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Bibliomaníaca e melómana. O resto terão de descobrir por vocês!

Saturday, July 14, 2007

“Criação” de Gore Vidal (Dom Quixote)


Uma viagem pelos costumes, usos e tradições das civilizações antigas pela mão de Ciro Spitama, neto de Zoroastro, que se encontra na Grécia, em pleno século de Péricles, a ditar as suas memórias ao sobrinho, Demócrito.

Criação é uma obra de grandeza sem precedentes, um projecto ambicioso que envolve um gigantesco trabalho de pesquisa histórica, isto é, de observação documental e, simultaneamente, de observação in loco - algo que se depreende pela exactidão e abundância dos detalhes relacionados com a geografia, o clima, o relevo, a fauna e a flora dos diversos locais por onde “passeia” o protagonista. A finalidade do Autor é comparar as diferenças civilizacionais, do ponto de vista da personalidade colectiva, de povos como os Gregos, os Persas, os Hindus do tempo de Siddhartha e as gentes do Catai, influenciadas por Confúcio, que actualmente identificamos com a China.

Está, também, presente a procura de uma raiz, um antepassado comum, ou um elemento culturalde ligação entre as referidas civilizações, que facilmente se encontra através da investigação das religiões primitivas comuns aos povos indo-europeus ou, melhor dizendo, os descendentes dos arianos, que incluem os Gregos, os Persas e os Povos ao Norte da planície Gangética.
Mas essa característica cultural comum acaba por ultrapassar o factor étnico, conforme Ciro Spitama acaba por constatar, durante a sua estadia no Catai: as motivações primordiais, aquilo que impele o homem a agir, bem como as questões que mais intrigam os humanos são as mesmas: o desejo insaciável de poder, de domínio, ligado à necessidade de hegemonia e sobrevivência, que depende de um indivíduo ou grupo minoritário se destacar de entre os mais fracos; e a procura da origens do Homem, do Mundo, do Cosmos.

Numa palavra: a Criação.

Existem, aqui, duas forças opostas, que estão, normalmente, em conflito. De um lado, estão aqueles que exercem o poder, os que se destacam dos demais pela força, pela astúcia, pelo seu poder aquisitivo (territórios, escravos, ouro, bens materiais). Do outro lado, no mesmo continuum, temos aqueles que exercem outro tipo de poder: aqueles que detém o carisma, o poder de condicionar o pensamento das massas. Sacerdotes ou laicos, estes líderes carismáticos não exercem um poder temporal, mas espiritual. São eles quem lança e direcciona a construção dos alicerces do eu colectivo. São eles quem constrói o paradigma ou modelo conceptual do mundo e do Universo para cada civilização. Homens como Sócrates, Zoroastro, Siddhartha (Buda) ou Confúcio. Homens que não chefiam estados nem exércitos mas que movimentam multidões à escala continental, num período em que não se ouvia sequer falar em globalização – embora a ideia de hegemonia, face a todo um Universo terrestre, estivesse sempre presente. Trata-se de homens para quem o único deus em que acreditam realmente é a Sabedoria. Embora cada qual tenha o seu próprio conceito de sabedoria.

A ética civilizacional é lançada, precisamente, por estas personagens que marcam os traços fundamentais de um eu colectivo.

A comparação das particularidades específicas do carácter dos Atenienses com o dos Espartanos e destes com os Persas, Hindus ou Cataios, é uma das vertentes mais aliciantes do romance. Um aspecto que é largamente enfatizado pelo humor algo sarcástico de Gore Vidal, projectado na voz de Ciro Spitama. Ciro é uma personagem com uma personalidade muito vincada, com convicções religiosas fortemente implantadas, mas que, à medida que vai recolhendo novos elementos cognitivos nas suas viagens, vai colorindo, reformulando, as suas crenças originais, pela introdução de novos elementos, sem, no entanto, alterar as fundações das suas crenças.

Curiosamente, a passividade associada ao budismo, inerente à persecução do seu objectivo final – o nirvana, o desligamento das coisas materiais e do mundo terreno tal como o conhecemos –, não o atrai, por achar que esta atitude deixa o caminho livre para os predadores. Agrada-lhe, por outro lado, a moderação e a aversão a toda e qualquer forma de extremismo de Confúcio.

Outro dos elementos de grande interesse para a obra é a forma como o poder é exercido pelas mulheres, nas diferentes civilizações, o acesso à cultura e à instrução e, por último, o grau de liberdade relativa no que toca ao convívio com o sexo oposto.

Em Atenas, só as heteras ou companheiras, como Aspásia, é que jantam, sentadas ou reclinadas, na companhia dos restantes convivas masculinos. São, normalmente, cortesãs de luxo ou, no mínimo, mulheres consideradas licenciosas. Têm acesso à cultura e à instrução mas não exercem qualquer tipo de cargo público ou político.

Na Pérsia, as mulheres estão sequestradas em haréns e só podem conviver com eunucos e homens idosos, fisicamente repelentes. O que não as impede de exercer a arte da intriga e da conspiração, através do controlo da chancelaria do Palácio Imperial, cujo funcionalismo é composto, quase que exclusivamente, por eunucos. É o caso da Rainha Atossa, esposa de Dário, mãe do herdeiro oficial do trono e, posteriormente, da rainha Amestris esposa de Xerxes e também mãe do sucessor da coroa imperial.

Na Índia, Ciro Spitama tem a oportunidade de verificar a existência de uma grande liberdade de convívio entre os sexos, na casta dos Kshatrias, onde as esposas das famílias da nobreza guerreira podem presidir à mesa, juntamente com convidados não pertencentes à família. O nível de sociabilidade entre os dois sexos é, neste nicho social, um núcleo de vanguarda na Antiguidade. Mas o género feminino continua afastado de qualquer cargo administrativo ou político e, até mesmo, de qualquer profissão qualificada e remunerada.

No Catai, só as mulheres idosas gozam de prestígio social e de autonomia.

Ao analisarmos Criação, verificamos que o Autor teve o cuidado de avaliar e analisar aquilo que são os fundamentos das principais civilizações actuais, com excepção do continente americano, ao qual, por motivos óbvios, a personagem Spitama não poderia ter tido acesso.

A obra, datada de 1980, surge logo depois do golpe de estado na Pérsia que derrubou o Shah Rheza Pahlevi, instalando o regime teocrático shiita de Ayatollah Khomeini.

A preocupação com a situação geopolítica e crescente instabilidade no Médio Oriente – nos anos seguintes estalaria o sangrento conflito entre o Irão e o Iraque, contando este último com os EUA como aliados e apoiantes de Saddam Hussein, o qual tinha, também, recentemente ascendido à chefia da nação, através de um golpe de estado – está na origem do aparecimento desta obra com o objectivo de dar a conhecer a raiz e o fundamento da mentalidade do povo da Pérsia/Irão e o teor das suas relações com os seus vizinhos.

Uma obra isenta de preconceitos civilizacionais, actual e do máximo interesse para quem se apaixona pelas “coisas do mundo”.

Um livro que nos permite mergulhar nos alicerces e fundações da Humanidade e nas suas motivações mais primárias:

A sede de Conhecimento.

O papel do Homem no Universo.

A criação e o fim do Cosmos.

Enfim, o Alfa e o Ómega…


Cláudia de Sousa Dias

23 Comments:

Blogger inominável said...

caramba, és imparável... criar como tu deve ser difícil... és a outra face da criação... a meta-criação...

1:32 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

pois...acho que a verdadeira não sou capaz. ou serei, mas só a um nível muito medíocre...

Só alguns contos, fragmentos e mesmo assim...


CSD

9:24 PM  
Blogger un dress said...

como diz a inominável...


tu crias com.crias:

outro para lá do.próprio....:)

algo.assim...

outro que completa...

mais um livro pra mim.

in the waiting line.




obrigada.cláudia!!

beijO

9:20 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Beijo, linda!


CSD

10:47 PM  
Blogger NLivros said...

Viva Cláudia.

De Gore Vidal li o "Império", onde ele efectua uma descrição romanceada do início e porquê do actual império norte-americano.

Gostei da forma corrosiva como ele coloca as situações, não tendo pejo em demonstrar a imensa hipócrisia que está pode detrás dos actuais valores da constituição americana.

Esta "Criação" fica debaixo de olho.

:D

11:23 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

E o teu"Império" fica também debaixo de olho...

Obrigada pela sugestão!

Um abraço!


CSD

1:46 PM  
Blogger Claudinha ੴ said...

Interessante a sua análise, me mostrou como as diferentes culturas, relevos, raças influenciam, mesclam-se e levam até uma dedução. Mas será que se chega à alguma conclusão, ou cada vez mais ficamos maravilhados com a obra do Criador? Beijo!

1:27 AM  
Blogger Rui leprechaun said...

Olá, Suma Beldade!

Nem de propósito esta crítica à obra de Vidal, agora que eu comentava algo sobre as sociedades matriarcais e outra forista falava do papel das "sacerdotisas do amor" nas civilizações de outrora.

De facto, vou copiar essa parte em que referes o estatuto da mulher nessas 4 civilizações... sempre é mais publicidade cá para o blog!

Bem, já devo ter dito que, como Gnomo, sou um simples servo das duas sumas maravilhas com que o Criador... da Claudinha!... :) povoou a Terra: a Mulher, o Ser biologicamente superior, e as Crianças dela geradas no único milagre continuamente recriado: o do Poder da Vida...

Rui leprechaun

(...na amorosa magia apetecida! :)

10:19 AM  
Blogger P said...

Imparável, Cláudia.
Crias o desejo de ler. Não é pouco.
PAbraço
P.

4:27 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Claudinha, a conclusão a que chega Spitama é que não vale a pena defender verdades absolutas, nem tentar provar o que está para lá dos sentidos, o mundo terreno porque só o saberemos quando partirmos para o lado de lá ou quando conhecermos a totalidade do Universo.

é puro Confúcio...

8:18 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

é bom saber que desperto esse efeito Baudolino!

Mas os autores merecem...não achas?


CSD

8:19 PM  
Blogger P said...

Claro que sim! São eles que te impulsionam. És é uma excelente mediadora entre autor/texto/leitor e isso faz muita falta, leitura com paixão e não por pura obrigação/exercício intelectual. Fazes uma leitura das obras integrando uma vertente descritiva/analítica mas não te pseudo-afastas.
(Desculpa o discurso pomposo. É uma fase e tem a ver com momento particularmente agudo de trabalho, que tem muito, mesmo muito a ver com tudo isto de que falamos).
Abraço
P.

9:52 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Obrigada, Baudolino!

Bjo

CSD

12:12 PM  
Blogger Isabel Victor said...

"a conclusão a que chega Spitama é que não vale a pena defender verdades absolutas, nem tentar provar o que está para lá dos sentidos, o mundo terreno porque só o saberemos quando partirmos para o lado de lá ou quando conhecermos a totalidade do Universo." ...

Que desafiante !
Tenho que ler ...

Obrigada CSD
Muito !


b*
i

12:31 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Não tens de quê, Isabel!

Um beijo grande!

Ah!Quisera eu eu estar aí em terras algarvias, para fugir à chuva e cinzento que que o céu exibe hoje no Minho!

CSd

7:32 PM  
Blogger Rui leprechaun said...

...a conclusão a que chega Spitama é que não vale a pena defender verdades absolutas, nem tentar provar o que está para lá dos sentidos, o mundo terreno porque só o saberemos quando partirmos para o lado de lá ou quando conhecermos a totalidade do Universo.

é puro Confúcio...



Perdão... puro Lao-Tsé, assim é que é!!! :)

Por isso, é deveras inútil toda esta infantil quezília ciência vs. religião... criacionismo e evolução... foge dessa, minha, oh não! ;)

Deveras, só aqueles que não sabem é que falam... like ME!... ;) porque quem sabe nada precisa dizer, basta no âmago do Ser compreender!

E já que relembramos Confúcio e Lao-Tsé, eis o que outro antigo mestre zen respondeu a quem lhe perguntou um dia o que era atingir a iluminação:

Quando como como, e quando durmo durmo!

Yes... that's it!!!

Ou, tal como Buda também retorquiu a quem desejava saber o que era ser santo:

Aquele que está presente em todos os momentos, esse é o homem santo!

To be HERE and NOW!...

Rui leprechaun

(...in constant awe... wow!!! :))


PS: Listen to the supreme mystery... Claudy!


When you really look for me, you will see me instantly —
you will find me in the tiniest house of time.
Kabir says: Student, tell me, what is God?
- He is the breath inside the breath.


Kabir says: Listen to the word spoken in every body!

Kabir (Índia, séc. XV-XVI)


(Do you understand what this means, O most Beautiful Soul? :))

4:07 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Obrigada a todos quanto me visitam e amam os livros e os seus autores tanto quanto eu!

5:26 PM  
Anonymous Anonymous said...

Só hoje li o seu comentário à Antologia Intimidades. Gostei imenso.
Sou a organizadora. Sou portuguesa e escritora. Mande-me o seu endereço que quero enviar-lhe um livro meu.

Um abraço,

Luísa Coelho

10:40 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Obrigada, Luísa pela visita ao meu blog.

Seria, talvez útil se eu pudesse obter o seu endereço electrónico para poder-enviar-lhe os dados que necessita.

Poderá escrever-me para claudia.sousa.dias@gmail.com ou claudia_sousa_dias@hotmail.com

1:08 PM  
Blogger Babel Hajjar said...

Sugiro que você conheça a rede "goodreads". ´É uma rede de relacionamento ao estilo "orkut" ou "linkedin", que dá a oportunidade de você colocar livros que leu, colocar suas observações... pelo que li do seu blog, tem muito a ver com você.

2:10 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Babel está de parabéns!

adoro que comentem este post em particular, uma vez que este foi um dos livros que mais gostei de ler nos últimos tempos.

Pela visão em termos comparativos acerca de várias culturas e civilizações em simultâneo e numa época tão remota.

Ao mesmo nível só consigo imaginar Mircea Eliade.

Um beijo

CSd

4:50 PM  
Blogger Arthur Rotta said...

Li A Cração no meu primeiro ano de faculdade, fora da minha cidade natal. Enquanto ainda não tinha amigos na nova cidade o Ciro Spitama foi um grande companheiro :D
Na época até me tornei Budista, apesar da observação de que ele pode ser util pra alienar o Povo.
Mas enfim é um grande livro, ainda o irei reler.

10:12 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

é sim senhor!


abraço


csd

10:11 AM  

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