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Monday, January 31, 2011

"A Senhora Sócrates" de Gerald Messadié (Quetzal)


Um romance policial, com a Atenas do período da democracia de Péricles como pano de fundo.

É no ambiente do Areópago na Atenas onde se discute livremente a vida da pólis e das relações com as cidades e potências económicas vizinhas que ocorre o violento assassínio, às portas da casa de Sócrates, que é o objecto deste romance. O facto desperta a indignação de Xantipa, a esposa do filósofo, que surge na obra como sendo de origem modesta e nível cultural reduzido, mas dona de uma acutilante espírito dedutivo e incisivo poder de argumentação. Nela, o desejo de justiça é acentuado, sobretudo depois de conhecer o filho da vítima, uma criança desprotegida, a qual mobiliza o seu instinto maternal.

Inspirada por Némesis - a deusa da vingança, temida pelos próprios deuses, pelos seus castigos terríveis e implacáveis - Xantipa irá, de indício em indício, perseguir a Verdade na busca dos culpados da morte de Filípides. No entanto, o conhecimento público da verdade incomoda muita gente, comprometendo personagens ligadas às altas esferas do Poder. Uma história tão antiga e tão actual. Sobretudo porque o móbil do crime se prende com razões políticas, nomeadamente, com um conflito inter-partidário que envolve democratas e oligarcas e ao qual está, indirecta e inconscientemente ligado, um homem fatalmente belo: Alcibíades, que é, nada mais nada menos do que o sobrinho de Péricles, o primeiro estratega da Cidade.

Na segunda parte do livro, já depois da morte de Péricles, a Xantipa visionária é vista pela população da Cidade como uma sacerdotisa oficiosa de Némesis, uma vez que se empenha em divulgar, em linguagem sibilina, a previsão de que a ruína de Atenas chegará pela mão de Alcibíades.

De facto, a perda da supremacia da Ática face às outras cidades do mundo grego da altura, tem, de uma forma ou de outra, não só a ver com as sucessivas traições de Alcibíades historicamente documentadas, mas também com a instabilidade política que grassa dentro da própria Cidade, posicionada, devido ao seu esplendor, sobretudo cultural e influência política, num alvo preferencial da cupidez dos invasores pois, segundo o próprio autor, "o mel atrai as moscas".

É pela mão de Alcibíades que, primeiro os espartanos e depois os persas, invadem Atenas. O vaticínio de Xantipa cumpre-se e a maldição de Némesis também.

Finalmente, na terceira parte, assiste-se ao triunfo do hedonismo, à procura desenfreada dos prazeres e ao primado do económico a sobrepor-se ao ideal, como sempre acontece em épocas de crise.

Sobrevivem apenas aqueles que, não sendo necessariamente medíocres, por vezes, são mesmo os detentores de um singular espírito crítico e de análise, mas possuidores da capacidade de camuflagem do camaleão, isto é, aqueles que têm a lucidez de permanecerem na sombra como Taqui e Demis, os eternos frequentadores da taberna de Aristides. Para estes, é necessário saber resistir à tentação da procura do protagonismo (hybris) que cabe aos deuses atraindo dessa forma a inveja (phtonos) dos deuses e dos homens medíocres, que é o que está na origem da queda do marido de Xantipa. Pessoas como Sócrates, Protágoras e Anaxágoras, cujo pensamento ultrapassava, em larga medida, a época em que viveram e cujas opiniões jamais poderiam deixar alguém indiferente não têm a mesma sorte uma vez que nunca poderiam ocupar uma posição de segundo plano. Daí serem objecto das intrigas e forçados a acabar os seus dias no exílio.

Por outro lado, a desilusão de Sócrates face à conduta dos chefes responsáveis pelo governo da Cidade-Estado, nomeadamente de Alcibíades e da sua heteria, fá-lo mergulhar num estado depressivo e a não evitar as armadilhas que o levaram à condenação à morte. A desistência da luta pela vida por parte do filósofo ao submeter-se à condenação à morte quando poderia, de facto, optar pela fuga e pela vida no exílio, deve-se ao facto de os seus ideais não se enquadrarem na sociedade da época e a certeza de que, fosse ele viver para onde fosse, a história repetir-se-ia.

A escrita de Gerald Messadié, autor de "L´Homme qui devient Dieu", " Histoire Générale de l'Antisémitisme" "Moise", "David", "História geral do Diabo", e "História geral de Deus", é provocadora e original, seduzindo o leitor logo na primeira página ao fazer a apologia da beleza feminina, imediatamente seguida da sua antítese, utilizando generosamente o tempero de um humor ácido.

Podemos observar, também, o requintado nível de lucidez durante o jantar em casa de Aspásia, eminente cortesã e amante de Péricles, através de um controverso diálogo entre os convivas e Protágoras, um dos condenados ao exílio por desrespeito aos deuses, fazendo lembrar um pouco o banquete de "Thaïs" de Anatole France. É possível, também, apercebermo-nos de que, nem todas as figuras que conquistam a imortalidade devido ao seu talento são, necessariamente, íntegras, mas por vezes, como é o caso do dramaturgo Aristófanes, facilmente afectado pela Phtonos.

Destaque para o brilhantismo do capítulo intitulado "Advertência aos viajantes", no qual o autor explica a mentalidade do povo grego da altura bem como as suas fragilidades, para além de fornecer ao leitor as pistas que o farão adivinhar o destino da cidade e da desagregação do Império.

Por último, já no epílogo, os comentários corrosivos de Diógenes, o Cínico, deitam por terra a Teoria das Formas de Platão,. Trata-se de uma figura com um papel mais importante do que aquilo que parece já que transmite a sensação de estarmos perante o espectro, a sombra de um Sócrates rebelde, "enlouquecido", ou vindo das sombras, a desmascarar toda uma corrente de pensamento pretensamente socrático, reescrita por alguém que utiliza o prestígio de um filósofo preterido pela sociedade para construir a sua própria reputação sem ter, na devida altura, lutado pela sua defesa. Platão não pode surgir mais diminuído nesta obra de Messadié, pela voz de Xantipa.

Um livro que é uma obra prima da literatura contemporânea e que reconstrói um mundo desaparecido, mas que sempre ocupará um lugar preponderante na história da civilização ocidental.

Para o autor "Atenas poderia ter sido eterna. Mas os gregos eram homens." O que só confirma o axioma de todo o império contém em si o gérmen da sua própria destruição.




Cláudia de Sousa Dias

9 Comments:

Blogger M. said...

Apetecia-me ser mais hedonista!
E fiquei com vontade de ler o livro ;)
Bjsss, boa semana!
Madalena

5:26 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Uma delícia.

Mas tu não és já?

Com as coisas boas que tu fazes e a companhia dos gatos que são hedonistas por excelência, acho difícil não seres, pelo menos na medida do possível um bocadinho contagiada por aquela sensual lassidão felina...

:-D

1:05 PM  
Blogger Unknown said...

Claudiamiga

Sou um devorador militante de livros e, muito em especial, dos policiais. Na prática, e para além da família, naturalmente, só existe uma coisa que consegue ultrapassar a leitura: escrever.

Jornalista praticante, dizem que também sou escritor. Dizem... Portantos (sem s) ganhei a vida a escruvinhar e reincido quotidianamente. Com gosto.

Vou já daqui à procura da mulher do Sócrates. O grego, já que o outro, enfim, pois, coisa & tal e etc. O homem leva tanta porrada, que já nem vale a pena participar nos massacres sucessivos.

Pois então, vou em busca da Xantipa e que a encontre depressa, oxalá. Quiçá no Areópago, há dias de sorte, como diziam os falecidos cauteleiros. Cautela e caldos de galinha...

E por aqui me fico. Gostei muito da ideia deste blogue e da concretização dela.

Qjs = beijinhos = beijinhos

___________

Como o meu apartamento não é muito pequeno, tenho para cima de muitos livros; os meus filhos dizem que são mais de cinco mil. Eu nunca os contei

5:05 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Tenho a certeza que é uma boa colecção Henrique.

Vai gostar deste sherlock holmes de saias do tempo de Péricles, sem dúvida. ;-)


csd

5:47 PM  
Blogger -pirata-vermelho- said...

Acabas bem Cláudia.

3:22 PM  
Blogger -pirata-vermelho- said...

Ah, a propósito ali da conversa com a tua amiga...
"nunca cases homens que gostam de cães com mulheres que gostam de gatos"_; aforismo vindo de um filme qualquer, a dar que pensar porque afirmarias tu que gato é coisa sensual.

3:25 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

O mérito é do Messadié.

3:37 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

significa que homens que gostam de cães gostam de mulheres submissas...

:-))

o que pode embirrar com mulheres de temperamento felino.

4:29 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

simpatizo com os cães e tenho carinho por eles mas não os amo.


esse sentimento reservo-o para os meus pares com garras retrácteis.

4:31 PM  

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