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Monday, September 21, 2009

“O Labirinto das Azeitonas” de Eduardo Mendoza (Casa das Letras)



Eduardo Mendoza desenvolveu aquele que considera “a mais infantil das tipologias da Literatura consagrada ao público adulto” (N.A.), exibindo em O Labirinto das Azeitonas uma invulgar maestria, ao subverter as regras do desenvolvimento da trama policial, recorrendo à inversão da perspectiva com a qual as personagens olham os factos e apresentando ao leitor uma realidade paralela que é positivamente valorizada, partindo do extremo oposto em relação a tudo o que é apreciado pela sociedade de consumo como se, de repente, atravessássemos para o outro do lado do espelho e passássemos a viver num mundo às avessas.


Desta forma, O Labirinto da Azeitonas prossegue no mesmo registo do romance anterior, O Mistério da Cripta assombrada, com o qual partilha o protagonista e algumas personagens, adjuvantes ou oponentes consoante o ponto de vista, como uma elaborada, refinadíssima e impiedosa sátira aos romances policiais tradicionais.

O Labirinto das Azeitonas tem como protagonista um sujeito evadido de um hospital psiquiátrico, socialmente excluído um ser “proveniente da mais baixa extracção social” (N.A.) cujo percurso como delinquente, se enquadra num conjunto de circunstâncias desfavoráveis que o atiram para o manicómio.


No início do romance ao que tudo indica, este doente mental é raptado pelo Comissário Flores, um polícia corrupto para que aquele possa ajudá-lo a solucionar um caso de desvio de uma avultada verba, facto ao qual parece estar ligado uma série de assassinatos.


O rapto do protagonista, dentro dos muros do hospital psiquiátrico onde se encontra internado, é o ponto de partida para uma história norteada pelo absurdo e que, ao contrariar abertamente as normas do realismo e da verosimilhança, se centra “nas normas e peripécias de um homem que percorre a cidade pelos telhados e pelo subsolo, obrigado, só Deus sabe porquê, a ver apenas o reverso das coisas” (N.A.).


Trata-se de um romance povoado de personagens burlescas e situações delirantes como aquela em que o piloto regressa ao serviço ,depois de ser operado às cataratas. Ou dos passageiros que apagam os cigarros e guardam as beatas atrás da orelha.

Também as cenas passadas dentro do manicómio, mostram a inversão da perspectiva com um ridículo Doutor Sugrañes cujo comportamento obsessivo compete a todo o momento com o dos loucos, sendo as suas ordens constantemente desautorizadas pela exposição ao ridículo.

A introdução de nomes hilariantes/alcunhas atribuídas aos “hóspedes” do manicómio tornam a obra suculenta, sobretudo quando nos deparamos com designações como

Pepito Purulências, atribuídas a seres humanos.


O próprio protagonista tem um aspecto entre o cómico e o ridículo, motivado pela forma inadequada de se apresentar nas diversas ocasiões, chegando a andar pelas ruas ora travestido ora ataviado apenas e só com uma gabardina. Ou ainda em trajes menores, de pijama na rua, ou simplesmente com um lençol enrolado à cintura.


O seu amigo e auxiliar, o professor de história Dom Plutarquette Pajarell – nome que é só por si uma paródia – é um intelectual cuja extrema ingenuidade cativa instantaneamente a simpatia dos leitores. As peripécias deste Plutarco dos subúrbios casam fortes ataques de hilaridade pelo acentuado contraste entre o elevado nível de erudição exibido e o ridículo a que se expõe, conferindo um tempero irresistível às suas desventuras, sobretudo aquelas que envolvem os amores como a sua primeira paixão, a repugnante Pustulina Mierdalojo.


A irmã do detective, ironicamente chamada de Cándida, é uma rapariga de alterne tal como todas as mulheres com quem se relaciona, que estão directa ou indirectamente ligadas ao comércio do sexo. E que se verão envolvidas na intrincada história, tecida à volta de uma mala com uma fortuna em dólares, roubada, e cuja pista vai ter a uma misteriosa fábrica de azeitonas recheadas.


Também o pseudo ministro Ceregumio Lavaca representa uma sociedade que está a apodrecer pela base onde nada é o que parece, dando corpo a um ministro elegantemente vestido mas que exibe uma tatuagem com a inscrição todas putas no braço e que da champagne a beber pelo copo dos dentes, às visitas. Um ministro que é na verdade um actor de filmes porno em final de carreira - Toribio Pisuerga, de seu verdadeiro nome – que se dedica a fazer publicidade de mau gosto onde surgem slogans como Com pomada de artista, não há hemorróida que resista assumindo publicamente a faceta kitsch. O protagonista utiliza frequentemente, à laia de subterfúgio, a submissão aparente para escapar a situações difíceis, conseguindo, desta forma, expor o suposto potentado ao ridículo, submergindo-o na própria vaidade.


Eduardo Mendoza é exímio em colocar em evidência o servilismo da sociedade da avidez e do desperdício, que idolatra o poder e o dinheiro, dedicando-se a adular quem detém o primeiro para obter o segundo ou vice-versa: um exemplo elucidativo é a cena em que o protagonista provoca o vómito dentro do avião só para dar uso aos sacos de papel aí dispostos para o efeito. Nesta atitude, podemos encontrar várias leituras possíveis: em primeiro lugar, uma crítica a uma sociedade que procede a soluções paliativas para evitar consequências desagradáveis ao invés de se apostar na prevenção como, por exemplo, evitar as zonas de turbulência, solução que implicaria custos que a empresa não estaria disposta a suportar. Tal como a recepcionista do hotel barato, que ignora o cliente mal vestido enquanto corta as unhas dos pés, assinala uma desadequação do comportamento típica uma sociedade em franca decadência no que respeita aos valores.


Utilizando o recurso ao ridículo, o Autor serve-se do protagonista anónimo - que acumula as funções de narrador, contando sempre a história na primeira pessoa, atémesmo no momento é que é raptado do manicómio - o qual assume a postura de um Dom Quixote alienado a lutar contra moinhos de vento que toma por gigantes assemelhando-se a um Padre António Vieira com o serão aos peixes, mas utilizando o humor cáustico ao invés da alegoria.


Na frase “…se todos fossemos milionários e não tivéssemos de trabalhar para ganhar para os feijões, não haveria futebolistas, nem toureiros, nem cançonetistas, nem putas, nem ladrões e a vida seria muito cinzenta e este planeta um lugar muito triste”, o virote é inequivocamente apontado para as figuras que aparecem continuamente nas revistas cor-de-rosa e nos media em geral, susceptíveis de serem admiradas e imitadas pelo público.


A este facto liga-se a evidência com que o dinheiro abre quase todas as portas, servindo de atenuante aos comportamentos mais excêntricos ou inadequados, como no momento em que o detective louco entra na fábrica, envergando apenas um lençol enrolado à cintura, sendo-lhe franqueado o acesso ao gabinete da direcção naqueles trajes depois de exibir, diante dos olhos ávidos da recepcionista, a polémica mala com o seu conteúdo.


Enquanto isso, o “Zé Povinho” espanhol anestesia-se da realidade miserável com as propriedades opiáceas dos desafios de futebol, que até lhes dá a oportunidade para cultivar um exacerbado nacionalismo: é a única forma de o conseguirem fazer. Uma dependência que é aproveitada por todos os que enriquecem à custa de quem vai, por exemplo, ao café ver o desafio mas que tem de se sujeitar à agiotagem nos preços imposta pelos donos, consoante o horário a que cada qual se senta à mesa, atingindo o valor máximo à hora do jogo. O pretexto para o exercício da xenofobia encontra, assim, no futebol, uma porta para se disseminar tal como se vê nas frases “Quem joga?”; "A selecção nacional contra uns cabrões”.


A narrativa está,também, polvilhada com um toque de surrealismo, patente na cena à porta do mosteiro altura em que observam uma procissão de “fantasmas”,camuflados pela neblina e que está estranhamente ligada à fábrica das azeitonas que a une ao mosteiro.


O romance é, como já vimos, uma radiografia de uma sociedade cujo edifício económico parece estar assente numa base de negócios paralelos, efectuados à margem da lei, tal como o glamour aparente da maior parte das figuras idolatradas na alta sociedade a ocultar a vulgaridade, a frivolidade e a ignorância.


Em contraste, a simplicidade dos frades que habitam a clausura in extremis no mosteiro enclausurados e subjugados pelo medo da manifestação dos próprios desejos. O mergulho no abismo da loucura por parte de alguns deles, cria uma intrigante semelhança entre os ocupantes deste edifício e os do hospital psiquiátrico, vivendo estes em condições ainda mais desumanas do que os primeiros, ajudando a extrema solidão a precipitar estados de senilidade ou favorecendo o desenvolvimento da esquizofrenia. Uma chamada de atenção para o perigo do excesso da austeridade no cumprimento das normas.


A história termina exactamente da mesma forma que começou, sugerindo um desenvolvimento circular. Uma chamada de atenção face à situação de imobilismo, relativamente aos problemas estruturas que enfrenta o país.


Um labirinto espelhado onde tudo é visto ao contrário de tudo aquilo que é convencional. Onde até o castigo é visto como um prémio. Onde num mundo enlouquecido pela ganância só os loucos alienados conseguem ser felizes. Na ignorância.


Cláudia de Sousa Dias

12 Comments:

Blogger Zaclis Veiga said...

Que boa sugestão Claudinha. Aliás, adoro passear por aqui.
beijo grande
Zaclis

4:32 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

obrigada, Zaclis!

beijinho grande

csd

10:02 PM  
Blogger P said...

Parece-me empolgantemente divertido!

10:18 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

é extremamente divertido sim, Bau!

o perigo de ler em público é corrermos o risco de rir sozinhos, enquanto os outros acham que deveríamos passar uma feriazinhas no manicómio...

:-))))

...!


CSD

10:14 AM  
Blogger P said...

Percebo. A mim não me preocupa. Acho que os meus colegas andam na dúvida: até poderia ser um 'académico' (o que é isso?) com futuro mas brinco demais (sou o 'puto que anda sempre bem disposto' e, já se sabe, muito riso corresponde a pouco juízo... Se ando sério é porque... Enfim, deixemos estas lamúrias! Vou recomendar o livro a um colega/amigo (também os há) que, tenho a certeza rirá em público (embora já não tenha nem idade nem estatuto para tal) [bolas! ando mesmo amargo!sorry...]

1:36 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

há idade ou estatuto para rir...


que horror!
eu diria que estamos a vive ro filme "O Nome da Rosa"...

CSD

3:43 PM  
Blogger P said...

Pois é...

12:39 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

deve ser por isso que só tu e a Zaclis que tem um humor fabuloso é que gostaram deste livro...

;-)

csd

12:48 AM  
Blogger Teresa said...

"só os loucos alienados conseguem ser felizes. Na ignorância." Uhm.... boa caricatura da sobrevivência :)))

Beijinhos
T.

10:33 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

pois...nos dias que correm...


csd

9:36 PM  
Blogger Claudia said...

Também adoro suas sugestões!!
Aprecio a facilidade com que transmite sua emoção e faz com que queiramos conhecer os personagens das obras. Compreender o autor, seu momento e sua época, também. Tenho um blog que não fala apenas de literatura - conta sobre outros devaneios meus: http://letraspedacos.blogspot.com/

1:31 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

passarei lá, Cláudia.


beijinhos


csd

11:10 AM  

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