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Monday, February 28, 2005

"Jesus na Fogueira" Catherine Clément (ASA)

Tradução do francês por Isabel St. Aubyn



A versão agnóstica dos Evangelhos, pela filósofa judia, num livro bomba-relógio que faz parecer "O Código DaVinci" uma historinha para crianças!

Catherine Clement é uma consagrada escritora e ensaísta judia radicada emFrança. Licenciada em Filosofia e Ciências Humanas na prestigiadaUniversidade da Sorbonne, guarda, nas suas memórias da infância, a marca indelével do desaparecimento de vários membros da sua família em Auschwitz.

Talvez, por isso, a sua personalidade assente nos pilares de um refinado espírito crítico e de análise, na busca contínua do porquê das coisas na procura de uma explicação racional para aquilo que, para o comum dos mortais, não tem explicação, numa luta contínua contra a ingenuidade da crença dogmática e da demagogia.

A fé é-lhe sepultada em Auschwitz juntamente com a sua família.

Daí o sua aversão em relação aos "führers" carismáticos que levam as multidões à histeria.

Daí a sua repugnância relativamente a líderes religiosos, fundamentalistas, sequiosos de poder, presentes em todos os credos: judeus farisaicos (aqueles que mais interesse tinham na morte de Cristo), "ayatollahs" muçulmanos e todo o tipo de fundamentalismo cristão que tente suprimir as outras culturas ou religiões.

São, talvez, estas as motivações que levam a romântica Catherine Clément, autora de romances históricos baseados em algumas das mais belas Histórias de amor do último milénio ("A Senhora", "Por Amor da Índia", "A ValsaInacabada" e "O Último Encontro) a elaborar, desta vez, um romance de cariz filosófico - na senda do já conhecido " A Rameira do Diabo", também da sua autoria.

A Autora aventura-se, agora, no campo da metafísica, construindo uma versão agnóstica dos Evangelhos. Catherine transporta-nos para uma viagem no tempo, fazendo-nos recuar dois milénios para "aterrar" na Palestina ocupada, então, pelos Romanos.

Estes vêem-se a braços com a rebeldia dos judeus que fazem tudo para preservar a sua cultura, tradições e religião, aguardando a chegada do Messias que os liberte do opressor romano que, além de sangrá-los com impostos, impõe arrogante e gradualmente, a sua própria cultura, os seus deuses, a sua gastronomia (nem sempre conforme as ultra-restritas normas judaicas), a sua língua, as suas instituições...

A extrema ousadia de Catherine, neste mais que polémico romance, não se limita a encontrar uma explicação racional para todas as situações que a Bíblia descreve como sendo milagres. Apresenta-nos, para além disso, um Cristo sobredotado, viajadíssimo, com conhecimentos de tratamento de desarranjos emocionais por hipnose, meditação, versado nas artes de yoga, com capacidade para entrar voluntariamente em catalepsia e com vastos conhecimentos em medicina.

Pessoa de carácter impulsivo, irascível, com uma generosa dose de rebeldia sem, contudo, partilhar do fanatismo dos zelotas, Cristo constitui um ultraje e uma séria ameaça ao poder dos fariseus.

Genial, embora um pouco surrealista, a hipótese lançada por Catherine acerca do modo como Cristo possa ter sobrevivido à crucificação. O único ponto onde a autora não consegue ser totalmente convincente reside na explicação da cura completa, ou quase, das feridas causadas pelos pregos.

Mas a ousadia da autora não se fica por aqui. Catherine questiona a própria existência de Deus e do Diabo. A narrativa é iniciada pela voz de uma mulher que facilmente podemos identificar com a própria Catherine e que, numa cidade algures no continente indiano, encontra um atraente e misterioso euroasiático, detentor de um conhecimento invulgara cerca das diferentes civilizações.

Tai, o sábio asiático, assumirá a identidade do Génio Maligno que lança aDúvida e Catherine, o espírito que duvida. Os dois vão identificar-se, respectivamente, com Lúcifer (simboliza a subversão) e Lillith(mulher-anjo-demónio que foi a primeira mulher de Adão, segundo a tradição judaicado Talmude), que irão contar a versão ateia da vida de Jesus...

Este é um livro provocador. Cujo objectivo é inquietar os espíritos. Mas quenos ajuda a pensar com um pouco de autonomia.

Porque só assim é possível o crescimento. Só assim se ultrapassa a infância do homem. E isto é válido tanto para cristãos como para muçulmanos, budistas ou ateus.

Podemos estar a ler heresia pura. Mas nada que Freud ou Nietsche não tenham já pensado antes de Catherine.

Felizmente, este livro foi escrito já no final do séc.XX. O que significa que o Jesus de Catherine não arderá na fogueira ateada pelos pobres de espírito.

Porque escrever implica sempre imaginar e construir, ou reconstruir, na maior parte das vezes. E obriga a elaborar hipóteses para preencher lacunas.

Porque sem liberdade de pensamento, não há criação.


Cláudia de Sousa Dias

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