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Bibliomaníaca e melómana. O resto terão de descobrir por vocês!

Thursday, October 08, 2009

“Terna é a Noite” de Scott.Fitzgerald (Relógio d’Água)


Imagem: quadro de Tamara de Lempicka que serviu de base à capa do livro editado pela Relógio d'Água em 1991

Escrito nos anos trinta, Terna é a Noite possui uma faceta autobiográfica bastante vincada: findo o casamento com Zelda, Fitzgerald solitário, refugia-se no álcool e na memória de um casamento cheio de convulsões devido, em grande parte, à doença da esposa, afectada pela esquizofrenia.


A temática de Terna é a Noite é rica e envolvente porque dotada de verosimilhança, sobretudo no que diz respeito ao desenvolvimento e amadurecimento das relações conjugais, ao incidir abarcando a convivência quotidiana com uma doente de esquizofrenia e, também, no contacto com as consequências de situações de abuso sexual, pedofilia, nas máscaras subjacentes ao desempenho dos papéis sociais aos quais corresponde determinado estatuto, na ligação do alcoolismo ao stress e à frustração de expectativas e ambições e sobretudo ao delicado relacionamento que se estabelece entre um médico e uma doente, quando estas duas categorias de pessoas se tornam um casal.


A primeira parte do romance passa-se na Riviera Francesa em 1925, onde o casal Diver vive rodeado de uma atmosfera de luxo e trava conhecimento com um elemento que acaba por ser o catalisador que irá precipitar o fim da relação - a jovem actriz Rosemary Hoyt. Aliás, nesta fase, a narrativa chega-nos, precisamente, pelo olhar de Rosemary, que recorda a forma idílica como conheceu o casal, alguns anos depois de os factos acontecerem.

O segundo abalo na relação dos dois protagonistas é precipitado pelo aparecimento de Tommy Braban, o milionário arrogante e algo exibicionista, que dará o golpe definitivo no casamento de ambos.


A primeira parte serve assim para dar a conhecer o cenário onde decorre a parte principal da acção – numa pequena povoação à beira-mar de Cannes - e apresentar as personagens e a forma como se articulam, definindo a orientação do desenvolvimento da estória.


Personagens

Assim, Nicole Warren Diver é uma jovem de vinte e quatro anos, que domina a praia defronte do hotel onde está hospedada, no apogeu da sua beleza: “…estatura alta e imponente, semelhante a uma estátua de Rodin, feições correctas, boca discreta”.


Nicole é extremamente rica, herdeira de uma das maiores fortunas dos Estados Unidos. Tem, ainda, uma personalidade esfíngica que magnetiza aqueles que a rodeiam. No entanto, quem convive diariamente com Nicole apercebe-se de seu temperamento inseguro e do raciocínio desorganizado: “Acolá existia um poço cuja cobertura estava sempre molhada e escorregadia, mesmo nos dias mais quentes. Nicole (…) gostava de ser activa, embora às vezes desse a impressão de indolência que era ao mesmo tempo estática e evocativa. Resultava isto de conhecer vários mundos e não acreditar em nenhum deles e assim, conservava-se silenciosa, compartilhando a sua urbanidade com uma exactidão que se aproximava da mesquinhez.”


A raiz desta personalidade reside num facto ocorrido nos primeiros anos da adolescência cujas consequências são a perda de confiança em elementos do sexo masculino. Confiança que é, aos poucos, reconquistada com a ajuda de Dick, conceituado psicólogo que exerce actividade na prestigiada clínica Suíça onde se conhecem vindo a casar alguns poucos anos depois.


A narradora Rosemary Hoyt começa por ser uma adolescente fortemente influenciada e manipulada pela mãe, a qual utiliza a beleza da filha como capital, investindo com a frieza de um agente de marketing na carreira da filha como actriz. Elsie, a mãe de Rosemary, “…casou duas vezes e o seu estoicismo bem-humorado não fizera mais do que aprofundar-se (…) e qualquer deles deixara um património que Elsie empregara na educação da filha (…) cultivava na rapariga um idealismo que ao presente a levava a ver o mundo pelos olhos da mãe (…). (…) Nutria prudente desconfiança por tudo o que fosse trivial, vulgar; contudo, o inesperado êxito da filha no cinema aconselhou a senhora Speers a achar oportuno conduzi-la a sentimentos afectivos: não lhe desagradava que o idealismo forte, exigente e inquieto de Rosemary se concentrasse em algo que não fosse ela mesma”. Mrs. Speers educa, portanto, Rosemary para que possa garantir a própria independência e fazer sempre aquilo que tem vontade: "Eduquei-te para o trabalho e não propriamente para casar (…) joga todos os recursos. Aconteça o que acontecer não serás prejudicada porque estás economicamente garantida”. Mais tarde, o segundo narrador, faz a ligação desta forma de pensar ao verdadeiro temperamento da jovem ao reflectir que apesar de moldada pela mãe: “ O seu fundo real tem muito de irlandês: romântico e ilógico”.


Rosemary, nos primeiros dias da estadia na Riviera, começa por se entediar. A calma e a tranquilidade do lugar, feito para umas férias pachorrentas, não se adequa ao seu impulso adolescente para a aventura e diversão. Rosemary achava a vida em França vazia e antiquada. Até conhecer os Divers.


Dick Diver, o marido de Nicole é um psiquiatra completamente integrado no mundo científico e académico da Europa, tendo publicado vários livros, inspirados na corrente psicanalítica que na época era considerada de vanguarda. Conhece Nicole Warren, durante o internamento desta, no hospital onde trabalha conjuntamente com o Dr. Dömller, seu amigo e mentor. Dick acaba por apaixonar-se pela jovem, sendo que não é o responsável directo pelo tratamento desta, cuja terapia está, na realidade, a cargo do colega.


Um dos momentos mais importantes de toda a narrativa é a cena que incluiu o diálogo entre o pai de Nicole e o médico desta, o Dr. Dömller, onde o Autor consegue imprimir, num primor de subtileza, a verdadeira personalidade do pai da jovem, camuflada nas entrelinhas: trata-se de um ser vaidoso e egocêntrico, excessivamente preocupado com a imagem e o estatuto e por isso dado a atitudes de pendor hipócrita.


O diálogo entre o médico e o pai de Nicole desenvolve-se de uma forma inteligente e perspicaz. Um combate do qual Warren sai irremediavelmente derrotado, posto a nu olhar aquilino de Dömmler. Nas falas de ambos os interlocutores, o leitor mais atento poderá encontrar as falhas, as contradições as incongruências, as mentiras, que constroem a máscara exibida por uma sociedade pelo suposto perfeito cavalheiro que é, na verdade, um sujeito perito em esconder-se atrás de uma aparência irrepreensível e de um estatuto intocável.


Dick é, no entanto um homem que, apesar de liberal tem uma educação marcadamente conservadora: no início, sente-se desconfortável face à disparidade causada pela abissal diferença no que respeita à sua situação económica e a de Nicole. Por outro lado, a atitude demonstrada em relação aos negros assume um carácter paternalista, sobretudo na cena em que trata a cunhada de Mary, de origem indonésia, como criada. O preconceito em relação aos homossexuais espelha, também, a crença em voga na época, que preconizava toda e qualquer manifestação fora do contexto heterossexual como uma doença.


O desgaste acumulado pela necessidade de exercer a profissão de médico vinte e quatro horas por dia, fruto da doença da mulher acabará por minar-lhe o equilíbrio psíquico e ajudá-lo a precipitar-se no abismo da dependência do álcool, que usa como anestésico emocional.


Dick, visto por Rosemary


Para a jovem, “Dick Diver constituía uma aventura notável: acreditava-se que fazia concessões especiais a cada um, consoante a sua originalidade, oculta sob compromissos antigos (…) abria-lhes a porta do seu divertido mundo. Enquanto se entregassem por completo, Dick só se interessava por torná-los felizes, mas ao primeiro dealbar da dúvida, ele evaporava-se-lhes à vista, deixando pouca recordação comunicável do que dissera ou fizera.”


O casamento dos Divers e a relação com Rosemary


O casal Diver (“os mergulhadores” que passavam a vida na praia durante a estadia na Riviera) conhece Rosemary em Junho de 1925 na atmosfera de luxo e ócio da Riviera francesa, onde os turistas milionários passam as tardes preguiçosamente entre a praia e o hotel.
Dick sente-se, durante algum tempo, atraído pela extrema beleza e juventude de Rosemary. Esta, por sua vez, deixa-se deslumbrar pela maturidade e refinamento do médico/ psiquiatra o impudor paradoxalmente misturado com a candura adolescente com que se declara a Dick desarmam-no perante a paixão fulminante demonstrada pela jovem.


Inicialmente, a juventude de Rosemary constitui uma lufada de ar fresco em comparação com a personalidade instável de Nicole. Uma vantagem que vai, gradualmente, perdendo à medida que entra na idade adulta e que se vai aperfeiçoando na carreira de actriz, tornando-se frívola à medida que as suas formas vão ganhando contornos mais roliços.. enquanto isso Nicole conserva a figura esbelta da juventude e vai, gradualmente também, afirmando a própria personalidade, à medida que adquire segurança, caminhando no sentido da superação da doença.


Nicole apercebe-se quase instantaneamente da atracção de Rosemary por Dick, os olhares, suspiros, postura, etc…


A situação do casamento de ambos é descrita pelo poema declamado por Lanier, filho do casal. Trata-se de uma provocação do autor, ao colocar uns versos aparentemente inocentes na boca de uma criança que deixam, subliminarmente, transparecer frases de elevada conotação erótica a ilustrar a relação do casal sem que, aparentemente ninguém se aperceba.


O Rival


Tommy Braban entra, logo no início do romance em acesa competição com Dick, com o objectivo de cativar a atenção de Nicole, desvalorizando o marido, Tommy não duvida nem por um momento de que sairá vencedor. Comporta-se como um verdadeiro militar, utiliza o pensamento estratégico, um César nascido para o triunfo, que no entanto adopta uma atitude descaradamente chauvinista em relação às classes sociais mais humildes, não as considerando como pessoas e ao olhá-las como a cidadãos de segunda categoria. É como é o caso da opinião que exprime quando lhe perguntam se não tem curiosidade em saber o que se passa na cabeça dos criados referindo-se-lhes como "…mentes velhas, fragmentos de loiça, pontas de lápis…”, a que se junta um ódio vincado ao mundo onde está implantado o regime comunista. Apesar de tudo, Nicole insiste em vê-lo como um herói, apesar da sua arrogância. Porque a ela sim, trata-a como a uma igual. Braban é alguém que não está constantemente a analisá-la ou a interpretar as suas atitudes como faz o marido, levando-a a condicionar o comportamento e a agir consoante expectativas que não são a s suas.


Os Americanos vistos por um Socialista Europeu


Das diferenças ideológicas nasce o confronto entre Tommy Braban e o Casal McKisko. Trata-se de um par algo pedante constituído por um escritor que pretende ascender à categoria de Joyce, sem nunca o conseguir, refugiando-se no álcool, sem nunca ultrapassar a fronteira de mediocridade, juntamente com a esposa, Violet, a fazer coro com ele.


McKisko e Braban, entram em conflito, uma vez que o escritor sente dificuldade em aceitar a imposição de alguém a cuja obtusidade o coloca numa categoria inferior a si próprio.


“ … perante um homem que lhe parecia obtuso e a quem não reconhecia superioridade preferia concluir que Braban era o produto de uma mundo arcaico e, como tal, desprovido de valor. O contacto de McKisko com as classes privilegiadas da América impressionara-o contra o pretensiosismo destas…” Braban é obviamente incluído nesta categoria.


Terna é a Noite


As noites na Riviera são suaves, amenas, ternas. De uma tepidez que confere ao cenário todo um clima propenso à sedução e ao romance.


Um sortilégio que envolve todas as personagens cujos defeitos contrastam com o esplendor do cenário. O autor utiliza, aqui, a ironia para sublinhar determinadas atitudes das personagens sobretudo nos aspectos mais torpes. O lixo emocional disposto e exposto, sobre um fundo de luxo, beleza e glamour:


Envolvera-os a magia daquele sul quente e suave: a noite de garras de veludo; o marulho distante e fantástico do mediterrâneo”.


Uma personagem que parece ser recorrente em Fitzgerald é a do artista que se afunda numa espiral de auto destruição. Neste romance é-lhe atribuído o nome de Abe North, o músico suicida, alcoolizado, personagem idêntica a ao pianista que frequentava a mansão de Jay Gatsby em “O Grande Gatsby”.

As origens Sociais da principais figuras femininas de “Terna é a Noite


No romance “Terna é a Noite” observamos que o trunfo de cada uma das figuras femininas que aí intervêm depende da linhagem e de efectuarem ou não um bom casamento. Nicole é neta de um capitalista americano e de um aristocrata de origem germânica , o Conde Lippe Weissenfeld . No entanto, transita de um casamento com um psicólogo onde se começa a notar a decadência profissional e pessoal para uma união com um portento, protótipo de macho bem sucedido. Mary North esposa de Abe, o músico suicida e depois, de um príncipe oriental é filha de um operário por um lado e descendente do presidente Tyler por outro. O seu estatuto muda radicalmente após o segundo casamento. Já Rosemary, proveniente da baixa burguesia e acidentalmente catapultada para o estrelato, mediante a própria beleza e o calculismo da mãe. É a única que tenta fugir ao enquadramento tradicional nos estereótipos clássicos que são normalmente atribuídos às mulheres: o de esposa e o de cortesã, sem haver lugar ao meio termo ou a uma categoria alternativa. O percurso de Rosemary segue o caminho em direcção à autonomia, dentro do mundo artístico. Corre, no entanto, o risco de vier a ser utilizada pela poderosa máquina do marketing da Meca do cinema que tende cada vez mais a empurrá-la para a segunda categoria.


Há várias considerações de carácter social que são referenciadas no texto como por exemplo, as oscilações de humor, tipicamente anglo saxónicas, em Paris, principalmente no que toca aos americanos. O autor explica, também, o crescimento do capitalismo a partir do desenvolvimento das necessidades ou capricho dos ricos a partir de uma ida às compras de Nicole.
É prestado também o tributo à amizade como o afecto mais duradouro porque despromovida de interesse ou desejo de posse: “…ao contrário dos amantes, não possuíam passado ; aos contrário dos esposos não possuíam futuro”, referindo-se particularmente à relação de Abe North e Nicole.


Outra referência de particular importância é o facto de aos negros ser-lhes vedada a entrada em hotéis de luxo na Paris e na Riviera do período entre as duas grandes guerras.

Terna é a Noite é, por isso, um maravilhoso fresco que expõe o retrato social de um tipo de elite que marcou uma época: a alta sociedade da era do jazz nos países anglo-saxónicos, que se movimentam dentro e fora do seu país, nem sempre como um peixe dentro de água, e que se destacam pela vulnerabilidade emocional e debilidade que traz a marca da sua queda, na viragem da década.

Cláudia de Sousa dias

15 Comments:

Blogger Fernanda Fiuza said...

qUE INVEJA DE VOCÊ... QUERIA TER TEMPO PARA LER TANTOS LIVORS... bJS!

11:31 PM  
Anonymous samartaime said...

Gosto de blogues diferentes. E o meu «diferentes» pretende significar os blogues não jornalisticos - sejam ou não de jornalistas.
Tenho um certo cansaço do ler e tresler o dia a dia com as suas intermináveis e invariáveis polémicas que não adiantam.

Prefiro blogues destes, que me ensinam, recordam, sugerem outros mundos e viveres.

A sua visita acabou por me proporcionar um encontro feliz.
Bem haja por isso.
E voltarei, certamente.

11:32 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

não leio tantos assim...parecem muito porque me falta tempo para passar os textos manuscritos a computador, por isso eles vão acumulando na gaveta...


csd

11:07 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

obrigada samartime!


também gosto muito do seu!


csd

11:08 AM  
Blogger P said...

Li, já há muitos anos e gostei bastante. Li bastantes coisas do SF, ainda antes da universidade. Tenho que reler.
Excelente texto, Cláudia.
Bj
P.

3:19 AM  
Blogger Maria said...

Li todos os livros dele mas a minha história preferida é The Diamond as Big as the Ritz.


beijinhos e bom fim de semana

2:17 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

obrigada Bau.

como já disse milhentas vezes, é excelente ter o feed -back de quem leu o livro...

um beijinho e bom fim de semana.

csd

2:30 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

ainda não li esse...mas há vários que dele que estão na minha lista. este ano passei "O Grande Gatsby" no Cineliterário.

ciom o Robert Redford e a Mia Farrow.

Muito bom.

beijo grande


csd

2:33 PM  
Blogger -pirata-vermelho- said...

O teu último paragraphe é uma festa

10:58 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

obrigada, Pirata!


csd

10:59 PM  
Blogger Dalaila said...

tu falas dos livros, sempre como se os escrevesses por dentro de ti!

1:02 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

nunca ninguém me disse nada tão belo, Dalaila.

Obrigada


csd

1:58 PM  
Blogger maria de lurdes said...

È um bom resumo para quem deseja ler esta obra sem deixar de ter sempre presente a coluna dorsal deste livro maravilhoso.
Como faço uma leitura bastante fragmentada agradeço muito esta forma estruturada da obra.
Obrigada

11:37 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Obrigada...é bom ter a noção de que este blogue ajuda as pessoas de alguma forma...


csd

11:56 AM  
Blogger Jorge said...

Acabei agora de ler esse livro e gostei bastante.
Fiquei impressionado, ao ler alguma biografia do autor, por saber que a sua mulher também foi internada num hospício e que o escritor morreu com apenas 46 anos devido ao alcoolismo.

12:20 PM  

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