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Wednesday, November 30, 2016

"Contos exemplares" Sophia de Mello Breyner Andresen (Portugália Editora; Assírio¬Alvim)





Este post de hoje tem um duplo objectivo: em primeiro lugar, efectuar uma abordagem linguística, em termos comparativos, aos textos correspondentes à terceira edição de Contos Exemplares de 1970 pela Portugália Editora (a qual inclui, pela primeira vez, o conto “Os Três Reis do Oriente”), prefaciada pelo Bispo do Porto, Dom António Ferreira Gomes; e a edição de 2014, publicada pela Assírio & Alvim, reimpressa em 2015, com prefácio de Federico Bertolazzi.

Em segundo lugar, pretende-se encetar uma abordagem literária dos textos desta colectânea de ficção curta de Sophia Andresen, em diálogo inter-textual com os de outra colecção, também de sua autoria, e igualmente destinados ao público adulto, os quais já havíamos antes abordado: Histórias da Terra e do Mar.

Comecemos então por contextualizar os textos, na época em que foram produzidos, e as suas influências literárias.

António Ferreira Gomes escrevera o prefácio para estes Contos Exemplares que viria a ser incluída na terceira edição do Livro, publicado já depois do seu falecimento. Ferreira Gomes intitulou esse texto de “Pórtico”, como se as suas palavras marcassem a entrada para um templo da antiga Grécia Clássica, neste caso o conjunto dos textos de Sophia, publicados nesta colectânea, cada qual como uma sala desse mesmo templo. Mas antes de mais, este “Pórtico” funcionou sobretudo como a defesa desses mesmos textos, orientado a leitura de possíveis censores com vista a impedir mutilações nos contos ou mesmo o banimento total do livro. Ferreira Gomes focalizou assim a atenção na componente cristã e nas frequentes intertextualidades destes contos de Sophia, num primeiro plano, com os textos bíblicos e, depois, com outros autores clássicos da literatura universal como Cervantes, Goëthe ou Hölderlin frequentemente aludidas no discurso narrativo sophiniano, os dois últimos, sobretudo no campo da poesia. A evidente intenção de desviar as intenções censórias destes contos de Sophia ligava-se à possibilidade real de estes conterem uma forte componente de crítica social ao sistema e ao regime político do Estado Novo, como é tão evidente, por exemplo, logo na primeira história “O Jantar do Bispo”, mas também e, “Retrato de Mónica”, “O Homem” ou mesmo “Os três reis do Oriente”, prefaciado por José Saramago aquando da sua primeira edição.

Em “Pórtico”, Ferreira Gomes utiliza sofisticado estratagemas retóricos para valorizar os textos e iludir os censores: começa por desvalorizar, logo na página IX, 1 os autores do movimento modernista e o seu estilo fracturante, relativamente a aspectos formais de desenvolvimento de uma narrativa a qual, nas suas palavras, teria de ser respeitada por todo e qualquer texto literário que ambicionasse adquirir o formato de conto propriamente dito: “nestes tempos de literatura (…) sem heróis, sem personagens, sem enredo, sem desfecho…”2 contrapondo em seguida coma s histórias sophinianas que obedeceriam, supostamente a todos estes requisitos. Por outro lado, Ferreira Gomes enquanto fazia esta desvalorização dos autores pertencentes ao movimento modernista do qual Sophia Andresen e muitos dos seus contemporâneos eram herdeiros, colocava estes Contos Exemplares no extremo oposto a esta corrente. Por outro lado, enfatizava a componente moralizante do adjectivo “Exemplares” presente no título, situando a escrita de Sophia Andresen também no pólo oposto à da corrente existencialista, que era na altura diabolizada pelo regime. Colando o seu discurso e o estilo literário de Sophia a Cervantes, a Hölderlin, a Heidegger e a Rilke, e outros nomes incontornáveis da literatura universal, Ferreira Gomes reforçava, cumulativamente, a componente ética e estética de base humanista e cristã da autora, tornando-a e aos seus textos acima de qualquer suspeita. O falecido Bispo do Porto servia-se, assim, do seu ethos de autoridade como voz representativa da ICAR para assegurar a publicação integral das histórias contidas no livro. Mas só quase ao fim de 50 páginas de um longuíssimo prefácio, cheio de artifícios retóricos, entrava, finalmente, na análise dos contos incluídos nesta publicação estabelecendo, por exemplo, um interessante visão paralelismo entre o conto “A Viagem” e a terceira parte de Also sprach Zaratustra do nihilista Friedrich Nietzsche, para demonstrar também a maneira como a formação cristã de Sophia se inscreve na construção do retrato de figuras arquetípicas ou socialmente representativas a fim de tipificar categorias sociais não apenas servidoras do Criador ou as forças do Bem mas também o seu oposto: o Príncipe deste Mundo e seus aliados, numa alegoria do materialismo ou das forças do Mal, os quais personificariam na perspectiva exposta no texto do Bispo do Porto, aspectos da cultura universal e não um ataque directo ao regime da ditadura do Estado Novo. Seriam algumas destas personagens arquetípicas figuras como a de Mónica (“Retrato de Mónica”) ou o Dono da Casa (“O Jantar do Bispo”) em oposição a João e o Primo Pedro (“O Jantar do Bispo”), o desconhecido rosto da fome acompanhado pela criança em “O Homem” .

Já o prefácio que serve de introdução a Contos Exemplares na edição da Assírio e Alvim de 2014 (reimpressão de 2015) da autoria de Federico Bertolazzi apresenta um teor discursivo completamente diferente deste que acabámos de descrever: numa escrita bastante mais despojada, o discurso de Bertolazzi constrói-se já não com uma intenção de persuadir, mas para adoptar antes um teor mais expositivo ou explicativo: começa por contextualizar a obra no tempo em que foi escrita e a desvendar a intenção da autora ao escrever contos que classifica de “exemplares”, em claro diálogo com as Novelas Ejemplares Cervantinas que Sophia Andresen cita logo em epígrafe, no início da obra, como já havia feito Ferreira Gomes, mas de uma forma bastante mais sintetizada. Bertolazzi continua depois a explicação da obra, apontando para a sua ligação com diversos outros textos literários, sem deixar de explorar a vincada vertente de crítica social e política do discurso sophiniano implícitas nos contos desta colecção, cuja importância o anterior prefaciador havia tentado desvalorizar.

É incluído também nesta edição o prefácio de José Saramago ao conto “Os Três Reis do Oriente”, que havia sido apenas publicado na primeira edição desta história publicada separadamente dos outros contos e apenas incluída em Contos Exemplares a partir da sua terceira edição.


A análise individual dos contos será publicada na revista Caliban.

4 Comments:

Blogger M. said...

Aconselhas? Acho que só tenho um livro de poemas da Sophia.
Beijinhos, feliz 2017!!!

1:00 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

sim.

12:24 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Post na Caliban com a análise do primeiro conto: 'O Jantar do Bispo'

https://revistacaliban.net/contos-exemplares-de-sophia-de-mello-breyner-andresen-ass%C3%ADrio-alvim-1%C2%AA-parte-61bc61bd8347

5:32 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

2ª parte

Análise a 'O Jantar do Bispo'


https://revistacaliban.net/sobre-contos-exemplares-de-sophia-de-mello-breyner-andresen-2%C2%AA-parte-7c68018d64ce

5:35 PM  

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