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Friday, August 28, 2009

“Por amor a Che” de Ana Menendez (Civilização)


Apesar desta Autora, filha de exilados cubanos a residir em Miami, não ser muito conhecida no panorama literário português, a sua obra ficcional começa a causar impacto no universo literário internacional. E apesar, também, da máquina de marketing compará-la a Isabel Allende ou a Gabriel García Márquez, a verdade é que Ana Menendez distancia-se largamente dos seus dois colegas do Chile e da Colômbia. Da primeira, pela neutralidade, em termos políticos, que podemos observar na sua escrita; do segundo, pela ausência das marcas típicas do realismo mágico. A linguagem utilizada por Menendez reparte-se em dois estilos opostos, que estão presentes no romance e são a projecção da personalidade das duas protagonistas – mãe e filha –, completamente opostas. As cartas de amor de Teresa, escritas num tom intimista e emotivo, parecem retiradas das páginas de um diário no qual é relatado um romance clandestino entre aquela e o líder revolucionário argentino Che Guevara. Como contraponto, temos os relatos jornalísticos, elaborados pela filha, onde se pode observar uma escrita paisagística e fotográfica, mais fria e objectiva do que o discurso passional e inflamado da mãe. A narradora é pródiga em descrições detalhadas mas depuradas da componente emocional, mesmo durante os diálogos travados com os habitantes de Havana ao longo das suas deambulações e durante a realização das investigações voltadas para a reconstituição das peças do puzzle que é o próprio passado familiar, o qual parece estar ligado ao do líder revolucionário.

No discurso elaborado pela jovem, durante ambas as visitas efectuadas a Cuba referidas no romance, com um intervalo de cerca de dez anos, estão patentes os sinais que caracterizam uma mega reportagem, entremeada por várias entrevistas ou diálogos com os habitantes locais, que servirão de elo de ligação com a história da segunda protagonista – Teresa. No início do romance, é mencionada a infância e os primeiros anos de juventude da jovem com o avô, sendo de notar a ausência parental. Ambos estão – tal como a família da Autora – exilados em Miami, sendo esta cidade o ponto de partida quer para a investigação quer para o relato do romance propriamente dito.

As deambulações da filha de Teresa pelas ruas de Havana fazem-se em dois momentos distintos: a primeira, no início dos anos 1990; a segunda, nos primeiros anos do século XXI, já no final do “reinado” de Fidel Castro, que está já a anos-luz de distância do passado de guerrilha ao lado do revolucionário médico argentino.

A miséria crescente e os complicados esquemas para obtenção de dólares americanos pelos habitantes locais, que enganam descaradamente os turistas incautos, o peso do poder da moeda norte-americana entre os locais, o violento contraste social entre a esmagadora maioria que vive na extrema miséria e uma minoria arrogante e obscenamente endinheirada, as lojas de luxo ao alcance de apenas muito poucos e a proliferação da prostituição de luxo, são algumas das questões incómodas captadas pelo olhar objectivo da Autora, que desempenhou, tal como a sua personagem, durante muito anos, a função de repórter antes de se dedicar a tempo inteiro à ficção.

Na história obtida a partir das cartas de Teresa que são, a cada passo, integradas na trama que envolve o tempo dedicado à investigação, deparamo-nos com a recordação de uma época, os anos 1950 e 1960, e a reconstituição de uma Havana desaparecida que passou por uma viragem de 180º em termos políticos.

A temática abordada por Teresa incide, sobretudo, no mistério da atracção erótica que não cabe nos limites estreitos de uma explicação racional, mas que obedece a um estranho magnetismo animal e a uma espécie de instinto natural que os humanos desenvolvem para activar e receber o prazer. Através de Teresa, a Autora constrói uma estória de ficção, envolvendo uma personagem histórica, cuja verosimilhança nasce de uma investigação detalhada, documental e fotográfica, de onde emerge a escrita marcadamente imagética da Autora, sublinhada pela visita aos locais actuais das ruas de Havana que lhe permite comparar a paisagem contemporânea com a de há meio século atrás. É a partir desta necessidade de reconstituição de uma época que a Autora projecta na filha de Teresa, a obsessão por fotografias antigas, as quais utiliza como janelas para vislumbrar o passado.

A escrita posta nas cartas de Teresa torna-se bastante rica, em termos literários, pela exposição de uma personalidade solitária e melancólica - e é unicamente neste ponto que Menendez se aproxima de García Márquez –, de grande poder de atracção sexual. Teresa perece ser uma figura bastante carismática no que respeita à capacidade para cativar a atenção do sexo oposto, apesar de não se enquadrar nos cânones dos ideais de beleza da época, onde são valorizadas as mulheres loiras, de olhos e pele clara e formas voluptuosas. Teresa exibe, pelo contrário, uma figura esguia e morena, mas que aprisiona olhares masculinos que, de forma sub-reptícia, se deixam atrair pela figura andrógina, enigmática e, principalmente, pelo seu incisivo e penetrante olhar de artista plástica.

Teresa escreve um romance em forma de cartas, dirigido à filha, o qual só lhe chegará às mãos em idade adulta, onde desvenda o mistério das suas origens.
O tom em que é descrito reveste-se de uma beleza outonal, nostálgica, de uma mulher que está a entrar na velhice, um tipo de “beleza pesada e estranha” (The Times), carregada de melancolia latina, mas “com um toque subtil de aço” ( The New York Times Book Review).

O intenso erotismo despido de qualquer tipo de vulgaridade, a expressão da erosão dos sonhos, causada pelo tempo e a ausência de sentimentalismos piegas vêm conferir à obra um estatuto que coloca muito acima daquelas que seguem a receita do “óbvio” ou do “fácil” pelo qual muita gente se deixa seduzir ao copiar as receitas de sucesso de vendas.

De notar que, a Ana Menendez já lhe tinha sido atribuído o título de The Notable Book of the Year do New York Times pelos seus contos o que deixa, desde já, entrever ser este um livro, com todas as marcas que distinguem a escrita da Autora, uma obra maior e que se lê com prazer de um verdadeiro bibliófilo.


Cláudia de Sousa Dias

12 Comments:

Blogger Roberto said...

Eu gostaria de traduzir scrvi tudo para saborear seus pensamentos!
Beijo
Roberto

1:27 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

oh...obrigada.

mas não são pensamentos mas as leituras que faço dos livros e de como os interpreto.

um beijo

csd

1:32 PM  
Blogger Gustavo Carneiro said...

Qualquer dia tens de nos explicar essa tua evidente fascinação pela américa latina... :-)

3:15 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

é o calor...e o tempero, Gustavo!


csd

3:21 PM  
Blogger Teresa said...

Olá Cláudia.
Como te dizia no meu "cantinho", que saudades de ti :))

Vim dar um beijinho.

Vou ver se arranjo esse livro...:)

T.

8:10 PM  
Blogger anareis said...

Querido(a) novo(a) amigo(a),estou precisando muito da ajuda de todos os amigos. estou montando uma minibiblioteca comunitária pra crianças e adolescentes na minha comunidade carente aqui no Rio de Janeiro,se voce puder me ajudar estou fazendo uma campanha de doações. pode doar qualquer quantia no Banco do Brasil agencia 3082-1 conta 9.799-3, ou pode doar livros ,ou pode doar máquina de costura, ou pode doar retalhos, ou pode doar computador usado. se quizer fazer aguma doação entre em contato com meu email: asilvareis10@gmail.com ,eu darei o endereço de remessa. se voce não puder me ajudar com doações pode divulgar minha campanha, tenho 2 blogs no google gostaria da sua visita: Eulucinha.blogspot.com ,obrigado pela sua atenção.

1:48 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

obrigada, Teresa!

beijinho retribuído.


csd

4:40 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

de nada...

csd

4:41 PM  
Blogger Maria said...

Passei aqui só para te desejar um bom weekend ^-^


aproveita-o bem!

4:01 PM  
Anonymous Julieta said...

Olá Cláudia!

Eu sou moito gustosa de conhecer tuo blog, e de saver que voce gosta da américa latina!

excusa meu portuñol!!

meu blog:

http://vueltaaldia80mundos.blogspot.com/

un beijo,

Julieta/Argentina

8:15 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

obrigada, Maria!

beijinho retribuído.


csd

10:18 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

obrigada Julieta!

tb gostei do seu blogue.

csd

10:26 PM  

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