“Closer” de Patrick Marber (Relógio d’Água)
A segunda peça de teatro deste dramaturgo britânico pretende ser uma esquematização da teia de relações que se estabelecem entre os elementos de um quarteto amoroso. O objectivo principal da obra é efectuar uma caracterização psicológica das personagens, a mais completa possível, sem cair nos tradicionais estereótipos ou julgamentos morais, baseados em códigos de conduta obsoletos, envolvendo dois casais que habitam a grande metrópole da Europa do final do século XX – meados da década de 1990 –, Londres.
As diferenças entre estas quatro personagens são subtis, mas cuidadosamente explicadas na didascália, em linhas muito sucintas embora inequívocas, para que o espectador possa avaliar por si mesmo as atitudes de cada um. Também o guarda-roupa, tal como os cenários, são minimalistas de forma a retratar os gostos estéticos da época e, simultaneamente, a personalidade de cada um deles.
Patrick Marber torna-se, por isso, exímio em mostrar atitudes sem recorrer a criticismos manipuladores. Talvez seja por essa razão que Closer, quer em formato de obra literária, cinematográfica ou cénica, cause, inevitavelmente, um fortíssimo impacto no público, ao tocar em temas tão efervescentes como a fidelidade ou infidelidade nas relações amorosas, a mono ou poligamia, os jogos psicológicos onde a mentira veste a máscara da verdade e vice-versa, o medo da exposição da identidade na internet, o cyber-erotismo, a inveja e a vingança. Todo um caldeirão onde são cozinhados os mais potentes venenos emocionais aos quais ninguém consegue ficar indiferente. Muitos leitores ou espectadores não conseguirão evitar tecer julgamentos morais, juízos de valor ou, no mínimo, reacções passionais, sobretudo ao verem o filme ou assistirem à peça de teatro. Outros, sentirão o incómodo de se verem espelhados no palco, na tela, nas páginas do livro.
As duas personagens masculinas, Dan e Larry, estão simultaneamente próximas e longínquas uma da outra. O primeiro é um jornalista de obituários, cuja maior ambição é ser escritor, mas não encontrou ainda a inspiração que lhe permita escrever um best-seller. A perda da mãe parece tê-lo deixado desorientado, relativamente à forma como se relaciona com o sexo feminino. Larry, por seu lado, é médico, possuindo uma excelente carteira de clientes. É originário de uma zona suburbana da cidade e extremamente seguro de si. Ambos se relacionam de uma forma bastante possessiva com as mulheres. Dan é-o em relação a Alice e, posteriormente, em relação a Anna; e Larry é-o, sem dúvida, em relação a Anna, também. Mas além de possessivo, torna-se manipulador.
Dan é um jovem que procura a paixão, o prazer da aventura mas sem reflectir muito sobre o amor – o que não significa que não seja capaz de o sentir - revelando, também, uma grande dificuldade em manter um compromisso.
Demonstra, em relação a Alice, uma sentimento de protecção que reside na compaixão pela fragilidade da jovem – algo já demonstrado por Milan Kundera em A Insustentável Leveza do Ser. No entanto a relação tende a desgastar-se devido à imaturidade da jovem - Dan comenta, a certa altura, sentir-se um pouco cansado de ser sempre o “pai” de Alice. Já Anna, consegue fasciná-lo por ser uma mulher madura e independente. Dan parece ver nela o protótipo de mulher realizada, inserida profissionalmente no mundo da arte. Talvez um pouco narcisista, projecta as suas próprias ambições em Anna, vendo-a como um reflexo daquilo que ele próprio gostaria de ser.
Quanto a Larry, além da faceta possessiva que exibe em vários momentos na obra é, também, um homem atencioso e envolvente que demonstra, contudo, um certo gosto pela vulgaridade, quando se trata de erotismo. É, nesse aspecto, bastante mais primitivo do que Dan (ver diálogo na Internet ou a cena no bar de alterne), perdendo, por isso, terreno para este, quando se trata de conquistar o sexo feminino. É um homem para quem o amor é um combate onde não existem regras e não fesite em recorrer, se necessário hesitação, à chantagem e à mentira.
Já Alice é uma jovem de passado nebuloso. Tendo perdido os pais muito cedo, foi obrigada a recorrer a complicados esquemas de sobrevivência, para conseguir viver na Grande Metrópole. Trata-se de uma jovem 100% urbana, meio em que se movimenta como um peixe na água. Alice vive “no fio da navalha”, é aquilo a que se pode chamar de uma jovem “em risco” ou, pelo menos, “em situação vulnerável”, tendo tido, possivelmente, contacto com as máfias nova-iorquinas, ligadas ao submundo dos bares de striptease e alterne. É uma jovem “desconcertante” ou “disarming”, no original, que segundo o próprio Dan gosta de surpreender e, por vezes, de chocar. É, também, espontânea e impulsiva, dona do seu próprio nariz, embora reservando, em consequência do seu lado frágil, uma parte do seu eu para si. Há, em Alice, algo que permanece sempre secreto, na sombra, com um certo mistério à volta do seu passado. Alice tem uma enorme necessidade de conservar uma bocado sede independência, que se manifesta quando, por exemplo, exprime o direito e a vontade férrea de acabar uma relação sempre que esta deixa de ser funcional. É carente o que faz com que projecte a própria vulnerabilidade no lado frágil de Dan. No entanto, não gosta de ser constantemente posta à prova. Necessita que confiem nela.
Por outro lado, Alice dá mostras de ser extremamente inteligente ou, pelo menos, detentora de uma perspicácia fora do vulgar, ao comentar, por exemplo, a exposição de Anna, quando exibe um talento especial para identificar as pequenas traições de Dan, através de subtilíssimas mudanças na expressão facial do namorado. Alice tem, ainda, uma faceta reveladora de uma certa inadaptação social: não tem qualificações nem profissão definida e nem suporte familiar que lhe sirva de protecção em tempo de crise (algo que não acontece com Larry e Anna, que podem sempre procurar apoio emocional na família – pai, tios, primos…).
Anna é, como já foi referido, uma mulher profissionalmente realizada, dividida entre a paixão por Dan e a atenção de Larry. Esta indecisão reside no facto de, apesar de Dan se mostrar melhor amante, manifestar alguma instabilidade emocional, o que o torna inconstante. Por outro lado, Larry transmite-lhe maior segurança, ao fazê-la sentir que não a trocará facilmente por outra mulher. Anna é uma mulher de valores tradicionais, educada no seio de uma família católica na província, o que explica, em grande parte, o ter optado por alguém que, aparentemente, parece ser detentor de maior capacidade para conservar uma relação a longo prazo.
Aquilo que o autor desta obra nos pretende transmitir é que, nos dias de hoje, a paixão tem um peso muito maior, nas decisões de cada um, do que relativamente há algumas décadas atrás, dada a velocidade a que as mudanças se sucedem actualmente. Circunstância que se deve a vários factores tais como: o ritmo de trabalho, a flexibilidade na legislação, a perda da influência da Igreja e dos costumes tradicionais em relação à questão do divórcio. O que implica que nos dias que correm, o sacrifício dos desejos em nome de uma relação estável mas estéril, faça muito pouco sentido…
A tensão sentida entre os elementos deste quadrado amoroso torna-se de tal forma insustentável que Anna – mulher que, em virtude da sua educação desenvolve um carácter compassivo, que se traduz no desejo de agradar a toda a gente – vê-se compelida a sacrificar os próprios desejos, ao boicotar a própria felicidade em vários momentos da acção. No entanto, a dada altura, torna-se impossível magoar todos aqueles que estão envolvidos, o que invalida todos os esforços anteriores da fotógrafa. A nível afectivo, a situação não pode ser pior para Anna, a qual tenta, até mesmo na escolha da profissão, fazer algo susceptível de conquistar a admiração e o respeito social, sobretudo daqueles a quem ama. Anna necessita de se sentir apreciada. Ao contrário de Alice que se está, pura e simplesmente”nas tintas” para aquilo que possam os outros – embora não as pessoas próximas – pensar dela.
Closer ou Quase, é uma tradução quase exacta feita pela Relógio d’Água, relativamente ao significado do título original. Trata-se de uma estória que mostra como os protagonistas, Dan e Anna, estiveram perto da felicidade, quase a agarrá-la e que, entretanto, através da manipulação de outras figuras próximas, se lhes escapou por entre os dedos. Como afirmou Valter Hugo Mãe a respeito do filme, “somos como que levados a simpatizar com o casal protagonista e a desejar que fiquem juntos”. Uma expectativa que, no final, acaba por se desvanecer.
Um delirante e fascinante jogo de emoções, recheado de diálogos viscerais, que se tornam verdadeiros exorcismos de toda a espécie de tabus que possam, ainda, existir nos binómios amor/sexo ou verdade/mentira…
Cláudia de Sousa Dias
As diferenças entre estas quatro personagens são subtis, mas cuidadosamente explicadas na didascália, em linhas muito sucintas embora inequívocas, para que o espectador possa avaliar por si mesmo as atitudes de cada um. Também o guarda-roupa, tal como os cenários, são minimalistas de forma a retratar os gostos estéticos da época e, simultaneamente, a personalidade de cada um deles.
Patrick Marber torna-se, por isso, exímio em mostrar atitudes sem recorrer a criticismos manipuladores. Talvez seja por essa razão que Closer, quer em formato de obra literária, cinematográfica ou cénica, cause, inevitavelmente, um fortíssimo impacto no público, ao tocar em temas tão efervescentes como a fidelidade ou infidelidade nas relações amorosas, a mono ou poligamia, os jogos psicológicos onde a mentira veste a máscara da verdade e vice-versa, o medo da exposição da identidade na internet, o cyber-erotismo, a inveja e a vingança. Todo um caldeirão onde são cozinhados os mais potentes venenos emocionais aos quais ninguém consegue ficar indiferente. Muitos leitores ou espectadores não conseguirão evitar tecer julgamentos morais, juízos de valor ou, no mínimo, reacções passionais, sobretudo ao verem o filme ou assistirem à peça de teatro. Outros, sentirão o incómodo de se verem espelhados no palco, na tela, nas páginas do livro.
As duas personagens masculinas, Dan e Larry, estão simultaneamente próximas e longínquas uma da outra. O primeiro é um jornalista de obituários, cuja maior ambição é ser escritor, mas não encontrou ainda a inspiração que lhe permita escrever um best-seller. A perda da mãe parece tê-lo deixado desorientado, relativamente à forma como se relaciona com o sexo feminino. Larry, por seu lado, é médico, possuindo uma excelente carteira de clientes. É originário de uma zona suburbana da cidade e extremamente seguro de si. Ambos se relacionam de uma forma bastante possessiva com as mulheres. Dan é-o em relação a Alice e, posteriormente, em relação a Anna; e Larry é-o, sem dúvida, em relação a Anna, também. Mas além de possessivo, torna-se manipulador.
Dan é um jovem que procura a paixão, o prazer da aventura mas sem reflectir muito sobre o amor – o que não significa que não seja capaz de o sentir - revelando, também, uma grande dificuldade em manter um compromisso.
Demonstra, em relação a Alice, uma sentimento de protecção que reside na compaixão pela fragilidade da jovem – algo já demonstrado por Milan Kundera em A Insustentável Leveza do Ser. No entanto a relação tende a desgastar-se devido à imaturidade da jovem - Dan comenta, a certa altura, sentir-se um pouco cansado de ser sempre o “pai” de Alice. Já Anna, consegue fasciná-lo por ser uma mulher madura e independente. Dan parece ver nela o protótipo de mulher realizada, inserida profissionalmente no mundo da arte. Talvez um pouco narcisista, projecta as suas próprias ambições em Anna, vendo-a como um reflexo daquilo que ele próprio gostaria de ser.
Quanto a Larry, além da faceta possessiva que exibe em vários momentos na obra é, também, um homem atencioso e envolvente que demonstra, contudo, um certo gosto pela vulgaridade, quando se trata de erotismo. É, nesse aspecto, bastante mais primitivo do que Dan (ver diálogo na Internet ou a cena no bar de alterne), perdendo, por isso, terreno para este, quando se trata de conquistar o sexo feminino. É um homem para quem o amor é um combate onde não existem regras e não fesite em recorrer, se necessário hesitação, à chantagem e à mentira.
Já Alice é uma jovem de passado nebuloso. Tendo perdido os pais muito cedo, foi obrigada a recorrer a complicados esquemas de sobrevivência, para conseguir viver na Grande Metrópole. Trata-se de uma jovem 100% urbana, meio em que se movimenta como um peixe na água. Alice vive “no fio da navalha”, é aquilo a que se pode chamar de uma jovem “em risco” ou, pelo menos, “em situação vulnerável”, tendo tido, possivelmente, contacto com as máfias nova-iorquinas, ligadas ao submundo dos bares de striptease e alterne. É uma jovem “desconcertante” ou “disarming”, no original, que segundo o próprio Dan gosta de surpreender e, por vezes, de chocar. É, também, espontânea e impulsiva, dona do seu próprio nariz, embora reservando, em consequência do seu lado frágil, uma parte do seu eu para si. Há, em Alice, algo que permanece sempre secreto, na sombra, com um certo mistério à volta do seu passado. Alice tem uma enorme necessidade de conservar uma bocado sede independência, que se manifesta quando, por exemplo, exprime o direito e a vontade férrea de acabar uma relação sempre que esta deixa de ser funcional. É carente o que faz com que projecte a própria vulnerabilidade no lado frágil de Dan. No entanto, não gosta de ser constantemente posta à prova. Necessita que confiem nela.
Por outro lado, Alice dá mostras de ser extremamente inteligente ou, pelo menos, detentora de uma perspicácia fora do vulgar, ao comentar, por exemplo, a exposição de Anna, quando exibe um talento especial para identificar as pequenas traições de Dan, através de subtilíssimas mudanças na expressão facial do namorado. Alice tem, ainda, uma faceta reveladora de uma certa inadaptação social: não tem qualificações nem profissão definida e nem suporte familiar que lhe sirva de protecção em tempo de crise (algo que não acontece com Larry e Anna, que podem sempre procurar apoio emocional na família – pai, tios, primos…).
Anna é, como já foi referido, uma mulher profissionalmente realizada, dividida entre a paixão por Dan e a atenção de Larry. Esta indecisão reside no facto de, apesar de Dan se mostrar melhor amante, manifestar alguma instabilidade emocional, o que o torna inconstante. Por outro lado, Larry transmite-lhe maior segurança, ao fazê-la sentir que não a trocará facilmente por outra mulher. Anna é uma mulher de valores tradicionais, educada no seio de uma família católica na província, o que explica, em grande parte, o ter optado por alguém que, aparentemente, parece ser detentor de maior capacidade para conservar uma relação a longo prazo.
Aquilo que o autor desta obra nos pretende transmitir é que, nos dias de hoje, a paixão tem um peso muito maior, nas decisões de cada um, do que relativamente há algumas décadas atrás, dada a velocidade a que as mudanças se sucedem actualmente. Circunstância que se deve a vários factores tais como: o ritmo de trabalho, a flexibilidade na legislação, a perda da influência da Igreja e dos costumes tradicionais em relação à questão do divórcio. O que implica que nos dias que correm, o sacrifício dos desejos em nome de uma relação estável mas estéril, faça muito pouco sentido…
A tensão sentida entre os elementos deste quadrado amoroso torna-se de tal forma insustentável que Anna – mulher que, em virtude da sua educação desenvolve um carácter compassivo, que se traduz no desejo de agradar a toda a gente – vê-se compelida a sacrificar os próprios desejos, ao boicotar a própria felicidade em vários momentos da acção. No entanto, a dada altura, torna-se impossível magoar todos aqueles que estão envolvidos, o que invalida todos os esforços anteriores da fotógrafa. A nível afectivo, a situação não pode ser pior para Anna, a qual tenta, até mesmo na escolha da profissão, fazer algo susceptível de conquistar a admiração e o respeito social, sobretudo daqueles a quem ama. Anna necessita de se sentir apreciada. Ao contrário de Alice que se está, pura e simplesmente”nas tintas” para aquilo que possam os outros – embora não as pessoas próximas – pensar dela.
Closer ou Quase, é uma tradução quase exacta feita pela Relógio d’Água, relativamente ao significado do título original. Trata-se de uma estória que mostra como os protagonistas, Dan e Anna, estiveram perto da felicidade, quase a agarrá-la e que, entretanto, através da manipulação de outras figuras próximas, se lhes escapou por entre os dedos. Como afirmou Valter Hugo Mãe a respeito do filme, “somos como que levados a simpatizar com o casal protagonista e a desejar que fiquem juntos”. Uma expectativa que, no final, acaba por se desvanecer.
Um delirante e fascinante jogo de emoções, recheado de diálogos viscerais, que se tornam verdadeiros exorcismos de toda a espécie de tabus que possam, ainda, existir nos binómios amor/sexo ou verdade/mentira…
Cláudia de Sousa Dias
12 Comments:
Gostei tanto tudo íssimo!
Não li o livro mas vi o filme.
E pelo que li, ou melhor - por estes minutos de um especial privilégio - veio-me à memória tanto daquilo que me ficou cá dentro! é um excelente filme! E, agora, ficamos com uma excelente análise!
bjo enorme, na maça do rosto, aqui do lado :)
só mesmo tu...
Fast and Furious.
Dialogues.
:)
Uma teia fantástica de personagens!
Há novidades lá pela Agência, cara Cláudia. Sei que o seu tempo não estica mas...aguardo a sua visita.
Um grande abraço
Espantas-me (ainda)!
E abres-me o apetite, mesmo que o tempo me pareça tão curto para tudo.
Ainda: Boa Páscoa, minha querida, com um beijo enorme.
nem mais nem menos Rui!
csd
estou curiosa Toutinegra!
mesmo.
csd
este lê-se de rajada, querida Diva!
Boa páscoa para ti tb e para os teus!
CSd
Não li mas a densidade das personagens parece ser fantástica. Bjs e Boa Páscoa.
P.
Passei para dar um beijinho e, claro, para me maravilhar com a tua escrita :))))
TSC
oi, Claudia. Eu vi o filme Closer, trabalho com teatro e sou louco pra ler o texto da peça. Você tem original? Teria como digitalizar, algo assim?
Se tiver vou agradecer muito.
Não consigo digitalizar a partir do computador pessoal...mas pode ser que consiga encomendar o livro com a editora a Relógio d'Água, via net e sendo-lhe entregue pelo correio...!
csd
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