de um imenso amor à escrita e à literatura cujo contributo e valor só foi reconhecido postumamente, sobretudo pelos sicilianos.
Cláudia Sousa Dias
8 Comments:
obrigada, susana.
está um belíssimo blogue o teu também.
Um hino à beleza das mulheres?
A história de um homem que entendia a verdadeira beleza da mulher?
beijinhos e bom domingo
olá Maria...é sobretudo um hino à beleza das mulheres.
não sei se ele entendia a verdadeira beleza da mulher, até porque não me parece que ele tenha sequer atingido a alma de Sarah, ele entendia as mulheres sim mas ao nível do erotismos e das necesidades destas ao mais variados níveis mas para conseguir ascender à dimensão erótica de cada uma delas...houve uma que talvez...aquela que nunca chegou a possuir, a que o inspirou a fazer uma concha ou uma estrela do mar em ouro como recordação da sua beleza aquática, de sereia...
csd
:) nem precisa menina do sorriso a norte....:) a correr por entre as árvores as letras e a lua...
ter-te já é bastante...:)
beijo. a agradecer o prémio...que só agora vi...e que pus no piano....
beijoooooooooooooooooo!!!!
pintas-me como a uma dríade, Y...
beijos grande
csd
bem...lá vou eu ter de me armar em Lampedusa...
(quem me dera...)
obrigada...!
beijinhos
csd
"À medida que ambos percorrem os lugares de uma tórrida beleza agreste em plena canícula siciliana fazendo lembrar algumas descrições de Fabrizio Salina no célebre romance de Lampedusa e alguns planos do filme homónimo de Visconti, pela mão de Sarah, que o conduz através dos meandros de uma investigação de contornos quase obsessivos da vida de Tommasi di Lampedusa e de O Leopardo."
________________
Arrebatador este "Quase todas as mulheres" que aqui nos revelas ! Luminosa CSD
____________um beijo luminescente
iv*
Obrigada IV...só não sei se eu própria emano toda essa luz...
muito gostaria...
:-)))
csd
Post a Comment
<< Home