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Tuesday, September 15, 2015

"Gustav Klimt: The World in Female Form" by Gilles Néret (Taschen)





A arte, o Eros a rebeldia são as dimensões mais focalizadas nesta publicação que tenta dar a conhecer o génio de um artista misantropo. A Taschen explica neste fascículo o percurso artístico do pintor austríaco Gustav Klimt, inserindo-o e ao seu trabalho no contexto sócio-histórico da Viena no final do Império Austro-húngaro afim de que se perceba o alcance do seu olhar crítico sobre as Artes, as Ciências e as coisas do quotidiano.


O pintor nasce em Viena, na segunda metade do século XIX (1862) vindo a falecer no ano em que termina a Primeira Guerra Mundial e se desagrega o Império Austro-húngaro.

As ideias-chave que surgem nesta síntese e contextualização da obra do pintor por Gilles Néret, historiador da arte, editor e escritor, assentam essencialmente no divórcio dos vienenses entre a realidade (o conflito latente no Império) e a ilusão (a falsa ideia de prosperidade contínua), na sua ligação ao movimento artístico caracterizado pelo secessionismo e simbolismo, no destaque dado ao arquétipo da mulher fatal na sua pintura, a ligação a Beethoven e à temática que perpassa na “ode à Alegria” na  nona sinfonia daquele compositor alemão, nas diversas técnicas usadas do seu trabalho, na profusão dos detalhes e no erotismo na Arte de Klimt. Sem descurar a forma como este artista rompeu com o cânone que dominava a Academia das Artes Plásticas vienense, a qual assentava maioritariamente nas correntes do realismo e do romantismo.

A parte biográfica do trabalho de Néret refere de passagem os pais de Klimt: o pai, gravador e ourives, trabalhando os metais e a mãe dotada de talento musical, mas sem chegar nunca a profissionalizar-se, permanecendo o seu talento oculto, na obscuridade, reduzido à esfera doméstica e familiar. Néret dá a entender que o talento de Klimt foi, desde idade muito precoce, estimulado pela convivência quotidiana com as artes, o que cedo lhe despoletou o desenvolvimento da sua sensibilidade artística: apesar de os Klimt serem uma família de poucos recursos, o jovem Gustav manifava, na adolescência o desejo de se tornar professor de desenho.

Viria a casar com Helena Flöge, em 1891, seguindo-se a morte do pai, um ano depois. Este facto despoleta-lhe um estado de espírito depressivo, sombrio, que acabará por se reflectir durante algum tempo, na sua pintura projectando-se na atmosfera dos seus quadros, que surgiam então com tonalidades mais sombrias e lunares, aproximando-se do trabalho dos pintores simbolistas, seus contemporâneos.

Um pouco antes, em 1890, um seu tríptico, uma alegoria antropomórfica ou melhor ginomórfica, representando a Medicina, a Filosofia e a Jurisprudência, desencadeou reacções bastante negativas na crítica e na elite intelectual vienense que as considerava ofensivas e à sua obra, em geral, pornográfica. Tal não impediu porém que Klimt participasse na Exposition Universelle de Paris, para onde convergiram os pintores modernistas dos quatro cantos da Europa.


Néret ao colocar em destaque a “golden phase” do trabalho do pintor no capitulo dedicado às técnicas revolucionárias na pintura de Klimt, mostra que este é largamente influenciado pelo trabalho de gravador do pai, consagrando aos seus quadros a profusão decorativa dos trabalhos de ourivesaria e a preferência pelos tons de ouro nos seus quadros. Ao longo deste período, o seu trabalho é marcado pelo recurso à técnica da “folha de ouro”, que usa frequentemente para revestir os corpos das figuras femininas que protagonizam os seus quadros, mas Klimt recorre também à técnica do “mosaico”, inspirando-se frequentemente nas figuras icónicas da hagiografia bizantina. O texto de Néret é sobretudo descritivo, de carácter generalista e não propriamente o resultado de uma detalhada interpretação da composição de cada quadro do artista como faz, por exemplo, Yvette Centeno, com um pequeno mas brilhante artigo publicado na Revista Mealibra (de 2005, nº16, série 3), onde faz a análise comparativa do celebérrimo quadro de Klimt “O Beijo” com “O par” (Le Couple) de outro pintor modernista, Arpad Szénes, casado com a pintora portuguesa Maria Helena Vieira da Silva, consistindo este artigo numa reflexão sobre a forma como ambos representam o feminino andrógino na respectiva obra.

Néret põe também em evidência o apreço de Klimt por temáticas protagonizadas por mulheres relacionadas com a mitologia clássica (Dánae, 1907), com as mulheres fatais e sedutoras perversas da Bíblia (Judith, 1901), ou dando corpo a alegorias (O Beijo, 1908). O talento de Klimt torna-o procurado pelas famílias ricas da elite vienense, sobretudo de milionários judeus que lhe pedem que lhes retrate as esposas e filhas. Estas encomendas garantiam-lhe a independência económica de que necessitava para viver exclusivamente da sua arte, sem limites no que tocava à sua própria liberdade de expressão. A ênfase que é colocada neste fascículo por Néret na preferência de Klimt pela representação do corpo, da nudez e  da sensualidade femininos mostram uma mente cujo Eros transfigurava a mulher vulgar, a cortesã vienense ou simples prostituta de rua em deusa, figura bíblica, ou abstracção, imortalizando-a. Esta ideia é, de certa forma corroborada pela já mencionada interpretação que Yvette Centeno faz do quadro “O Beijo” no artigo intitulado “Androginia: de Klimt a Arád Szénes” (Mealibra, 2005:25-28), onde analisa detalhadamente a forma como é representada a Mulher em ambos os quadros., sublinhando o enquadramento mandálico de ambas as obras e o aspecto andrógino de ambas as figuras femininas para passarem os dois trabalhos a divergir, em primeiro lugar, nas tonalidades empregues – Szénes, recorrendo aos tons sombrios, apostando nos contrastes violentos entre tons claros e escuros onde predomina o negro que se destaca na sua composição estética, e Klimt, que opta pelo amarelo-ouro, a espalhar-se como poeira, envolvendo ambos os elementos humanos do quadro, a ponto de os contornos físicos de ambos os corpos se tornarem indistintos. Centeno compara-os, frisando que, enquanto o par representado no quadro de Szénes personifica a união de dois seres que se amam, no quadro de Klimt o que se dá é uma fusão onde os dois seres quase perdem a sua identidade. O Beijo é, portanto, o exemplo perfeito do lugar central que ocupa o Eros na obra de Klimt, ocupando o lugar de primazia que na obra e no imaginário do artista:

«O simbolismo andrógino de Klimt é mais directo e o de Arpad mais discreto. Com Arpad sublinha-se o atelier e a obra (ainda que sublimados); com Klimt evoca-se um paraíso luminoso e sensual. O Par é, a seu modo, um “colectivo”. O Beijo, uma fusão que leva à divisão do par e à unidade de uma única forma primordial. Um andrógino, à imagem do que Platão escreve no Banquete.

(…)

Klimt funde os amantes no beijo, Arpad une, não funde, deixando o par atrás da mesa, não deixando que a projecção total se manifeste: a mesa corta a unidade que o abraço sugere.

(…)

A androginia do quadro de Klimt é colorida, o chão do seu paraíso mandálico é um tapete florido, como o Cântico dos Cânticos, celebra a fusão extática.»

Yvette Centeno in Mealibra, 2005.

Sendo Klimt uma figura esquiva no tocante à vida pessoal, quase um misantropo, como artista é, no entanto, um homem bastante interventivo e sociável: abominava qualquer forma de protagonismo ou narcisismo, não revelando o mínimo interesse em representar-se a si próprio. Como ele próprio afirma (ver  1  ), não desdenhava contudo a participação em eventos associativos ou  de carácter intelectual, sobretudo no tocante à discussão e divulgação das artes em geral: em 1905, fazia parte do movimento secessionista que, depois, se dividiu em duas facções,  cabendo-lhe ocupar o lugar central numa delas. Cada vez mais esquivo e reservado em relação à vida privada, Klimt projectava a imagem pública de um artista de vanguarda do século XX.

Em 1918, o pintor sofre um avc e é hospitalizado. Durante o internamento, contrai uma pneumonia, morrendo pouco depois, sendo enterrado no cemitério de Hietzing em Viena.

Tal como indicia o subtítulo desta publicação da Taschen, The World in Female Form, (O Mundo em formato Feminino) mais do que a sugestão do protagonismo feminino na obra do artista é o facto de a Mulher ocupar o lugar de destaque e de poder no seu imaginário e no mundo que pretende retratar. Uma Mulher que se apresenta como uma construção híbrida entre o divino e o terreno, partindo das “Nini” (nome atribuído às cortesãs e prostitutas da Viena do início do século XX)  que surgem nos seus quadros deificadas e imortalizadas. Estas suas “deusas” despoletaram o embaraço e, por vezes, alguma indignação nos sectores mais conservadores das elites vienenses quer intelectuais quer nda aristocracia. Uma reacção que o pintor soube enfrentar com humor seco, mesclado com uma pontinha de desprezo, atirando-lhes com uma citação do poeta alemão Schiller:

“Kannst du nicht allen gefällen
düch deine Hat
und deine Künstwerkmach
es wenigen recht
vielen gefällen ist.”

[Se não conseguires agradar a todos
enfia o teu chapéu e a tua sabedoria
Haverá pelo menos alguém
que saberá apreciar. (Tradução minha)]


Por cima desta inscrição, no quadro, o retrato de uma Eva com ar de “Nini”, desafiante na sua nudez, ostentando um pequeno espelho na mão, exibindo uns arruivados pêlos púbicos, com a serpente (símbolo ambíguo: ora do conhecimento, ora da tentação ora da sedução erótica) estendendo-se insidiosamente a seus pés, junto à inscrição que dá título ao quadro: “Nuda veritas” (a Verdade nua).

Pela forma como Néret descreve o trabalho de Klimt e faz o seu enquadramento histórico, social e estético, pode-se facilmente deduzir que Gustav Klimt era um homem muito pouco convencional. Mais mais do que isso: dificilmente enquadrável em estereótipos, de pensamento crítico acutilante, um verdadeiro iconoclasta e um homem muito à frente do seu tempo.

O autor desta mini-biografia dá-nos algumas pistas que permitem ao leitor entrever algumas das razões pelas quais se torna tão fascinante o estudo da sua obra, permitindo-se ao mesmo tempo lançar um pouco de luz sobre a personalidade do artista o qual, ao contrário do que afirmava, é alguém muito mais interessante do que aquilo que o próprio deixava transparecer. 

Fica aqui a sugestão de leitura e o desafio à investigação com vista à escrita de uma obra biográfica ou mesmo ficcional. A quem tiver fôlego para tal empreitada.


Cláudia de Sousa Dias
12.09.2025


1“Anyone who wants to find out about me – as an artist, which is all that is of interest – should look attentively at my picturtes.”

6 Comments:

Blogger Yvette Centeno said...

Muito interessante, este ensaio, carregado de boa informação, parabéns, e obrigada pelas amáveis referências!

3:12 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Obrigada eu, Professora Yvette Centeno, pelo material que me disponibilizou e, sobretudo, pela visita!

12:42 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Comentário de Paulo Rufino, no blogue "Um jeito manso":

«Anónimo Anónimo disse...
Claudia Sousa Dias,
Klimt disse um dia que “toda a arte é erótica”. Duvido (e discordo até), mas enfim, são opiniões, embora não me repugne (de todo) a ideia. Klimt produziu inúmeras cenas com mulheres nuas, ou em poses eróticas. Tem obras e variadíssimos desenhos desse tipo. Porquê este comentário? Bem, porque não consegui meter no seu Blogue, visto o acesso ser diferente do que aqui, no do UJM, se pode fazer. Sobre Klimpt haveria muito a dizer. Tenho grande respeito pelo artista em questão.
Cordialidade!»
P.Rufino

outubro 09, 2015

2:00 AM  
Blogger P. said...

E se eu lhe dissesse que não me chamava Paulo, mas outro nome?
Excelente Blogue este seu! Vou passar a segui-lo com mais regularidade. Felicidades! E bom fim de semana.
P.Rufino

5:55 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Obrigada, P. Rufino, pelo comentário em "Um jeito manso" e por passar aqui.


CSD

9:15 PM  
Blogger P. said...

Agora sou eu que vou fazer copy paste daquilo que aqui escreveu, sobre Klimt. Gostei, bastante!
P.Rufino

11:38 PM  

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