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Bibliomaníaca e melómana. O resto terão de descobrir por vocês!

Sunday, September 13, 2009

"Aqui na Terra" de Miguel Carvalho (Deriva)


A junção de uma série de reportagens, revistas e compiladas, a ilustrar o Portugal contemporâneo finalmente publicadas em livro, com a vantagem de incluir todos os ingredientes que poderiam servir de base para o argumento de um filme. Um filme de cuja narrativa principal se destacaria a arquitectura de uma aliciante teoria da conspiração, a qual pode perfeitamente constituir a base de um romance cuja trama ande à volta de uma intriga contemporânea com base em factos reais ocorridos nos últimos trinta anos: desde a investigação do assassínio do Padre Max à morte do Cónego Mello, girando à volta de um combate entre forças políticas atrás das quais se escondem as peças do tabuleiro de xadrez das super estruturas económicas que sustentam o poder no país.



Particularmente saborosa é a última das estórias deste mesmo livro, intitulada “O Imaculado”, a expor o triunfo de uma personagem que poderia figurar na célebre alegoria de Orwell, A Quinta dos Animais, adaptada ao cinema com o título O Triunfo dos Porcos.



Da leitura de Aqui na Terra pode-se contemplar uma paisagem social e económica onde parece triunfar o caciquismo, a radiografia de um país onde a falta de vitamina D , leia-se de Democracia e Desenvolvimento – dois dos três D’s que, a par da Descolonização, constituíam a linha de orientação política em Portugal após o 25 de Abril de 1974 –, implicando um evidente raquitismo no que respeita à assimetria de desenvolvimento regional.



Assumindo uma faceta que muito o aproxima da forma de olhar do antropólogo, pela forma de observar padrões de comportamento e de cultura, conforme refere a Autora do blogue “havidaemmarta”, Miguel Carvalho consegue, ainda assim, transmitir para o papel uma visão romântica, acerca do Portugal mais pitoresco, do qual faz parte a fatia da população de reduzido poder económico mas que vive a vida através da fruição dos pequenos prazeres: Miguel Carvalho dedica-se a explorar os lugares mais recônditos, onde por vezes falta algo tão básico como o saneamento ou a electricidade, onde a população vai, muitas vezes, desaparecendo para levantar voo em direcção a céus onde que abriguem terras que proporcionem melhores oportunidades.



Um país onde, apesar de tudo, existe a esperança (remota) de dias melhores como resultado de uma mudança significativa a implicar uma evidente melhoria de qualidade de vida. Em última instância, recorrendo à via do sobrenatural, obrigando muitas vezes a que se acenda, uma vela ao Criador e, também… ao Outro… só por via das dúvidas.



Os títulos das estórias estão, todos eles, relacionados referências religiosas: “O Pecador”; “O Altar”; “O Cónego”; “A Seita”; “A Purificação”; “A Celebração”; “O Pastor”; “A Cruz”; “O Ritual”; “A Agonia”; “O Santuário”; “O Martírio”; “A Aparição”; “A Devoção”; “A Via Sacra”; “A Romaria”; “A Relíquia” e “O Imaculado”.



A ironia subjacente aos títulos escolhidos para cada uma das estórias/narrativas, aponta para um país muito menos laico do que aquilo que se poderia pensar, atendendo a que estamos na em plena Europa do século XXI, conforme se adivinha pela leitura da epígrafe de Alexandre O’Neill:



O Padreca, o diabo, a criadita,


o tarata, avelha alcoviteira, o galã


e, às vezes, um verdadeiro rato branco trapezista


tramaram para nós a estafada estória


da nossa própria vida



Aqui o trabalho quase de antropólogo efectuado por Miguel Carvalho funde-se com a missão do repórter, envolvendo as gentes do interior Norte e Centro de Portugal. A escrita é em Aqui na Terra é dotada de um toque de comicidade, que leva o colorido das personagens reais destas estórias e dá um sabor todo especial e pitoresco à obra. No entanto, Aqui na terra é um licvro onde sobressai humor, muitas vezes crítico e sarcástico, mas sobretudo humano, deixando, por vezes, transparecer alguma desilusão face a um vento de mudança que, nalguns recantos deste rectângulo do extremo ocidental do continente europeu nem chegou a soprar. Onde nos apercebemos que, por exemplo, que na meca do turismo religioso em Portugal existem contrastes chocantes, apresentando-se como um lugar onde se constata a cegueira de um povo dentre o qual, tal como no livro de José SaramagoEnsaio sobre a Cegueira -, só os santos mantém os olhos abertos mirando, com sobranceria, a humanidade.



Estórias como “O Cónego” ou “A Seita” evidenciam aqueles que detêm a audácia de remar contra a maré ideológica terão de pagar a factura com juros de agiota. Tanto em 1976 como nos dias de hoje. Sobretudo nas localidades onde governadas por gangsters e onde o tempo parece não correr, onde tudo permanece tão imutável como no tempo em que Eça de Queirós escreveu A Cidade e as Serras.



O monólogo do narrador na crónica do Festival de vilar de Mouros é, definitivamente, brilhante em termos de dotação de qualidade literária, pela fina ironia empregue de forma magistral ao longo de todo o texto, característica de que se serve o Autor para pintar todo um quadro de comportamentos sociais e, ao mesmo tempo, comparar de forma crítica e lúcida os gostos musicais de várias gerações cujos valores, formas de estar de estabelecer comunicação com o outro se projectam na música…



Logo a seguir, o Autor faz-nos chegar um apetitoso estudo sobre o universo da chamada “música pimba” a confirmar o gosto colectivo e secular, tradicionalíssimo e cultural, bem português, pelas cantigas de escárnio e mal-dizer.



Por último, a pérola negra da obra: a crónica “O Imaculado”, ou a dissecação de uma figura ávida de poder e, também, a mais sinistra personagem do livro, cuja leitura aponta alguns indícios acerca da extensão do poder do vil metal, na consolidação e expansão de pessoas individuais que se colocam acima da lei e se infiltram nas esferas do poder através de ameaças, intimação e violência, verbal e física, actuando como algumas personagens “O Polvo” , uma popular série italiana de há algumas décadas atrás, a causar a asfixia da estrutura daquele que deveria ser o poder legítimo.



Que os deuses tenham piedade.



Se puderem.



Se conseguirem.



Se os deixarem.






Cláudia de Sousa Dias

10 Comments:

Blogger Maria said...

Aonde é que descobres estas pérolas?


beijos

8:38 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

ahah...!

está à venda na FNAC.


o Miguel é um dos principais repórteres da Visão, e também um dos editores da revista.

na revista "Única" foi-lhe artribuída a classificação de 5 estrelas...!

logo...vale a pena!


:-)))

beijinhos


csd

10:39 PM  
Blogger Unknown said...

Olá Claudia,

Adoro passar por cá, as reviews estão sempre muito completas.

Sugiro só 2 coisinhas, um search ou um Index por autor (tag). É que as vezes quero saber se já leste um dado livro, e não consigo chegar lá.

Bj grande.

11:33 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

obrigada Marcelina!

vou tentar descobrir como é que isso se faz...


beijinhos


csd

4:58 PM  
Blogger Deveras eu said...

Olha, fiquei muito surpreso com a comparação com Letria, eu não o conheço muito bem, mas quando pequeno li 'o homem que tinha uma arvore na cabeça', e me marcou muito. obrigado. Não faz muito tempo, meu gosto pela musica portuguesa, em especial pelo zé afonso, me levou até outras coisas do Letria, e de repente seu comentário. Vou procurar conhecer melhor.
Gostei do seu blog, li o texto sobre os escritos da Frida, sou apaixonado pelos escritos, e pelas cartas, muito sensivel teu comentário.

até mais.

9:36 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

bem, Deveras...eu fui parar< ao teu blog durante uma pesquisa na qual eu procurava a letra do diálogo c'est toi? c'est moi! da Carmen de Bizet. e fui dar com o teu blog e a um post da Maria Callas. estive a dar uma vista de olhos e gostei muito. o poema lembra-me uma colectanea onde participava José Jorge Letria, com poemas elegíacos inspirados na figura de Carmen...

sublimes.

o teu está muito dentro da linha...


abraço e parabéns


csd

9:42 PM  
Anonymous Anonymous said...

(Deveras é meu antigo blog, loguei dessa vez no blog certo 'franciscoferraz')

Claudia, só agora me dei conta de que você é portuguesa. Sou brasileiro, mas o carinho que tenho por essa terra (sou mesmo apaixonado), torna o seu comentário ainda mais valioso para mim.
Seu blog já entrou na minha lista de leitura.

um beijo.

4:44 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

que giro...!
também não tinha reparado que o Francisco é brasileiro...



csd

4:38 PM  
Blogger Teresa said...

Delicioso :))))

Beijinhos
T.

10:30 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

obrigada!


beijinhos para ti também e um bom fim-de-semana!


csd

9:37 PM  

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