"À Procura do Imperador" de Roberto Pazzi (Dom Quixote)
Conhecido, durante muito tempo, apenas como poeta, Roberto Pazzi publica o seu primeiro romance em 1985, precisamente Á Procura do Imperador, o qual virá a obter o Prémio Campiello. Publica, ainda e posteriormente, mais dois romances intitulados La Principessa e il Drago (1986) e La Malatia del Tempo (1987).
À procura do Imperador é o relato do percurso do regimento Preobajenski, o qual, perdido na Sibéria durante a Revolução, tem a seu cargo a missão de procurar o Czar, entretanto em prisão domiciliária em Iecaterinemburgo, cidade mineira dos Urais, nos confins do Império, junto à fronteira asiática…
No prefácio, o ensaísta Giovanni Raboni comenta o facto de o Autor sempre ter sentido, desde tenra idade, um estranho fascínio pelo destino da família Romanov, episódio histórico que “sempre influenciou, de uma forma mais ou menos obscura, as raízes da suas imaginação” (sic). De acordo com Raboni, é após uma viagem efectuada à então União Soviética onde visita a Residência Imperial que Pazzi “é surpreendido por uma acutilante e inexplicável sensação de dejá vu” (sic) provavelmente fruto de reminiscências históricas, alimentadas e ampliadas por uma fértil imaginação e, simultaneamente, por uma forte sensibilidade, que o leva a constituir “o impulso originário de uma invenção romanesca (…); uma espécie de curto-circuito, uma identificação fulmínea e fatal entre narrador e narrado” (sic).
À Procura do Imperador é, sem sombra de dúvida, “um romance-obsessão (…) e é um romance “convencional”, na sua acepção mais nobre” (sic), onde “uma ininterrupta e intensa actividade mental cindiu em duas a obsessão” (sic), e onde está patente, também, a divisão da estrutura narrativa em dois planos distintos, formando duas narrativas paralelas. Uma delas espelha o fascínio claustrofóbico da prisão ou de um exílio em prisão domiciliária na cidade de Iecaterinemburgo, perdida nos confis dos Urais; e a outra a sedução através do fascínio aventureiro-picaresco da Viagem, o sonho da procura dos espaços incertos e hostis que é a a odisseia siberiana do Exército Branco, leal ao Czar. Raboni afirma serem estes dois planos “duas formas típicas do imaginário romanesco que Pazzi soube conjugar admiravelmente (…) por terem renascido dentro de si a partir da mesma estranha emoção”
Trata-se de duas histórias marginais, dois finais dramáticos, para não dizer marcados pela fatalidade. Duas causas perdidas, as quais, ainda de acordo com Raboni, “são sempre da predilecção dos poetas”.
Personagens
Em À procura do Imperador encontramos personagens que representam não só figuras, históricas, mas também personagens colectivas. Entre estas, duas em concreto, são representativas de duas épocas distintas e de dois sistemas sociais em conflito: o Exército Branco – o baluarte da Velha Rússia que mantém uma estrutura social ainda com todas as componentes do feudalismo – sobretudo nas relações entre camponeses e aristocratas latifundiários – mas que começa já a dar sinais de entrada numa nova era - uma mescla de Iluminismo com Revolução Industrial – e as forças revolucionárias do Exército Vermelho que reivindicam uma sociedade igualitária de inspiração marxista com o objectivo de conseguir melhores condições de vida para a classe operária e camponesa. O governo do Czar é derrubado e Lenine torna-se o novo “czar”, numa altura em que começam a ser lançadas as bases para o regime que vem a ser a URSS.
Mas nesta obra, o factor mais importante é o Drama e o crescente avolumar da Tragédia que atinge o seu ponto culminante com a chegada daquilo que resta do Exército Branco a Iecaterinemburgo.
A saga do regimento Preobajensky, chefiado pelo príncipe Ypsilante faz lembrar um pouco o episódio das Termópilas por se tratar da luta por uma causa, que se sabe perdida desde o início. Mesmo assim, o Príncipe persiste na estratégia desesperada que sabe ser praticamente um suicídio, por falta de alternativa ou de informações coerentes e fidedignas. A travessia da Sibéria, a partir da cidade de Vaquitino – cidade onde o telégrafo já não funciona há vários meses, e onde as notícias chegam deturpadas e desfasadas no tempo – em pleno Inverno, em direcção a Tobolsk, a cidade onde se julga estar preso o Imperador. A cruzada através do deserto siberiano lembra a viagem de Ulisses cuja travessia do Mediterrâneo, recheada de peripécias, cheia de imprevistos, tem muitas semelhanças com a saga destes jovens soldados, cuja dependência do álcool é uma porta aberta para todo o tipo de alucinações, delírios e comportamentos imprevisíveis. Para além do o frio, também o isolamento e a falta de conforto muito contribuíram para o deteriorar da sanidade mental da maior parte dos soldados. Na realidade, “Vaquitino era de tal modo distante que os mercadores Tártaros faziam sempre testamento ao partirem para lá, na Primavera”. A odisseia dos argonautas siberianos ao atravessar o frio impiedoso do Inverno, numa paisagem que tem tanto de bela – com o seu branco infinito, omnipresente e resplandecente na luminosidade da Lua e das estrelas – como de opressiva, é geradora de um sentimento colectivo de desesperança, onde o único antídoto usado no combate ao frio, à estagnação da circulação sanguínea e à depressão, reside nas reservas de vodka, cuidadosamente racionada.
O próprio príncipe Ypsilante tem sérias dúvidas quanto à veracidade das informações obtidas em Vaquitino, acerca do paradeiro do Czar. Dúvidas essas que consegue cuidadosamente ocultar do exército, de forma a impedir rebelião. Ypsilante decide, assim, insistir na procura do seu Imperador, através do deserto siberiano, numa última e cega esperança de preservar o mundo onde sempre viveu. Por que a Rússia do presente que está a viver já não é “a sua”, nem a dos seus soldados. È a dos Sovietes, dos Burocratas do Exército Vermelho.
Os soldados Brancos começam por atravessar o rigoroso Inverno siberiano, passando depois à violenta e inóspita primavera, cujo degelo transforma o terreno num mar de lama e a marcha num pesadelo. Segue-se-lhe a beleza fulgurante do Verão das imediações do Círculo Polar Árctico. Entretanto, a Morte vai ceifando impiedosa e inexoravelmente as hostes, cada vez mais débeis, dizimando um exército que não trava uma única batalha. Salvo com os elementos da Natureza. Como por exemplo, a profundidade misteriosa da floresta, onde se esconde o fantasmal tigre siberiano, já próxima dos Urais, aterroriza os soldados, divide opiniões dificultando uma coordenação eficaz. Alguns aventuram-se apenas pela segurança que lhes transmite o conhecimento da região do pequeno mongol, experiente na caça ao tigre um conhecimento ancestral, transmitido pelos anciãos da tribo de onde é originário.
Passam Tobolsk, onde constatam desanimados não se encontrar lá a família imperial, como adivinhava já Ypsilante. São, já, pouquíssimos os soldados que conseguem chegar a Iecaterinemburgo, esfarrapados e sem condições de defenderem seja o que for. Para além de terem também chegado demasiado tarde.
Desde o início, que na prisão domiciliária, em casa do Engenheiro Ipatiev, na cidade mineira de Catarina a Grande, os Romanov aguardam o salvamento heróico pelo Exército Perdido, mas à medida que os meses passam a esperança vai-se esvaindo pouco a pouco, tal como os sonhos. Enquanto isso, um contingente anormal de várias espécies de pássaros, bandos e bandos de aves de várias espécies vão chegando sucessivamente à cidade e rodeando o palácio Ipatiev, numa estranha migração fora de época.
Pássaros em vez de soldados.
Tudo leva a crer tratar-se de uma alegoria-personificação, utilizada pelo Autor, a simbolizar as almas que se libertam e cujas asas transpõem todos os obstáculos, naturais e humanos, até chegar ao Imperador, atraídas por ele como por um íman. Para a sua águia imperial. A rainha das aves que pousa no telhado do palácio, pouco antes de chegarem os últimos elementos do exército do Czar. O César da Terceira Roma. A Águia levanta voo, finalmente, após a morte do Imperador.
Este tipo de alegoria confere ao romance uma nota de realismo mágico e fá-lo ultrapassar as fronteiras do convencional romance histórico. Um recurso que confere à trama uma aura de drama que se torna sublime, impressionante, porque emanada directamente da veia poética do Autor.
Nos dias que antecedem a sua morte, Nicolau II recorda o passado, analisa-o à luz dos acontecimentos recentes que puseram fim à monarquia e retira lucidez e coragem dessas recordações, ao mesmo tempo que coloca de parte todas as loucas esperanças de que as coisas voltem a ser como antes.
A Czarina e as filhas afundam-se, pelo contrário e cada vez mais, em ilusões e falsas esperanças.
A Czarina Alexandra, conservadora e saudosista dos privilégios reais recusa-se a aceitar a realidade ao enfrentar os seus carcereiros com sobranceria. Por outro lado, o sofrimento do pequeno Czarevitch, hemofílico, sensível e cada vez mais débil, flagela-a com uma angústia que cresce a uma velocidade galopante. Refugia-se na religião como analgésico, relembrando com saudade o mago Rasputine, o monge dissidente, odiado pelo Czar, que percebia nele um charlatão, sedento de poder.
Por outro lado, o maquiavelismo de Tatiana, a mais rebelde das filhas e, simultaneamente, a mais frágil, procura na magia e nos ensinamentos do Mestre a fuga ao pesadelo do seu quotidiano, leva-a a encarar com desprezo a candura dos irmãos, responsabilizando, simultaneamente o pai pelo sucedido à família e ao seu mentor, Rasputine.
Já a empática Olga tenta sempre apaziguar as angústias de todos enquanto que a beleza e vivacidade de Maria, a candura de Anastasia, a debilidade e a alma sensível de Alexis deixam no ar uma impressão de tragédia, como se estivéssemos no meio da trama da Ilíada a assistir ao destino de Ifigénia, aos dotes visionários de Cassandra, à coragem de Heitor, ao fatalismo conformista de Príamo e Hécuba.
A casa Ipatiev é isso mesmo. A cidadela de Tróia sitiada e, posteriormente, imolada pelos invasores – o Exército Vermelho.
O presságio de morte é anunciado pela árvore raquítica que dá à luz um fruto doente – uma romã, envenenada, provavelmente, pela jazida de minério radioactivo - à semelhança do príncipe Alexis, o herdeiro de sangue doente como os grãos vermelhos contaminados do fruto que liberta a família real da humilhação de ser exterminada pelas mãos dos seus carrascos…
Um final belo, trágico, cheio de poesia, que poderia, muito bem ter inspirado o autor do guião de A Queda de Hitler e do Terceiro Reich, numa das suas últimas cenas…
Uma recriação de um poeta e romancista italiano, do final do século XX, daquilo que poderia muito bem ter sido os últimos dias dos Romanov.
Uma saga que mergulha directamente no berço da Grande Literatura da civilização ocidental: as obras dos antigos mestres gregos.
Cláudia de Sousa Dias
À procura do Imperador é o relato do percurso do regimento Preobajenski, o qual, perdido na Sibéria durante a Revolução, tem a seu cargo a missão de procurar o Czar, entretanto em prisão domiciliária em Iecaterinemburgo, cidade mineira dos Urais, nos confins do Império, junto à fronteira asiática…
No prefácio, o ensaísta Giovanni Raboni comenta o facto de o Autor sempre ter sentido, desde tenra idade, um estranho fascínio pelo destino da família Romanov, episódio histórico que “sempre influenciou, de uma forma mais ou menos obscura, as raízes da suas imaginação” (sic). De acordo com Raboni, é após uma viagem efectuada à então União Soviética onde visita a Residência Imperial que Pazzi “é surpreendido por uma acutilante e inexplicável sensação de dejá vu” (sic) provavelmente fruto de reminiscências históricas, alimentadas e ampliadas por uma fértil imaginação e, simultaneamente, por uma forte sensibilidade, que o leva a constituir “o impulso originário de uma invenção romanesca (…); uma espécie de curto-circuito, uma identificação fulmínea e fatal entre narrador e narrado” (sic).
À Procura do Imperador é, sem sombra de dúvida, “um romance-obsessão (…) e é um romance “convencional”, na sua acepção mais nobre” (sic), onde “uma ininterrupta e intensa actividade mental cindiu em duas a obsessão” (sic), e onde está patente, também, a divisão da estrutura narrativa em dois planos distintos, formando duas narrativas paralelas. Uma delas espelha o fascínio claustrofóbico da prisão ou de um exílio em prisão domiciliária na cidade de Iecaterinemburgo, perdida nos confis dos Urais; e a outra a sedução através do fascínio aventureiro-picaresco da Viagem, o sonho da procura dos espaços incertos e hostis que é a a odisseia siberiana do Exército Branco, leal ao Czar. Raboni afirma serem estes dois planos “duas formas típicas do imaginário romanesco que Pazzi soube conjugar admiravelmente (…) por terem renascido dentro de si a partir da mesma estranha emoção”
Trata-se de duas histórias marginais, dois finais dramáticos, para não dizer marcados pela fatalidade. Duas causas perdidas, as quais, ainda de acordo com Raboni, “são sempre da predilecção dos poetas”.
Personagens
Em À procura do Imperador encontramos personagens que representam não só figuras, históricas, mas também personagens colectivas. Entre estas, duas em concreto, são representativas de duas épocas distintas e de dois sistemas sociais em conflito: o Exército Branco – o baluarte da Velha Rússia que mantém uma estrutura social ainda com todas as componentes do feudalismo – sobretudo nas relações entre camponeses e aristocratas latifundiários – mas que começa já a dar sinais de entrada numa nova era - uma mescla de Iluminismo com Revolução Industrial – e as forças revolucionárias do Exército Vermelho que reivindicam uma sociedade igualitária de inspiração marxista com o objectivo de conseguir melhores condições de vida para a classe operária e camponesa. O governo do Czar é derrubado e Lenine torna-se o novo “czar”, numa altura em que começam a ser lançadas as bases para o regime que vem a ser a URSS.
Mas nesta obra, o factor mais importante é o Drama e o crescente avolumar da Tragédia que atinge o seu ponto culminante com a chegada daquilo que resta do Exército Branco a Iecaterinemburgo.
A saga do regimento Preobajensky, chefiado pelo príncipe Ypsilante faz lembrar um pouco o episódio das Termópilas por se tratar da luta por uma causa, que se sabe perdida desde o início. Mesmo assim, o Príncipe persiste na estratégia desesperada que sabe ser praticamente um suicídio, por falta de alternativa ou de informações coerentes e fidedignas. A travessia da Sibéria, a partir da cidade de Vaquitino – cidade onde o telégrafo já não funciona há vários meses, e onde as notícias chegam deturpadas e desfasadas no tempo – em pleno Inverno, em direcção a Tobolsk, a cidade onde se julga estar preso o Imperador. A cruzada através do deserto siberiano lembra a viagem de Ulisses cuja travessia do Mediterrâneo, recheada de peripécias, cheia de imprevistos, tem muitas semelhanças com a saga destes jovens soldados, cuja dependência do álcool é uma porta aberta para todo o tipo de alucinações, delírios e comportamentos imprevisíveis. Para além do o frio, também o isolamento e a falta de conforto muito contribuíram para o deteriorar da sanidade mental da maior parte dos soldados. Na realidade, “Vaquitino era de tal modo distante que os mercadores Tártaros faziam sempre testamento ao partirem para lá, na Primavera”. A odisseia dos argonautas siberianos ao atravessar o frio impiedoso do Inverno, numa paisagem que tem tanto de bela – com o seu branco infinito, omnipresente e resplandecente na luminosidade da Lua e das estrelas – como de opressiva, é geradora de um sentimento colectivo de desesperança, onde o único antídoto usado no combate ao frio, à estagnação da circulação sanguínea e à depressão, reside nas reservas de vodka, cuidadosamente racionada.
O próprio príncipe Ypsilante tem sérias dúvidas quanto à veracidade das informações obtidas em Vaquitino, acerca do paradeiro do Czar. Dúvidas essas que consegue cuidadosamente ocultar do exército, de forma a impedir rebelião. Ypsilante decide, assim, insistir na procura do seu Imperador, através do deserto siberiano, numa última e cega esperança de preservar o mundo onde sempre viveu. Por que a Rússia do presente que está a viver já não é “a sua”, nem a dos seus soldados. È a dos Sovietes, dos Burocratas do Exército Vermelho.
Os soldados Brancos começam por atravessar o rigoroso Inverno siberiano, passando depois à violenta e inóspita primavera, cujo degelo transforma o terreno num mar de lama e a marcha num pesadelo. Segue-se-lhe a beleza fulgurante do Verão das imediações do Círculo Polar Árctico. Entretanto, a Morte vai ceifando impiedosa e inexoravelmente as hostes, cada vez mais débeis, dizimando um exército que não trava uma única batalha. Salvo com os elementos da Natureza. Como por exemplo, a profundidade misteriosa da floresta, onde se esconde o fantasmal tigre siberiano, já próxima dos Urais, aterroriza os soldados, divide opiniões dificultando uma coordenação eficaz. Alguns aventuram-se apenas pela segurança que lhes transmite o conhecimento da região do pequeno mongol, experiente na caça ao tigre um conhecimento ancestral, transmitido pelos anciãos da tribo de onde é originário.
Passam Tobolsk, onde constatam desanimados não se encontrar lá a família imperial, como adivinhava já Ypsilante. São, já, pouquíssimos os soldados que conseguem chegar a Iecaterinemburgo, esfarrapados e sem condições de defenderem seja o que for. Para além de terem também chegado demasiado tarde.
Desde o início, que na prisão domiciliária, em casa do Engenheiro Ipatiev, na cidade mineira de Catarina a Grande, os Romanov aguardam o salvamento heróico pelo Exército Perdido, mas à medida que os meses passam a esperança vai-se esvaindo pouco a pouco, tal como os sonhos. Enquanto isso, um contingente anormal de várias espécies de pássaros, bandos e bandos de aves de várias espécies vão chegando sucessivamente à cidade e rodeando o palácio Ipatiev, numa estranha migração fora de época.
Pássaros em vez de soldados.
Tudo leva a crer tratar-se de uma alegoria-personificação, utilizada pelo Autor, a simbolizar as almas que se libertam e cujas asas transpõem todos os obstáculos, naturais e humanos, até chegar ao Imperador, atraídas por ele como por um íman. Para a sua águia imperial. A rainha das aves que pousa no telhado do palácio, pouco antes de chegarem os últimos elementos do exército do Czar. O César da Terceira Roma. A Águia levanta voo, finalmente, após a morte do Imperador.
Este tipo de alegoria confere ao romance uma nota de realismo mágico e fá-lo ultrapassar as fronteiras do convencional romance histórico. Um recurso que confere à trama uma aura de drama que se torna sublime, impressionante, porque emanada directamente da veia poética do Autor.
Nos dias que antecedem a sua morte, Nicolau II recorda o passado, analisa-o à luz dos acontecimentos recentes que puseram fim à monarquia e retira lucidez e coragem dessas recordações, ao mesmo tempo que coloca de parte todas as loucas esperanças de que as coisas voltem a ser como antes.
A Czarina e as filhas afundam-se, pelo contrário e cada vez mais, em ilusões e falsas esperanças.
A Czarina Alexandra, conservadora e saudosista dos privilégios reais recusa-se a aceitar a realidade ao enfrentar os seus carcereiros com sobranceria. Por outro lado, o sofrimento do pequeno Czarevitch, hemofílico, sensível e cada vez mais débil, flagela-a com uma angústia que cresce a uma velocidade galopante. Refugia-se na religião como analgésico, relembrando com saudade o mago Rasputine, o monge dissidente, odiado pelo Czar, que percebia nele um charlatão, sedento de poder.
Por outro lado, o maquiavelismo de Tatiana, a mais rebelde das filhas e, simultaneamente, a mais frágil, procura na magia e nos ensinamentos do Mestre a fuga ao pesadelo do seu quotidiano, leva-a a encarar com desprezo a candura dos irmãos, responsabilizando, simultaneamente o pai pelo sucedido à família e ao seu mentor, Rasputine.
Já a empática Olga tenta sempre apaziguar as angústias de todos enquanto que a beleza e vivacidade de Maria, a candura de Anastasia, a debilidade e a alma sensível de Alexis deixam no ar uma impressão de tragédia, como se estivéssemos no meio da trama da Ilíada a assistir ao destino de Ifigénia, aos dotes visionários de Cassandra, à coragem de Heitor, ao fatalismo conformista de Príamo e Hécuba.
A casa Ipatiev é isso mesmo. A cidadela de Tróia sitiada e, posteriormente, imolada pelos invasores – o Exército Vermelho.
O presságio de morte é anunciado pela árvore raquítica que dá à luz um fruto doente – uma romã, envenenada, provavelmente, pela jazida de minério radioactivo - à semelhança do príncipe Alexis, o herdeiro de sangue doente como os grãos vermelhos contaminados do fruto que liberta a família real da humilhação de ser exterminada pelas mãos dos seus carrascos…
Um final belo, trágico, cheio de poesia, que poderia, muito bem ter inspirado o autor do guião de A Queda de Hitler e do Terceiro Reich, numa das suas últimas cenas…
Uma recriação de um poeta e romancista italiano, do final do século XX, daquilo que poderia muito bem ter sido os últimos dias dos Romanov.
Uma saga que mergulha directamente no berço da Grande Literatura da civilização ocidental: as obras dos antigos mestres gregos.
Cláudia de Sousa Dias
17 Comments:
Dava um filme.
:)
Uau, acrescentei logo na lista, pois parece tão emocionante e... poético! Uma saga que não quero perder.
Essa época tenho-a bem fresca na memória (pois acabei de a estudar =D) e essas personagens não deixam de parecer marcantes e interessantes, uma vez que representam um grupo, analisando.
Obrigado pela sugestão!
Sem dúvida nenhuma Rui!
E para ganhar vários prémios, talvez com um realizador como Bertolucci ou Scorcese...
CSD
Ainda bem, Pedro!
Se ainda fores a tempo de fazer uma prova ou um teste sobre a matéria pode ser que um livro como este te ajuda a vivenciar melhor a época e a colocar as coisas nos respectivos lugares. Outras obras que te "podem" ajudar são as colectâneas de contos de Tatiana Tolstoi e a obra de Boris Pasternak, com "O Doutor Jivago", para começar...
CSD
Abraço
CSD
Conhecer os aspectos de natureza contextual parece ser uma condição não para aceder ao texto mas, neste caso, para o saborear melhor.
Promete, esta 'demanda do imperador'.
abraço
P.
confesso que não conhecia o título. gostava de te oferecer um exemplar do meu livro para que um dia escrevesses, se quisesses, sobre ele. mandas-me a tua morada?
um grande beijinho.
Grato pelas sugestões. Bjs
Carol, o importante, em Pazzi não é tanto o final mas antes o caminho para lá chegar.
CSD
Concordo plenamente, Pedro!
:-)
CSD
claro que sim, Alice!
CSD
De nada, José Manuel Dias
Mais uma aliciante sugestão! Obrigada, Claudia
De nada CNS!
bjo e bom-fim-de-semana
CSD
Olá Cláudia
Está no mercado mais um dos livros «à nossa espera»: «O Padre António Vieira e as Mulheres». Coloquei um breve apontamento no meu blogue.
Um abraço
TSC
O tema é muito aliciante. Tenho na lista das compras "O Fogo e a Rosa" da Seomara da Veiga Ferreira, que é das melhores autoras a nível nacional no que toca a romance histórico,neste caso precisamente sobre o P. António Vieira, com uma escrita ao nível Marguerite Yourcenar e um rigor histórico do calibre de Umberto Eco.
Tem por hábito escrever na terceira pessoa.
Neste momento estou a preparar um texto sobre um autor brasileiro, que ainda não publicou em Portugal...
CSD
Acabei de fechar o "À procura do imperador", que comprei há dias por acaso, sem conhecer Roberto Pazzi. E foi no meio daquela sensação estonteante e meio-mágica, que nos invade ao acordar de um sonho ou quando acabamos livros que marcam, que dei com o teu blog. Bem hajas!
ainda bem que encontro alguém que pode dar aos leitores o feed-back do livro o que dá muito mais credibilidade áquilo que escrevo...
obrigada.
este é uma obra prima.
csd
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