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Bibliomaníaca e melómana. O resto terão de descobrir por vocês!

Wednesday, May 25, 2005

“Dentada em orelha de Cão” de Miguel Carvalho (Campo das Letras)


Este livro reúne crónicas/reportagens de Miguel Carvalho, jornalista na revista “Visão”, efectuadas ao longo dos últimos sete anos.

São crónicas de viagens cujo objectivo é dar voz àqueles que têm mais dificuldade em fazer-se ouvir.

São reportagens acerca de vidas que poderiam ser o ponto de partida para um ou vários romances históricos.

Trata-se de um livro elaborado no terreno das emoções de uma realidade concreta de gente que sofre as consequências directas e indirectas dos actos de quem faz a História. E que é, por isso,” uma dentada em orelha de cão”. Um animal que, atacado pela raiva, crava os dentes na carne humana dilacerando-a. O homem-cão, o homem lobo do homem, que devora o próprio semelhante e, para o qual, os fins justificam os meios.

Desta forma, através da janela de um táxi, atravessamos juntamente com Miguel Carvalho a fronteira grega com a Albânia e mergulhamos num mundo diferente: um país que tenta recuperar de uma ditadura pretensamente de esquerda que, ao longo de quarenta anos, transformou a Albânia no país mais pobre da Europa. Um país sob liberdade condicionada.
Miguel Carvalho foca os aspectos culturais, económicos e políticos pela janela de um táxi. As imagens desfilam diante dos olhos do narrador, como se de um filme se tratasse, com o motorista como cicerone. A beleza da paisagem natural contrasta violentamente com o cenário caótico nos centros urbanos. O discurso de Miguel Carvalho é forte, marcado por uma ironia mordaz, quando evidencia o oportunismo político dos demagogos, dos pseudo-democratas e o seu discurso camaleónico, assim como a rapacidade das máfias locais e a sua eficácia extrema na construção de toda uma economia paralela.


Um aspecto curioso é a importação cultural de terras de Vera Cruz: música, novelas, a tradução das obras de Jorge Amado.

A despedida deixa um sabor agridoce a saudade antecipada e uma amizade que permanece.



Na Guiné Bissau, em Janeiro de 2000, dois anos depois da revolta que culminou cm o exílio de Nino Vieira e a tomada de posse por Koumba Yala, Miguel mostra-nos o país mergulhado numa pobreza franciscana onde predomina a “cultura do empréstimo” e do “desenrasque” a par de um sentimento de solidariedade impossível de se encontrar na Europa ou restantes países considerados desenvolvidos. Excepto quando se sobe demasiada mente e demasiado depressa. A ridícula “snobery” de um novo rico é, infelizmente universal.

Um país rico em recursos naturais, mas paupérrimo em infra-estruturas.
O comodismo e a inércia da classe dirigente impedem-na de implementar todo um conjunto de medidas necessárias ao desenvolvimento do potencial de um povo inteligente e sociável.

Outro aspecto focado é a luta pela igualdade dos direitos das mulheres na Guiné Bissau.
Estas começam já a dar os primeiros passos em direcção à autonomia económica, mas há ainda muito por fazer…fica a esperança e a confiança na força do próprio trabalho e criatividade…

As crónicas de Miguel Carvalho sobre o País Basco é um dos capítulos da obra mais bem concebidos por ser um tema “quente” , o qual exige um trabalho de precisão idêntico ao de um perito em desminagem. E Miguel consegue-o. No País Basco, o nível de vida é excelente, quase equivalente ao dos países escandinavos, o que proporciona um notório contaste com o restante território espanhol.

Miguel Carvalho mostra, as duas faces da moeda na questão Basca: de um lado, estão os constrangimentos relativamente à liberdade de pensamento e de expressão quanto às questões políticas; do outro lado, está a relativa manipulação dos media pelo Governo espanhol que, segundo o Autor, imprime uma grande dose de exagero em relação ao clima de insegurança no País Basco. Um tema no qual só se pode mexer com pinças devido às nuances nele contidas e à dificuldade de estabelecer o equilíbrio entre a necessidade de autodeterminação de um povo e do combate ao terrorismo.

Em suma, para os bascos, os fins sãos legítimos, mas os meios nem por isso.

No texto introdutório ao capítulo da Venezuela, está sintetizado, aquilo que é debatido e dissecado ao pormenor ao longo das oitenta páginas seguintes. Este capítulo lê-se como quem vê um documentário.

Nelas vemos que, a uma ditadura que servia apenas os interesses de uma oligarquia – no tempo dos caciques ou dos caudilhos - , sucede um governo de esquerda inspirado em Simon Bolívar ou Che Guevara.

Além das sanções económicas dos EUA ao governo liderado por Hugo Chávez, que pretende que os lucros da exploração das reservas de petróleo revertam a favor do país e do desenvolvimento das infra-estruturas (e proporcionar à população o acesso a necessidades tão básicas como a saúde, alimentação, instrução, electricidade, etc.), o povo venezuelano sofre, ainda, o desprezo de uma élite que estudou em Harvard (ou qualquer outra universidade americana) e, deslumbrados com a cultura dos gringos, desdenham tudo o que é tipicamente Venezuelano.
A crítica de Miguel Carvalho é impiedosamente mordaz, excepto quando fala dos mais desfavorecidos dos esquecidos pela Deusa Fortuna. Torna-se, então, descritivo sem utilizar muito a adjectivação para manter a objectividade. Fala na terceira pessoa e recorre à transcrição dos diálogos com os seus entrevistados (faz, aliás, o mesmo com o presidente Hugo Chávez e com mulher a loira que é o braço armado do presidente).

Anteriormente ao regime de Chávez, o ministro da informação era escolhido pelos grandes empresários porque dele dependiam muitos dos apoios ao estado. Como os tempos mudaram, assiste-se ao boicote dos empresários ao Governo utilizando para isso, segundo o Presidente, os canais privados.

Na entrevista dada pelo Presidente ao autor deste livro, percebe-se um governo que quer incentivar à mudança, mas que tem pontos débeis. Chávez excede-se, por vezes, na linguagem. Não é um retórico, ao contrário de Berisha o pseudo-democrata da Albânia.

Mas é imbatível no que toca à montagem de toda uma estratégia de marketing e promoção da sua auto-imagem. Aquilo a que Miguel Carvalho chama de “um novo conceito de demagogia crioula”. Com um pouco de despotismo à mistura. Na entrevista, é perceptível que o poder começa, gradualmente a transformar a personalidade do estadista, quando este afirma começar a ter a necessidade de ser mais calculista, quando se trata de controlar a voz da oposição.

Já na recta final deste capítulo, Miguel Carvalho apresenta-nos uma crónica relativa à actividade de um livreiro de ascendência lusa, que dá ao leitor a panorâmica geral da transformação das estruturas económicas, sociais e culturais despoletadas pela mudança do regime político. Trata-se de um texto em que o discurso do narrador tem um pendor literário e uma tonalidade poética mais acentuados. Começando logo pelo título, inspirado na biografia de Gabriel García Márquez – “Viver para contá-la”.

A última parte é dedicada ao nosso próprio país que pode ser um paraíso de paz (para um refugiado da guerra do Iraque) ou um inferno de pobreza (para os nativos que habitam aos bairros sociais dos nossos centros urbanos), no qual todas as portas de acesso ao bem-estar e à qualidade de vida se fecham ou o caminho para lá chegar é demasiado íngreme para ser escalado.

Uma ferida que os cravos vermelhos não conseguiram sanar.
Expô-la aos olhos de todos através deste livro servirá, talvez, para identificar o problema, EMBRIONÁRIO MAS REAL – a perda da fé na democracia.

E quiçá, despertar a vontade política para solucioná-lo.

Fica lançado o desafio.


Cláudia de Sousa Dias

5 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Eu gostei de ler o livro. A capa é que está de fugir. Merecia uma capa melhor para as suas histórias esse ilustre jornalista.

8:40 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

É verdade que os olhos são os primeiros a "comprar",tornando o livro mais ou menos apelativo.

Mas sobretudo o que a mim me atrai num livro é aquilo que está escrito na contracapa ou nas badanas...e, claro o nome do autor!

Por isso, quando vejo um título de Moravia, Gabo, Allende ou Reverte que desconheça sinto um impulso imediato que me impele a comprá-los!

Já o primeiro e mesmo o segundo métodos são bastante menos fiáveis...

o primeiropode resultar numa completa decepção e o pode simplesmente defraudar um pouco as expectativas...

Mas, por vezes compensa arriscar...

6:40 PM  
Anonymous Anonymous said...

Tudo bem. Mas eu também acho que o conteúdo do livro do MC deveria estar melhor embrulhado. Porque valia a pena, no caso, o interior, combinar com o exterior.

2:00 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Não digo que não...Porque merece-o, de facto!

4:24 PM  
Anonymous Anonymous said...

citando claudia sousa dias:

atravessamos juntamente com Miguel Carvalho a fronteira grega com a Albânia e mergulhamos num mundo diferente: um país que tenta recuperar de uma ditadura pretensamente de esquerda que, ao longo de quarenta anos, transformou a Albânia no país mais pobre da Europa.

Diga por favor isto ao Deputado Luís Fazenda.
Obrigado.

7:59 PM  

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