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Saturday, April 02, 2005

"A Pequena Sereia" e "Os Sapatos Vermelhos"


Contos de Andersen: uma leitura psicanalítica

A que tipo de público se destinam os contos deste autor dinamarquês?

Às crianças? Ou a adultos de mente altamente esclarecida?


Tudo leva a crer que, para entender em profundidade os contos de Andersen, é preciso lê-los com um olhar adulto, de preferência com o olhar de alguém, que vê para além das aparências, das significações mais imediatas.

Mesmo quando lidos por crianças, estes contos, conseguem transmitir-nos a impressão de que há qualquer coisa que nos escapa.

Durante muito tempo, interroguei-me acerca do porquê da "Pequena Sereia" não conseguir casar com o príncipe; e também me parecia algo excessivo um castigo como a pena de morte para alguém que apenas desejava possuir ou exibir uns sapatos vermelhos.

O facto é que há qualquer coisa nas entrelinhas dos textos de Andersen que tem directamente a ver com os conflitos mal resolvidos no inconsciente humano - os medos, os desejos, as fraquezas humanas que não ousamos exprimir abertamente - as pulsões do inconsciente.

E porque o final nem sempre é feliz, os contos de Andersen aproximam-se, muitas vezes, mais da tragédia grega do que do típico conto de fadas.

Estes últimos, exploram mais os conflitos ligados ao crescimento e amadurecimento âmbito da sexualidade e integração social; Andersen, pelo contrário, explora, na maior parte das vezes, os comportamentos desajustados, as parafilias e, até, as desigualdades sociais (A menina dos Fósforos) usando a tragédia embora, por vezes, recorra também à sátira (o Trajo novo do Rei).

A Pequena Sereia é um conto que, para alguns, pode remeter facilmente para o fenómeno da transexualidade, no qual o despertar do amor obriga a sereia a uma dolorosa transformação morfológica de forma a tornar viável o relacionamento sexual com o Príncipe.

Para outros, pode apenas representar as tensões pela passagem da infância à adolescência com todas as alterações fisiológicas e psíquicas que isso implica.

De qualquer forma, a transformação física da sereia não foi acompanhada por uma adequada integração psicológica.

A princesa-sereia não conseguiu adaptar-se à vida palaciana, impossibilitada de falar não consegue ir ao encontro das necessidades do príncipe o que deixa entrever um défice de inteligência emocional.

Para salvar a sua sanidade mental, a sereia tem não só de eliminar o príncipe do seu campo de visão, mas também da própria mente - fazer delete - para sanar uma obsessão.

As irmãs tentam socorrê-la utilizando a persuasão, para tentar convencê-la a anular os seus desejos e regressar à vida anterior em vez de orientá-la a transferir os seus afectos para outro objecto possível ou a tentar desenvolver nela as capacidades de comunicação que lhe faltam.

Infelizmente a regressão não é possível. O desejo já tomou conta dela. A personalidade entra em entropia acelerando o processo de autodestruição.

A não aceitação do próprio corpo, perturbação pela mudança, défice de comunicação/ forma de autismo e obsessão e suicídio.




Os Sapatos Vermelhos


Andersen começa por falar, na necessidade de uma jovem em ser o centro das atenções.

Esta deixa-se fascinar ou tentar pelos sapatos vermelhos (que simbolizam a vaidade, o amor narcísico pela fama, reconhecimento, sucesso).

Os sapatos estão amaldiçoados.

Para conseguir o protagonismo - dado pelos sapatos vermelhos - a jovem tem de trabalhar, dançar arduamente sempre com o objectivo de se ultrapassar a si mesma, sem pausas para descansar, para o lazer, para a vida afectiva - tal como acontece em muitas empresas hoje em dianas quais, para alcançar um lugar de topo tem de se "calçar os sapatos vermelhos".

Para manter o protagonismo, a jovem arruína a saúde a ponto de passar de uma simples obsessão a um estado maníaco-depressivo revelando uma incapacidade de dormir (motivada pelos sapatos vermelhos - desejo de fama, reconhecimento que inibem as enzimas encarregues de atenuar o estado de vigília) inibindo a sensação de sono durante dias, semanas, meses.

Depois vem o esgotamento total, o estado de prostração típico da fase depressiva que se segue à fase maníaca – que Andersen - traduz na necessidade expressa pela jovem bailarina em cortar os pés para se livrar dos sapatos e poder descansar.

Na vida real as pessoas, em regra optam por cortar os pulsos. Mas esta solução não significa a cura. Em Andersen a cura para este género de desarranjos emocionais é a morte.

Na época, a psicologia ainda não se tinha constituído como ciência (A psic tal como as restantes ciências sociais só se autonomizou como ciência a partir dos meados do Séc XIX ). Mas Andersen, visionário e homem de grande sensibilidade conseguiu identificar toda uma gama de comportamentos desajustados que são a base de trabalho dos profissionais de psicologia clínica dos dias de hoje.

Andersen não consegue ver ainda a hipomania, o autismo, as dificuldades de comunicação como doenças do foro psíquico ou parafilias mas, apenas, devido à sua educação religiosa, como um desvio à virtude e, no caso concreto dos sapatos vermelhos, como o sucumbir ao pecado da vaidade.

Podemos, contudo, notar nos seus contos, uma sensibilidade para detectar problemas de ordem psíquica e nos quais devido à falta de conhecimento das terapias adequadas na altura são revestidas de uma aura de fatalidade aproximando-se das tragédias clássicas nos contos já mencionados e também noutros como (O Soldadinho de Chumbo vítima da inveja de um brinquedo sociopata, ou da Donzela de Gelo em que o jovem sucumbe ao perigo dos excesso de racionalismo).

Só uma leitura do ponto de vista psicanalítico possibilita uma total compreensão dos contos de Andersen. A leitura superficial pode levar a uma impressão negativa pois, a morte, parece-me uma pena demasiado pesada para alguém que apenas deseje possuir uns sapatos vermelhos, amar a pessoa inadequada ou almejar a perfeição absoluta.


Cláudia de Sousa Dias

6 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Excelente. Adorei o ponto de vista.
Artur

11:30 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Obrigada!

Estava com algum receio que as pessoas reagissem mal. Em Famalicão nem toda a gente entendeu o ponto de vista por fazerem um leitura denotativa e estarem habituados a olhar apenas para o conteúdo manifesto dos contos e dos sonhos...
Beijinhos e espero ver-te por ccá mais vezes!

CSD

1:59 PM  
Anonymous Anonymous said...

Oi,

Muito interessante essa sua leitura dos contos de Andersen.
Eu gosto muito de contos de fada e das leituras psicanalíticas que se podem tirar deles.
Se um dia quiser ler outras coisas nesse sentido sugiro Bruno Bettelheim - A Psicanálise dos Contos de Fada - e Vladimir Propp - As Transformações dos Contos Fantásticos e, um outro, Morfologia do Conto maravilhoso - bem interessante também é um livro com abordagem junguiana, se chama Mulheres que Correm com Lobos, mas infelizmente não me lembro o nome da autora, é muito interessante pois fala dos arquétipos femininos encontrados nos contos de fada, eu particularmente gosto muito do conto A Menina dos Fósforos.
Um abraço, muito bacana seu blog.
rose

8:18 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Olá Rosemary!
Eu, de facto inspirei-me em Bettelheim para afzer a análise a aos contos de Andersen e baseei-me nele para a análise aos contos de Grimm. Propp ainda não li, mas suspeita a a analista jungiana de que fla é a Jean Shinoda Bohlen, mas também não posso afirmar com certeza absoluta...
Beijos e obrigada pela tua visita!

CSD

5:01 PM  
Anonymous Anonymous said...

Ola!
Acho que esta muito bem feia a analise feita á obra Seraglio

continua **

10:32 PM  
Blogger Unknown said...

Vc tem alguma referencia?? Gostaria de incluir no meu tcc!

3:30 AM  

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