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Sunday, April 19, 2009

“Um Amor sem Resistência” de Gilles Rozier (Dom Quixote)


O cenário da 2ª Grande Guerra, onde se desenrola um relacionamento amoroso que não se encaixa nos cânones da sociedade da época, serve de pano de fundo e, simultaneamente, de camuflagem ao relacionamento erótico entre um professor de nacionalidade, francês e apaixonado pela literatura alemã, e um ex-soldado do exército invasor, expulso das tropas do Reich, após a descoberta da sua origem semita, que se refugia em casa do erudito professor.
O intelectual oculta meticulosamente a sua orientação sexual, sancionada pela Igreja, pelo exército ocupante e pela família, sob o manto portador de um casamento de conveniência, cuja noiva é, conveniente e oportunamente, sugerida pela mãe…


Claude é uma jovem apagada, de beleza sofrível, pudica e calada, que nada faz para realçar os seus atributos naturais.

O professor e narrador manifesta, em praticamente todas as linhas do discurso, um deslumbramento irreprimível pela língua e literatura alemãs que chegam a raiar a idolatria, sobretudo quando se trata daqueles que são colocados na chamada “lista negra” pelo exército nazi, quer devido à orientação sexual censurada nas hostes do Reich, que se subentendem em textos como os de Thomas Mann, quer simplesmente pela ascendência judia, que não se consegue obliterar pelo talento.

A personalidade deste protagonista dificilmente conseguirá, no entanto, conquistar a simpatia do público feminino, devido, não só, à forma como se refere às mulheres em geral mas principalmente pela maneira como as manipula para conseguir os seus objectivos.

O primeiro sinal inequívoco da atitude de desprezo e antipatia que nutre pelo género feminino é expresso logo no primeiro capítulo, na forma como classifica e julga as atitudes da irmã, exibindo um discurso impregnado de ódio, face ao colaboracionismo a que esta se dedica condenando-a pela exacerbada sexualidade. O professor critica a irmã arvorando-se de um patriotismo que não estende à literatura ou a alemães ligados às artes.

Também a forma como ignora a esposa não contribui para angariar simpatia ou identificação por parte do público: esta deambula pela casa como uma sombra, acabando por se suicidar por não suportar a humilhação de ser rejeitada.

Também a forma fria como manipula Monique, uma das suas alunas para conseguir o objectivo – cativar o amante, ao introduzir-se na casa da jovem onde aquele esteve hospedado e apoderar-se do livro que deixara lá esquecido – sem ter em consideração os sentimentos da aluna, ignorando-a em seguida.

Ma aquilo que mais faz o leitor desprezar o protagonista é a forma como este reage à chocante morte de Claude:
«A Claude teria podido aproveitar o sacrifício da sua vida. Para lutar contra o ocupante (…) fazer-se explodir no teatro municipal, durante um recital (…) numa plateia de Fritz e milicianos».

A frieza e o desapego com que se refere à jovem, a qual utiliza como camuflagem para vestir a máscara de respeitável chefe de família, não deixa de provocar um certo sentimento de repugnância em quem lê a obra. Da mesma forma, o egoísmo com que se serve das emoções e esperança que desperta no sexo feminino bem como a pusilanimidade com que justifica essas mesmas atitudes não geram atitudes favoráveis por parte de quem lê.

«Se me tivessem dito que a Claude esperava qualquer coisa daquela união, um erotismo, uma conversa, não teria aceite aquele casamento, teria prometido dar-lhe aulas gratuitamente, durante anos, para sair com elegância daquela história».

No entanto, o personagem não se esforça nem por um momento em explicar à jovem as condições do casamento, quer antes de ficar noivo quer já depois de casado, após o que se limita a conviver com ela como se Claude fosse uma peça de mobiliário a ocupar um determinado espaço limitado em casa.

O professor sobrevive à guerra para contar, na velhice, a história de um amor erótico vivido na penumbra de uma cave, escondido de todos os olhares. O romance é marcado por um sexualidade voraz à qual não é alheia uma certa manipulação - o jovem está numa situação vulnerável, dependente do anfitrião no que respeita à sobrevivência e à satisfação das suas necessidades mais básicas - desde a alimentação, à eliminação dos dejectos. No entanto não deixa de nascer uma certa afeição despoletada pela adoração que ambos manifestam em relação aos livros. O acto erótico entre ambos acabará por emergir do desespero, onde o amante cativo termina por conseguir um certo ascendente em relaçãoao anfitrião e tornar-se o elemento dominante. Os amantes clandestinos possuem-se furiosamente, numa ausência total de luz natural, como se o amanhã não existisse.

As referências a Heinrich Heine e a Thomas Mann - escritores considerados “malditos” pelos censores do Reich e pela propaganda anti-semita de Hitler - servem de arma de sedução para atrair o amante.

Já a primeira paixão deste germanófilo patriota francês, um colega da faculdade, alemão de aspecto ariano, apaixonado pelas letras, também, mas sem demonstrar as mesmas inclinações que o protagonista, denota uma tendência quase que se poderia dizer, inata, para idolatrar o tipo físico masculino tipicamente alemão.

«Durante as hostilidades, o estado-maior fizera apelo às minhas qualidades de germanista para traduzir informações difundidas pela imprensa nazi . Um jovem soldado com cara de boneco (Herman, o amante da cave subterrânea) trazia-me um maço de documentos ao fim da tarde, no meu regresso do liceu (…)
«Lia os papéis e traduzia apenas as passagens que me pereciam importantes. O soldado esperava (…). Cantarolava nocturnos de Chopin em voz grave e quente».
«Ao estender-lhe o pacote dos jornais e as minhas traduções tive, várias vezes, vontade de lhe abrir a camisa, impecavelmente passada a ferro, mas contive esse desejo. Era proibido».

Na obra, é frisado o saneamento no comércio e serviços, em território francês, onde os funcionários de ascendência semita dão lugar a proprietários arianos seleccionados para os respectivos lugares.

Um dos aspectos positivos, que se salienta no romance, reside no exaltar da contradição patente numa cultura onde a arte e a política não são compatíveis, por não servirem os mesmos interesses:

«Como era bela a língua de Göethe e Goebbels». Onde o desejo de permanência e ambição de imortalidade explicam a paixão pelos livros independentemente das facções, interesses e lobbies políticos.
«Os seres desequilibram-se um dia e a sua queda arrasta-nos. A literatura fixa-os. Eu não me queria desequilibrar. Seria por essa razão que gostava tanto de ler? Poder encontrar os homens no sítio onde os tinha deixado, agarrá-los pela manga para esconjurar o seu desaparecimento e manter o equilíbrio, estável, sobre as duas pernas, bem assentes na terra. Ainda tinha bibliotecas inteiras para ler.»

Herman é mantido na cave pelo professor até aos últimos dias da guerra, altura em que a ânsia, o desejo infinito pela luz solar e a sede de respirar o ar das ruas se lhe tornam insuportáveis, fazendo emergir o momento de loucura, embriaguez de liberdade, atraindo dessa forma a tragédia, como que despoletada pelas fúrias…

Ao longo da narrativa estão presentes complicados esquemas de sobrevivência onde o amor erótico e os livros os dois o pilares que impedem o jovem, apesar de cativo de dependente, de sucumbir à loucura.

Curiosamente, Herman, ao contrário do seu captor, consegue cativar totalmente a simpatia dos leitores não só pela aparente vulnerabilidade como pela forma como consegue virar a situação a seu favor.

No entanto, Rozier dá-nos apenas a visão do interior emocional de um único personagem – o narrador -, sem nunca mostrar o que se passa dentro da cabeça de Herman, de Claude, Monique ou da fogosa irmã colaboracionista do erudito professor.

Para o protagonista, o amor parece manifestar-se apenas na dimensão estética, onde só quem tem a capacidade de comungar o mesmo amor à arte pode ultrapassar a fronteira que separa o animal do espiritual, conquistar-lhe o respeito enquanto ser humano e, então, dar livre expressão ao amor erótico. Este emana a partir do enquadramento, da inspiração dada por algumas das mais belas composições poéticas, produzidas na língua alemã, que se casam com a intensidade do desejo proibido…


Cláudia de Sousa Dias

4 Comments:

Blogger Zaclis Veiga said...

Fico em dúvida se quero ou não ler o livro. Temo que ele seja muito menor que tua crítica tão bem escrita. Grande beijo
Zaclis

2:32 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

ahaha...parece que a Zaclis também não simpatiza com o personagem...

que é horrível, na verdade. de dar vómitos.

mas a prosa é boa.


um grande beijinho cheio de saudades que não se limitam aquela deliciosa torta mineira de que vou querer a receita.

CSD

8:31 PM  
Blogger Marta said...

e cá estás tu, como sempre, a celebrar o Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor!

essa é a verdadeira homenagem!
a de ler,
todos os dias!

beijo enorme, linda

12:24 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

sim o dia mundial do livro~´e todos os dias que se comemora!

tens toda a razão.


beijo grande



csd

5:16 PM  

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