"Budapeste" de Chico Buarque (Dom Quixote)
“Budapeste” é um romance de reminiscências, marcado pelo diálogo interno de um intovertidíssimo “autor-sombra”que escreve livros para que escritores sem talento, assumam a autoria das suas obras e possam, consequentemente, brilhar pela sua pseudo-criatividade.
O autor anónimo, José Costa, é uma personagem que escreve narcisicamente e que se deleita com a sua própria escrita, quase com uma espécie de auto-erotismo que o faz negligenciar as pessoas mais próximas que gravitam à sua volta.
Contudo, a verdadeira paixão de José Costa é a língua e a literatura húngaras que o levam a viajar para Budapeste na esperança de conseguir a integração no hermético círculo cultural da cidade.
Budapeste seduz o cidadão de Ipanema pela tradição, beleza, história e pela aura de mistério que a envolve como uma neblina.
A impenetrabilidade do idioma e a frieza algo xenófoba do povo magiar, fazem sofrer o carioca de Ipanema de meia-idade, criando-lhe gigantescas dificuldades de integração, devido à segregação dos autóctones face àqueles que não aprendem o idioma nacional na perfeição.
Cansado da vida fácil e do glamour artificial da quentíssima Cidade Maravilhosa, José acaba por sucumbir à atracção pela cidade da Europa de Leste, pela língua e seus dialectos, pela sua poesia incarnados em Kriska, a sua musa e veículo de inserção na cultura dos magiares.
No final, assistimos a uma inversão de papéis, o homem-sombra torna-se estrela de um livro que não escreveu…
Nada pode ser perfeito…
“Budapeste” é um romance contemporâneo que parece ter sido inspirado num conto do dinamarquês Hans-Christian Andersen intitulado nada mais nada menos que “A Sombra”, no qual o protagonista perde, no final, a sua identidade tornando-se a sombra da sua própria sombra.
Em “Budapeste” assistimos ao diluir da identidade do narrador em relação à personagem do livro que ele teria escrito mas que, na realidade, não foi concebido por ele…
Um livro de prosa densa, nada fácil, de pensamento algo tortuoso, no qual domina uma personagem não só narcísica, mas algo esquizóide que, independentemente da sociedade em que se move, da maior ou menor compreensão do idioma com o qual se comunica, revela uma enorme dificuldade em estabelecer relações de amizade ou amor.
Chico Buarque constrói, em”Budapeste”, uma personagem incapaz de um afecto genuíno porque permanentemente imerso no vórtice da sua actividade intelectual que o absorve totalmente. Daí uma prosa quase que exclusivamente racional, praticamente desprovida de emoções.
Desconcertante.
Um verdadeiro quebra-cabeças.
Cláudia de Sousa Dias
2 Comments:
parabéns pelo blog.
espero que referencie o meu fado falado.
prometo passar por cá.
Claro que sim! Aguardo a sua presença e também prometo visitar o seu blog!
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