“Rapariga com Brinco de Pérola” de Tracy Chevalier (Quetzal)
O primeiro romance de Tracy Chevalier, publicado em Portugal, é inspirado no mistério que rodeia o quadro do célebre pintor holandês, Jan Vermeer ou Johannes Vermeer. A riqueza da escrita desta jovem Autora britânica, é dotada de um poder de sedução que a torna irresistível pela profusão de detalhes visuais, cujo sortilégio surpreende o leitor que é apanhado num vórtice de sensações auditivo-visuais, visuais-cinestésicas e visuais-tácteis, tornando impossível abandonar a leitura antes do fim da última página.
Apesar de a intriga ser de uma simplicidade chocante - o patrão que se apaixona pela jovem criada – as circunstâncias especiais que envolvem um clássico triângulo amoroso, onde a serviçal se torna uma trabalhadora especializada e altamente qualificada – ajudante do pintor – e que por ele se apaixona. A Autora vai construindo um vínculo entre ambos o que acaba por colocá-la numa posição superior à da esposa. O facto, aparentemente banal, transforma-se num acontecimento com grandes repercussões sociais.
O Mistério em volta da figura de um dos mais emblemáticos pintores da escola flamenga
Johannes Vermeer nasceu em Delft, a 31 de Outubro de 1632 e faleceu, também em Delft, a 15 de Dezembro de 1675).É também conhecido como Vermeer de Delft ou Johannes van der Meer.
Vermeer viveu toda a sua vida na sua terra natal, onde está sepultado na Igreja Velha (Oude Kerk), Delft.
É o segundo pintor holandês mais famoso do século XVII (um período que é conhecido por Idade de Ouro Holandesa, devido às espantosas conquistas culturais e artísticas do país nessa época), depois de Rembrandt. Os seus quadros são admirados pelas suas cores transparentes, composições inteligentes e brilhante utilização da luz.
Pouco se sabe da sua vida. Era filho de Reynier Jansz e Dingenum Baltens. Casou-se em 1653 com Catharina Bolenes e teve 15 filhos, dos quais morreram 4 em tenra idade. No mesmo ano juntou-se à guilda de pintores de Saint Lucas (São Lucas). Mais tarde, em 1662 e 1669, foi escolhido para presidir à guilda. Sabe-se que vivia com magros rendimentos como comerciante de arte e não pela venda dos seus quadros. Por vezes até foi mesmo obrigado a pagar com quadros as dívidas contraídas nas lojas de comida locais. Morreu muito pobre em 1675. A viúva teve de vender todos os quadros que ainda estavam na sua posse ao Conselho Municipal em troca de uma pequena pensão (uma fonte diz que foi só um quadro: a última obra de Vermeer, intitulada Clio).
Depois da sua morte, Vermeer foi esquecido. Por vezes, os seus quadros foram vendidos com a assinatura de outro pintor para lhe aumentar o valor. Só muito recentemente a grandeza deste pintor de excepção foi reconhecida: em 1866, o historiador de arte Théophile Thoré (pseudónimo de W. Bürger) fez uma declaração nesse sentido, atribuindo 76 pinturas a Vermeer, número que foi em breve reduzido por outros estudiosos. No princípio do século XX havia muitos rumores de que ainda existiriam quadros de Vermeer por descobrir.
Conhecem-se hoje muito poucos quadros de Vermeer. Só sobrevivem 35 a 40 trabalhos atribuídos ao pintor holandês, havendo, inclusive, algumas opiniões contraditórias quanto à autenticidade de alguns quadros (Fonte: wikipédia).
A Obra Literária
A genial originalidade de Tracy Chevalier consiste em partir de uma obra de arte de um dos grandes mestres da pintura flamenga para traçar um quadro social da época, onde os matizes da mentalidade da época surgem sobrepostos e justapostos com o mesmo perfeccionismo aplicado por Vermeer na pintura a óleo.
No que se refere aos detalhes estéticos, o livro é uma autêntica aula de pintura, não só pela descrição das cenas como se de quadros se tratassem – ou fotografias, onde a Autora aposta nos jogos de luz e sombra de forma a obter o degradé exacto que lhe faculte uma descrição onde são enfatizados os contrastes entre claro e escuro, entre cores vivas e cores sombrias partindo da inspiração dada pelas telas do pintor.
Tracy Chevalier ocupa-se, também, da descrição do ofício de pintor, desde selecção das matérias- primas aos retoques finais, passando pela mistura de pigmentos e pela definição do esboço inicial.
A jovem protagonista, Griet, é uma criada, quase analfabeta, vinda de uma família de artífices – o pai é pintor de azulejos, incapacitado para o trabalho em virtude de um acidente profissional que lhe rouba a vista; pertence à mesma guilda de Vermeer, embora este ocupe uma posição muito superior. No entanto, a súbita incapacidade para o trabalho obriga-o a colocar os filhos mais velhos no activo: Franz como aprendiz, na fábrica de azulejos onde trabalhou até à altura do acidente, e Griet como criada, em casa de Vermeer, a qual acaba por assumir, para além da tarefas comuns, normalmente atribuídas a uma criada, o cargo de limpar a oficina do pintor.
Griet é uma jovem sobredotada, apesar de quase não saber escrever o nome. Possui um dom pouco vulgar que a distingue das demais raparigas – e rapazes – da sua idade: uma grande capacidade de distinguir cores e tonalidades a par de um elevado sentido estético de procura de harmonia e equilíbrio. Tal como se nota logo na primeira cena do romance, na cozinha, em casa dos pais, onde está a cortar os legumes para a sopa e a dispô-los sobre a mesa, cortados às fatias, separados e agrupados por cores, criando contrastes e degradés, como se compusesse uma natureza-morta, pronta a ser pintada. E é assim que trava conhecimento com a família à qual irá servir. E é com base nesta característica que muitos tomam como excentricidade ou bizarria, que se irá construir a complicada teia de relações no seio da família, residente no Bairro Católico envolvendo a jovem.
O pintor apercebe-se, de imediato, que está diante de alguém com uma sensibilidade pictórica fora do comum: Griet é a pessoa ideal para limpar a oficina, colocando os objectos nos sítios exactos. Primeiro, pela facilidade em visualizar os objectos no espaço, pela habilidade em conservar a disposição destes nos lugares exactos, através de um engenhoso método de medições atrevendo-se mesmo a fazer sugestões na disposição dos cenários para quadros como “A Filha do Padeiro” e mesmo “Rapariga com Brinco de Pérola”.
A curiosidade que Griet desperta no pintor, ainda em casa dos pais desta, no momento em que o casal está a negociar os termos de contratação desperta, desde logo, um ciúme virulento na esposa do pintor: a bela, prepotente e caprichosa Catharina. Tudo porque, apesar da evidente paixão que este lhe dedica, Griet consegue entrar no mundo “dele”
.
Em relação aos filhos do casal, Griet estabelece com Maertge, a mais velha, uma relação de cumplicidade que se mantém mesmo após a jovem ser despedida. Já em relação a Cornelia, a segunda filha, a relação de oposição é estabelecida logo de início, a partir do primeiro olhar. Griet não admite a prepotência, vinda do sorriso escarninho de uma criança que se percebe ser mimada, sedenta de protagonismo e que não hesita em rebaixá-la. Griet não é muito bem sucedida em relações interpessoais – não tem grande paciência para cativar a amizade de personalidades difíceis – além de que é uma pessoa que sobressai, que e destaca da multidão. Que não é medíocre. Cornelia apercebe-se disso e tenta boicotar-lhe o trabalho. As duas lutam entre campos opostos. Griet não sabe lidar com a maldade, mas tem a capacidade de aplacar conflitos antes de eclodirem. Consegue, por isso, durante muito tempo, deitar água fria no caldeirão onde fervilham os ciúmes de Catharina. Mas só até Cornelia atiçar o fogo…
Em relação à cozinheira Tanneke, os sentimentos desta para com Griet vão-se modificando ao longo da trama. Inicialmente, a criada mais antiga da casa mostra-se desconfiada, depois solidária e, por último, invejosa, ao constatar que a jovem atinge um estatuto dentro da casa que a torna indispensável se não mesmo insubstituível: Griet tornou-se a assistente do pintor. É quase uma aprendiz.
Entre Griet e a sogra de Vermeer há uma relação baseada na união de interesses: Maria Thins vê na jovem um “objecto” útil para que o genro execute melhor e mais depressa os seus trabalhos. Já Griet, encontra na matriarca, pelo menos durante algum tempo, uma aliada, que a protege das ciladas e a ajuda a escapar das tarefas mais odiosas de forma a cumprir o objectivo principal: ajudar o patrão.
Mas entre Griet e o pintor começa a surgir uma atracção mútua, uma paixão que é sublimada pela Arte, pelo ideal a que ambos se devotam: a Pintura.
No entanto a situação de Griet torna-se insustentável devido à tensão surgida pelo ciúme de Catharina, às ciladas de Cornelia, a que se junta o assédio sexual pelo patrono de Vermeer, que a persegue pela casa.
A relação de Griet com a família de orientação sofre, também, alterações à medida que se desenrola a história. Ela torna-se, inicialmente, criada para suprir as necessidades da família, a qual sente vergonha por colocar uma filha a servir em casa alheia, sinal evidente de decadência económica. Trata-se de uma família puritana, protestante, que olha com desconfiança os habitantes do bairro católico, onde vive a família Vermeer.
A mãe considera herética a pintura do patrão da filha por achar as figuras que a protagonizam revestidas de uma aura de divindade, a avaliar pelas descrições feitas pela filha. Não está muito longe da verdade, uma vez que tanto o pintor como a auxiliar, encaram o trabalho com uma devoção quase que religiosa. A mãe de Griet considera ofensivo todo e qualquer sinal exterior de riqueza ou distinção, assim como tudo o que denuncie o menor sinal de vaidade que possa corromper a filha. O pai, em contrapartida, mostra um fascínio irresistível pelos quadros, pedindo amiúde que a filha lhos descreva.
A paixão de Griet por Vermeer coloca-a numa posição semelhante à de Emma Bovary de Flaubert. Tal como na França rural do século XIX, na Holanda do séc XVII, o desejo de ascensão social, sobretudo na Mulher, é socialmente condenável.
Uma criada talentosa, mesmo descendente de um artífice importante, nunca poderia tornar-se “patroa” nem usar os mesmos atavios das “senhoras” sem ficar socialmente mal vista. Quando Vermeer mostra desejos de pintá-la no quadro “Rapariga com Brinco de Pérola” vê-se a braços com uma séria dificuldade: não quer retratá-la como criada, mas também não pode pintá-la como senhora. O pintor opta, então, por encontrar uma solução de compromisso entre o impulso de a retratar tal como a vê – um ser especial – e a necessidade de obedecer às convenções sociais, envolvendo-lhe a cabeça numa espécie de turbante que lhe dá o aspecto de uma jovem da corte otomana.
Relativamente a Griet, quer a paixão proibida, quer as convenções sociais, quer, ainda, a ambição profissional de se tornar, não uma criada, mas uma ajudante do pintor, uma artífice ou, nos sonhos mais remotos, uma artista, é inconcebível, na época, para uma mulher. Isto leva a que a jovem se veja obrigada a abdicar dos próprios sonhos e resignar-se a casar com alguém do próprio meio, aceitando a proposta de um belo mas bronco açougueiro…Mais: o jovem não hesita em fazer-se valer da sua condição sócio económica como a única alternativa de um futuro respeitável. Apesar de “bem intencionado”, faz por enfatizar as vantagens de que passaria a usufruir a família num casamento consigo próprio. Na realidade, ofende-a ao mostrar-lhe que não tem alternativa. Além de não parecer existir qualquer tipo de afinidade entre os dois, facto que faz com que sinta estar a ser comprada. As últimas frases da narradora – a própria Griet – são contundentes porque imersas numa profunda e amarga ironia, onde deixa claro sentir ter-se vendido em troca de alimentação para a família e da garantia de um estatuto respeitável.
Um livro de ilustra cruamente a realidade da condição feminina e o reduzido leque de oportunidades num dos países de vanguarda na Europa do século XVII.
Cláudia de Sousa Dias
Apesar de a intriga ser de uma simplicidade chocante - o patrão que se apaixona pela jovem criada – as circunstâncias especiais que envolvem um clássico triângulo amoroso, onde a serviçal se torna uma trabalhadora especializada e altamente qualificada – ajudante do pintor – e que por ele se apaixona. A Autora vai construindo um vínculo entre ambos o que acaba por colocá-la numa posição superior à da esposa. O facto, aparentemente banal, transforma-se num acontecimento com grandes repercussões sociais.
O Mistério em volta da figura de um dos mais emblemáticos pintores da escola flamenga
Johannes Vermeer nasceu em Delft, a 31 de Outubro de 1632 e faleceu, também em Delft, a 15 de Dezembro de 1675).É também conhecido como Vermeer de Delft ou Johannes van der Meer.
Vermeer viveu toda a sua vida na sua terra natal, onde está sepultado na Igreja Velha (Oude Kerk), Delft.
É o segundo pintor holandês mais famoso do século XVII (um período que é conhecido por Idade de Ouro Holandesa, devido às espantosas conquistas culturais e artísticas do país nessa época), depois de Rembrandt. Os seus quadros são admirados pelas suas cores transparentes, composições inteligentes e brilhante utilização da luz.
Pouco se sabe da sua vida. Era filho de Reynier Jansz e Dingenum Baltens. Casou-se em 1653 com Catharina Bolenes e teve 15 filhos, dos quais morreram 4 em tenra idade. No mesmo ano juntou-se à guilda de pintores de Saint Lucas (São Lucas). Mais tarde, em 1662 e 1669, foi escolhido para presidir à guilda. Sabe-se que vivia com magros rendimentos como comerciante de arte e não pela venda dos seus quadros. Por vezes até foi mesmo obrigado a pagar com quadros as dívidas contraídas nas lojas de comida locais. Morreu muito pobre em 1675. A viúva teve de vender todos os quadros que ainda estavam na sua posse ao Conselho Municipal em troca de uma pequena pensão (uma fonte diz que foi só um quadro: a última obra de Vermeer, intitulada Clio).
Depois da sua morte, Vermeer foi esquecido. Por vezes, os seus quadros foram vendidos com a assinatura de outro pintor para lhe aumentar o valor. Só muito recentemente a grandeza deste pintor de excepção foi reconhecida: em 1866, o historiador de arte Théophile Thoré (pseudónimo de W. Bürger) fez uma declaração nesse sentido, atribuindo 76 pinturas a Vermeer, número que foi em breve reduzido por outros estudiosos. No princípio do século XX havia muitos rumores de que ainda existiriam quadros de Vermeer por descobrir.
Conhecem-se hoje muito poucos quadros de Vermeer. Só sobrevivem 35 a 40 trabalhos atribuídos ao pintor holandês, havendo, inclusive, algumas opiniões contraditórias quanto à autenticidade de alguns quadros (Fonte: wikipédia).
A Obra Literária
A genial originalidade de Tracy Chevalier consiste em partir de uma obra de arte de um dos grandes mestres da pintura flamenga para traçar um quadro social da época, onde os matizes da mentalidade da época surgem sobrepostos e justapostos com o mesmo perfeccionismo aplicado por Vermeer na pintura a óleo.
No que se refere aos detalhes estéticos, o livro é uma autêntica aula de pintura, não só pela descrição das cenas como se de quadros se tratassem – ou fotografias, onde a Autora aposta nos jogos de luz e sombra de forma a obter o degradé exacto que lhe faculte uma descrição onde são enfatizados os contrastes entre claro e escuro, entre cores vivas e cores sombrias partindo da inspiração dada pelas telas do pintor.
Tracy Chevalier ocupa-se, também, da descrição do ofício de pintor, desde selecção das matérias- primas aos retoques finais, passando pela mistura de pigmentos e pela definição do esboço inicial.
A jovem protagonista, Griet, é uma criada, quase analfabeta, vinda de uma família de artífices – o pai é pintor de azulejos, incapacitado para o trabalho em virtude de um acidente profissional que lhe rouba a vista; pertence à mesma guilda de Vermeer, embora este ocupe uma posição muito superior. No entanto, a súbita incapacidade para o trabalho obriga-o a colocar os filhos mais velhos no activo: Franz como aprendiz, na fábrica de azulejos onde trabalhou até à altura do acidente, e Griet como criada, em casa de Vermeer, a qual acaba por assumir, para além da tarefas comuns, normalmente atribuídas a uma criada, o cargo de limpar a oficina do pintor.
Griet é uma jovem sobredotada, apesar de quase não saber escrever o nome. Possui um dom pouco vulgar que a distingue das demais raparigas – e rapazes – da sua idade: uma grande capacidade de distinguir cores e tonalidades a par de um elevado sentido estético de procura de harmonia e equilíbrio. Tal como se nota logo na primeira cena do romance, na cozinha, em casa dos pais, onde está a cortar os legumes para a sopa e a dispô-los sobre a mesa, cortados às fatias, separados e agrupados por cores, criando contrastes e degradés, como se compusesse uma natureza-morta, pronta a ser pintada. E é assim que trava conhecimento com a família à qual irá servir. E é com base nesta característica que muitos tomam como excentricidade ou bizarria, que se irá construir a complicada teia de relações no seio da família, residente no Bairro Católico envolvendo a jovem.
O pintor apercebe-se, de imediato, que está diante de alguém com uma sensibilidade pictórica fora do comum: Griet é a pessoa ideal para limpar a oficina, colocando os objectos nos sítios exactos. Primeiro, pela facilidade em visualizar os objectos no espaço, pela habilidade em conservar a disposição destes nos lugares exactos, através de um engenhoso método de medições atrevendo-se mesmo a fazer sugestões na disposição dos cenários para quadros como “A Filha do Padeiro” e mesmo “Rapariga com Brinco de Pérola”.
A curiosidade que Griet desperta no pintor, ainda em casa dos pais desta, no momento em que o casal está a negociar os termos de contratação desperta, desde logo, um ciúme virulento na esposa do pintor: a bela, prepotente e caprichosa Catharina. Tudo porque, apesar da evidente paixão que este lhe dedica, Griet consegue entrar no mundo “dele”
.
Em relação aos filhos do casal, Griet estabelece com Maertge, a mais velha, uma relação de cumplicidade que se mantém mesmo após a jovem ser despedida. Já em relação a Cornelia, a segunda filha, a relação de oposição é estabelecida logo de início, a partir do primeiro olhar. Griet não admite a prepotência, vinda do sorriso escarninho de uma criança que se percebe ser mimada, sedenta de protagonismo e que não hesita em rebaixá-la. Griet não é muito bem sucedida em relações interpessoais – não tem grande paciência para cativar a amizade de personalidades difíceis – além de que é uma pessoa que sobressai, que e destaca da multidão. Que não é medíocre. Cornelia apercebe-se disso e tenta boicotar-lhe o trabalho. As duas lutam entre campos opostos. Griet não sabe lidar com a maldade, mas tem a capacidade de aplacar conflitos antes de eclodirem. Consegue, por isso, durante muito tempo, deitar água fria no caldeirão onde fervilham os ciúmes de Catharina. Mas só até Cornelia atiçar o fogo…
Em relação à cozinheira Tanneke, os sentimentos desta para com Griet vão-se modificando ao longo da trama. Inicialmente, a criada mais antiga da casa mostra-se desconfiada, depois solidária e, por último, invejosa, ao constatar que a jovem atinge um estatuto dentro da casa que a torna indispensável se não mesmo insubstituível: Griet tornou-se a assistente do pintor. É quase uma aprendiz.
Entre Griet e a sogra de Vermeer há uma relação baseada na união de interesses: Maria Thins vê na jovem um “objecto” útil para que o genro execute melhor e mais depressa os seus trabalhos. Já Griet, encontra na matriarca, pelo menos durante algum tempo, uma aliada, que a protege das ciladas e a ajuda a escapar das tarefas mais odiosas de forma a cumprir o objectivo principal: ajudar o patrão.
Mas entre Griet e o pintor começa a surgir uma atracção mútua, uma paixão que é sublimada pela Arte, pelo ideal a que ambos se devotam: a Pintura.
No entanto a situação de Griet torna-se insustentável devido à tensão surgida pelo ciúme de Catharina, às ciladas de Cornelia, a que se junta o assédio sexual pelo patrono de Vermeer, que a persegue pela casa.
A relação de Griet com a família de orientação sofre, também, alterações à medida que se desenrola a história. Ela torna-se, inicialmente, criada para suprir as necessidades da família, a qual sente vergonha por colocar uma filha a servir em casa alheia, sinal evidente de decadência económica. Trata-se de uma família puritana, protestante, que olha com desconfiança os habitantes do bairro católico, onde vive a família Vermeer.
A mãe considera herética a pintura do patrão da filha por achar as figuras que a protagonizam revestidas de uma aura de divindade, a avaliar pelas descrições feitas pela filha. Não está muito longe da verdade, uma vez que tanto o pintor como a auxiliar, encaram o trabalho com uma devoção quase que religiosa. A mãe de Griet considera ofensivo todo e qualquer sinal exterior de riqueza ou distinção, assim como tudo o que denuncie o menor sinal de vaidade que possa corromper a filha. O pai, em contrapartida, mostra um fascínio irresistível pelos quadros, pedindo amiúde que a filha lhos descreva.
A paixão de Griet por Vermeer coloca-a numa posição semelhante à de Emma Bovary de Flaubert. Tal como na França rural do século XIX, na Holanda do séc XVII, o desejo de ascensão social, sobretudo na Mulher, é socialmente condenável.
Uma criada talentosa, mesmo descendente de um artífice importante, nunca poderia tornar-se “patroa” nem usar os mesmos atavios das “senhoras” sem ficar socialmente mal vista. Quando Vermeer mostra desejos de pintá-la no quadro “Rapariga com Brinco de Pérola” vê-se a braços com uma séria dificuldade: não quer retratá-la como criada, mas também não pode pintá-la como senhora. O pintor opta, então, por encontrar uma solução de compromisso entre o impulso de a retratar tal como a vê – um ser especial – e a necessidade de obedecer às convenções sociais, envolvendo-lhe a cabeça numa espécie de turbante que lhe dá o aspecto de uma jovem da corte otomana.
Relativamente a Griet, quer a paixão proibida, quer as convenções sociais, quer, ainda, a ambição profissional de se tornar, não uma criada, mas uma ajudante do pintor, uma artífice ou, nos sonhos mais remotos, uma artista, é inconcebível, na época, para uma mulher. Isto leva a que a jovem se veja obrigada a abdicar dos próprios sonhos e resignar-se a casar com alguém do próprio meio, aceitando a proposta de um belo mas bronco açougueiro…Mais: o jovem não hesita em fazer-se valer da sua condição sócio económica como a única alternativa de um futuro respeitável. Apesar de “bem intencionado”, faz por enfatizar as vantagens de que passaria a usufruir a família num casamento consigo próprio. Na realidade, ofende-a ao mostrar-lhe que não tem alternativa. Além de não parecer existir qualquer tipo de afinidade entre os dois, facto que faz com que sinta estar a ser comprada. As últimas frases da narradora – a própria Griet – são contundentes porque imersas numa profunda e amarga ironia, onde deixa claro sentir ter-se vendido em troca de alimentação para a família e da garantia de um estatuto respeitável.
Um livro de ilustra cruamente a realidade da condição feminina e o reduzido leque de oportunidades num dos países de vanguarda na Europa do século XVII.
Cláudia de Sousa Dias
18 Comments:
Acabei de ler este livro há poucos dias e é com muito agrado que leio este post, pois foca todos os pontos de interesse. Parabéns! :)
Gostei da leitura, estava sempre ^curiosa com o que se passaria a seguir e apesar deste ser um livro de detalhes/pormenores, não se torna parado.
obrigada, livros em 2ª mão...
este gostei muito, é superior dentro do género...
beijos
Estive face a face com o quadro, há quatro anos, no Mauritshuis, en Haia... todo um mundo naqueles olhos, naquelas somras e volumes. E tão pequeno, o quadro O livro deverá ser...
BJ
Já deu origem a um filme certo?
Sempre estive muito interessado neste livro, não só por se enquadrar na História mas também porque me parece ter uma história sugestiva (pegar num quadro e imaginar a sua vida é, para mim, uma ideia sempre original). Entretanto, Chevalier é um autor que oiço muito por aí... Pode ser que este ano me atreva a experimentar esta leitura, que promete!
Olá Cláudia, desejo-lhe um Feliz ano de 2009 e aproveito para informá-la de que lhe atribuí o prémio Blog de Ouro cujas regras poderá consultar no meu blog:)
Abraço
É sempre bom adicionar mais um blog sobre livros. Parabéns, voltarei sempre. Fica a sugestão.
que maravilha, bau..eu sóconsegui apropriar-me um bocadinho daquela luz mágica no rendez-vous...
beijinhos
CSD
o facto de dar origem a um filme não significa uma onra lçiterária de excepção...
:-)
mas penso que neste caso trata-se de um bom livro...uma vez que não cai os preconceitos habituais do mundo anglo saxónico face à Europa católica, apesar de a Autora fazer referÊncia a algumas personagens que partilham desses mesmos preconceitos...
um abraço, Pedro
CSD
obrigada, Carla!
Fico mesmo sensibilizada!
CSD
Obrigada, Teresa.
Um bom ano de 2009 e ãinda melho~res leituras...
CSD
Olá Cláudia!
O livro não li... o filme, adorei!
Passei na sexta mas o filme já tinha começado há muito.
Como não estava a perceber, saí.
Fica para a próxima.
Um beijo,
Lucília
Não faz mal...
Mas o próximo, "O Rei pasmado" de Imanol Uribe, baseado num romance de Ballester é imperdível...!!!
beijos
CSD
este filme é muito secante, quase me deixei dormir
poca gente achará o mesmo, caro anónimo.
sobretudo para quem é apaixonado por arte e pelas complexas e tortuosas relações humanas, pelo tortuoso mecanismo que despoleta a paixão...ou que a faz morrer.
csd
Oi cláudia, achei seu blog por acaso e simplesmente adorei! Já adicionei à minha lista de blogs preferidos e estou encontrando aqui valiosas sugestões! Um abraço!
Obrigada pela dica, já gostei do filme e imagino que vou adorar o livro.
Um abraço,
Silvia - Curitiba-Brasil
Muito Bom. Parabéns!
Muito Bom. Parabéns!
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