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Monday, February 28, 2005

"Red Shoes" de Paulo Castro (Quasi)




As desordens afectivas na adolescência, a descoberta da sensualidade, o conflito inadaptação\integração.

“Red Shoes” é um livro que serve de legenda ao espectáculo com o mesmo nome encenado por Paulo Brandão. O texto, da autoria do psicanalista Paulo Castro, explora a temática do Desejo, no qual os pés surgem como fetiche, zona erógena por excelência e, a partir dos quais, é gerada toda a paleta de fantasias eróticas da protagonista.

Para Paulo Castro, o livro é o espelho daquilo que Paulo Brandão tentou mostrar em palco através da poesia-corpo em movimento de Joana Nossa.

O autor – a quem foi encomendado o texto por Paulo Brandão para servir de “legenda” ao espectáculo cénico – habituado a lidar com os problemas inerentes à adolescência, coloca em destaque a relevância dos primeiros 15 anos de vida na construção da personalidade e, principalmente, os transtornos afectivos típicos desta faixa etária tais como:

- o narcisismo;
- a descoberta da sexualidade
- a síndrome da adolescência

Este último traduz-se na alternância entre fases maníacas e depressivas que, segundo o parecer clínico do autor, não pode ser classificado de hipomania ou transtorno afectivo bipolar, precisamente por estarmos a falar de uma adolescente. Trata-se somente da angústia típica do crescimento, numa faixa etária em que os contornos da sexualidade se estão a definire, na qual, está a ser construída a orientação sexual do indivíduo. Sexualidade que é, inicialmente, narcísica, isto é, orientada exclusivamente para o próprio indivíduo durante a qual irá encontrar própria forma de canalizar a sua própria líbido.

No texto, encontramos também a fragmentação ou o desdobramento da personalidade, o afastamento do real, e o binómio inadaptação\integração com a referência ao Outro (simbolizado pelo espelho), ao suicídio (cena da banheira) e à auto-mutilação (lâminas de berbear).

O único ponto de contacto, tanto na peça como no texto, com o conto de Andersen com o mesmo nome, é a vaidade da protagonista durante a fase dos sapatos vermelhos – a fase da construção e definição dos contornos da sexualidade.

Durante a entrevista ao Jornal Cidade Hoje, Paulo Castro não deixou, contudo, de frisar que esta obra é apenas uma fotografia da personalidade da protagonista num dado momento da sua existência, enquanto que a vida propriamente dita, “é um filme acelerado, de lógica cartesiana duvidosa (António Damásio), mas pleno de desejo (Lacan), que se desenvolve em espiral”.

“É um momento na vida onde vamos encontrar despersonalização, desrealização, com todas as alterações da vivência do EU que isso implica”.

Daí decorre a ilustração de alguns quadros de psicose causados pela angústia do crescimento e a necessidade de afirmação do EU e do direito à diferença.

Na peça, os sapatos vermelhos, representam a multiplicidade de opções sexuais o que pressupõe uma fase durante a qual a orientação sexual é indefinida e as opções são infinitas – isto implica que a adolescente vá, durante este período, descobrir a forma de direccionar a líbido, finda a qual, irá proceder à sua própria escolha.

Os sapatos negros são, já, os desejos adultos como resultado da transformação ocorrida na fase anterior.

A referência ao Outro, que aparece no texto e que é representada, na peça, pelo espelho é um conceito de Lacan, do qual o autor se aproveita livremente, “sem qualquer responsabilidade teórica, através de um texto literário, sem preocupações académicas, pois não se trata de um compêndio de psicanálise”.

“O Outro é aquele que nos observa e que nos define quer pelo olhar (expressão facial), quer pela linguagem (verbal) e que é traduzido num discurso social de aceitação\reprovação de existência imaginária".

Todo o indivíduo é detentor, em primeiro lugar, da sua auto-imagem ou auto-conceito que tenta reproduzir para o outro recorrendo ao símbolo (através do qual representamos para os outros aquilo que pensamos de nós próprios – forma de vestir, linguagem utilizada, etc.). E entre estas duas noções está o Real – o imutável (ser homem ou mulher, com uma determinada idade cronológica…).

O Outro, em Red Shoes, representa a influência da sociedade no EU.

Para Paulo Brandão, o autor do posfácio do livro “é mais fácil construir um espectáculo do que falar verbalmente sobre o tema”, preferindo, indubitavelmente a linguagem do palco.

Na opinião do encenador, a adolescente retratada nada tem a ver com a Condessa Bathory (uma figura maldita da época medieval à semelhança do Conde Drácula de Coppola), à qual é comparada no prefácio de Jorge Reis Sá (o que só faz salientar a polissemia do texto, que tal como toda a obra de arte é aberta e, por isso sujeita a múltiplas interpretações) - o editor e autor do prefácio, J. Reis-Sá, estabelece uma analogia entre a cena da banheira da peça e o banho em sangue virginal como ritual de beleza da maléfica aristocrata que assim conservava a juventude.

A adolescente protagonizada por Joana Nossa, é multifacetada e é explorada em palco, nas suas múltiplas facetas: a infantil, a perversa, a generosa, a sensual, a imagética, a enérgica, a contida, a mágica, a malabarista, a construcionista…

O espectáculo e o livro são duas metades da mesma laranja, uma vez que o primeiro ilustra o segundo à semelhança de um filme mudo, no qual o texto literário funciona como legenda.

No entanto, o texto revela-se um elemento precioso para entender alguns transtornos afectivos da adolescência pois fornece-nos pistas indispensáveis à descodificação de alguns comportamentos que poderão parecer, à primeira vista, excêntricos.

Indispensável para pais e para professores.

Interessante para os profissionais da psicologia.

Obrigatório em qualquer biblioteca particular (e não só).
Não perca.

Cláudia de Sousa Dias

2 Comments:

Blogger Paulo Castro said...

Obrigado por ter lido e divulgado, Cláudia.
Beijo!
°

8:02 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

De nada!

Um abraço.


CSD

3:43 PM  

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