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Bibliomaníaca e melómana. O resto terão de descobrir por vocês!

Friday, February 29, 2008

“Três tristes Tigres” de Guillermo Cabrera Infante


Guillermo Cabrera Infante nasceu a 22 de Abril de 1929, em Gibara, no nordeste da ilha de Cuba. Filho de um jornalista membro do Partido Comunista, GCI cedo se torna militante do mesmo partido, juntamente com o pai. Ambos foram membros fundadores do PC em Gibara, razão pela qual são detidos, ainda no Governo de Batista, altura em que Cabrera Infante contava apenas com sete anos de idade. Em 1941, a família muda-se para Havana. Cabrera Infante publica pela primeira vez, aos dezoito anos, uma obra de ficção, El Señor Presidente. Após interromper os estudos em Medicina, o jovem Autor decide dedicar-se ao jornalismo, descobrindo uma especial apetência pelas áreas do Cinema e da Literatura. No entanto, ao publicar as suas obras de ficção, vê-se a braços com a censura do regime do ainda ditador Batista a qual classifica alguns dos seus contos como obscenos. É proibido de publicar com o seu nome, valendo-se, para isso de um pseudónimo – G. Caín, utilizando a contracção dos seus dois apelidos. Torna-se, então, um crítico de cinema na revista Carteles, onde assina com pseudónimo.

Com a ascensão de Fidel Castro ao poder, 1959, Cabrera Infante é nomeado Director do Conselho Nacional de Cultura e executivo do Instituto del Cine, assim como subdirector do
Diário de la Revolución, encarregando-se do seu suplemento literário.

Apesar de tudo, as suas relações com o regime acabaram por se deteriorar, devido a uma curta-metragem, realizada pelo seu irmão, Sabá Cabrera, em 1960, a qual foi proibida por Castro, sendo suprimido do semanário
Lunes de Revolución nesse mesmo ano.
Em 1962, Guillermo Cabrera Infante é enviado a Bruxelas como adido cultural da embaixada cubana. Ao regressar, em 1965, para o funeral da mãe, o Autor é retido, durante quatro meses, pelo Serviço de Contra-Inteligência e, finalmente, exilado. Primeiro em Espanha e depois em Inglaterra, onde viveu até à data da sua morte, em 2005.
É em 1968, já no exílio, que publica o romance
Três Tristes Tigres, cujo título original seria Ella cantava boleros – um trocadilho com o nome de Ella Fitzgerald e a ligação dos ritmos sul-americanos ao jazz, que resulta num jogo de palavras, alusões culturais e cruzamento de elementos pertencentes quer à cultura cubana quer à norte-americana. O romance conta a vida de três jovens cubanos – três tristes tigres – em La Habana de 1958. Em Cuba, a obra foi rotulada de contra-revolucionária e Cabrera Infante foi expulso da Unión de Artistas e classificado como traidor.

O romance Três Tristes Tigres pode ser classificado como uma narrativa distópica, de tradição enciclopédica, tal como o universalmente conhecido Ulisses de James Joyce , ao qual está subjacente o propósito de dissertar sobre um saber ou, neste caso, uma cultura, como a da vida nocturna cubana, no caso do presente romance, que acaba por adquirir uma dimensão transnacional ao deixar-se penetrar por elementos vindos de outros continentes…
Sendo este género de narrativa o resultado, normalmente, da construção de vários dramas paralelos, onde interagem duas ou mais personagens e que acaba por concatenar uma multiplicidade de dados, tanto científicos como estéticos, e onde as personagens são valorizadas pala sua cultura, acontece ao longo de, praticamente todo o romance, a cultura dos três protagonistas ser valorizada pelo contraste com outras personagens – como nos diálogos ocorridos dentro do automóvel de Arsénio Cue – e, também, neste caso, pela utilização ora da estrutura dialético-argumentativa ora a técnica da maiêutica socrática entre os três protagonistas: Arsénio, Silvestre e Bustrofédon.

Trata-se, também, de um livro poliglota, onde pululam os trocadilhos linguísticos, alusões a obras literárias, cinematográficas, musicais, centrando de tal forma o desenvolvimento da narrativa no Conhecimento e na cultura que é, praticamente excluído o foco de desenvolvimento centrado no factor emocional ou no amor sexual.

Três Tristes Tigres é um romance marcado por inúmeras intertextualidades e por uma pluralidade de significâncias, atribuídas a cada uma das frases.
É pelo conjunto de todas estas características que podemos integrar a obra citada na categoria de narrativa enciclopédica, o qual não pode ser considerado um livro fonte de aprendizagem directa – uma vez que a informação se encontra codificada através de nuances e significados ocultos, não podendo, por isso, abstrair-se do seu carácter literário. Ou seja, a matéria enciclopédica de Três Tristes Tigres tem de ser percepcionada como parte do mundo analógico do romance.

A distopia, ou o desmantelar das utopias está também, presente ao longo de toda a narrativa, mas é, sobretudo, notória no capítulo intitulado A Morte de Trotski, relatada por vários escritores. Ou no capítulo Confissões de um comedor de opiniões cubano (pg. 314), uma crítica demolidora às ideologias que se esvaziam, sem excepção, de sentido, com a erosão provocada pelo Tempo.

Trama e Personagens

A teia de que é composto o romance gira à volta da noite cubana, a grande protagonista, com a sua beleza e exotismo, onde a música – desde o jazz aos boleros, cantados por La Estrella – traçam, no nocturno anil do céu cubano, uma estrada, uma linha que une as várias personagens que formam, todas juntas, o desenho final.
Todas elas estão, de certa forma, ligadas à noite: à música, ao canto, à dança, ao cinema…ou então, à escrita, jornalística e literária.

A deliciosa ironia do narrador, cuja acidez raia o sarcasmo, nota-se sobretudo na voz de Silvestre, cuja perspicácia, poder de observação, capacidade de raciocínio e fortíssimo sentido crítico, o colocam numa posição de destaque relativamente aos outros co-protagonistas.

Já o narcisismo de Arsénio acaba por pintar a sua personalidade com uma pincelada de um certo alheamento ao mundo real, transformando-o, simultaneamente, numa personagem cómica.

Mas é a nostalgia, a nota principal que domina o discurso narrativo. Esta encontra-se presente em todas as descrições, relativas à paisagem da Cuba noctívaga, desde a beleza verde e algo selvagem dos jardins do Clube Tropicana até ao ambiente báquico dos night clubs onde se dança o mambo, fazendo lembrar alguns desenhos de Toulouse-Lautrec.

A ironia, tingida de sarcasmo, também se encontra presente logo na primeira cena onde o mestre de cerimónias tenta cativar alguns turistas norte-americanos, adulando-os. É , aqui, salientado o ridículo de um Estado que, ao dizer-se defensor da cultura nacional, se transforma, gradualmente, em estância turística vendendo-se e rendendo-se à sedução do dólar e descurando a autenticidade e a verdadeira identidade cultural, como no episódio da bengala envolvendo uma casal de (pseudo) escritores norte-americanos, que o romance começa a adquirir a tonalidade de distopia, a que já aludimos anteriormente.
No final, anomia é a principal tendência evidenciada pelas diferentes personagens que têm a seu cargo a narração da história, quando o romance se aproxima da sua conclusão.

Tanto a jovem que frequenta e descreve as sessões de psicoterapia – e em cujo discurso é cada vez mais difícil destrinçar a ficção da realidade – como o discurso de Silvestre ao chegar ao apartamento depois de percorrer a marginal no automóvel de Cué, numa tentativa de escapar ao Tempo e atravessar a noite até à Eternidade, são anómicos, revelam uma certa desordem de ideias, embora com características diferentes. No discurso de Silvestre, a ausência de parágrafos e de pontuação confere um ritmo obsessivo e incessante, marcado por repetições anafóricas que sublinham a cadência da leitura. Ao mesmo tempo, o apreço doentio do narrador pelo detalhe descreve, com minúcia doentia os movimentos que marcam ciclicamente a sua rotina antes de se deitar. E que enfatizam o peso do silêncio que esmaga a personagem e, ao mesmo tempo, reforça o sentimento inexorável de uma solidão que se torna opressiva…

Já na jovem do consultório psiquiátrico, nota-se a fragmentação progressiva do Eu, em manifestações cada vez mais evidentes de paranóia…

No epílogo, o discurso desta mesma personagem feminina, torna-se completamente desconexo e inextrincável, acabando por confirmar a tendência anteriormente descrita.

Estilo

O autor alerta, no início, para o facto de o romance estar escrito em “cubano”, ou seja, nos diferentes dilectos que se falam em Cuba.

Esta escrita não é mais do que a tentativa de apanhar a voz humana em pleno voo (…) As diversas formas do cubano fundem-se (…) numa só linguagem literária (…) em particular a gíria nocturna que, como em todas as grandes cidades, tende a ser uma língua secreta (sic)

Algo que se perde com a tradução para o português, apesar de o tradutor se esforçar por manter as diferenças de sotaque,a acentuação, a entoação dada pelas diferentes personagens-tipo, desde a paquidérmica La Estrella à eroticamente exótica Magalena, passando pelo típico galã latino Arsénio ou a menina de alta sociedade disputada pelos dois protagonistas.
Três Tristes Tigres é um romance que fascina pela sua complexidade, cheio de regressões no tempo, que obrigam a redobrar a atenção com que se lê, subtilezas que nos permitem saborear cada palavra uma profusão de expressões idiomáticas em várias línguas.

Um romance com um ritmo muito próprio – com vários ritmos, aliás. Entre os quais, uma escrita sincopada, numa tentativa de imitação da cadência do Jazz. Marcado por um acutilante sentido de humor, onde as intertextualidades, provenientes da riquíssima cultura de Cabrera Infante, constituem um desafio de descodificação para os amantes da Grande Literatura.

Um romance no qual está, impressa nas entrelinhas, a saudade infinita de quem escreve no exílio…


Cláudia de Sousa Dias

12 Comments:

Blogger Roberto said...

Buon fine settimana Claudia
Ciao
Roberto

10:19 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Grazzie mille, Roberto!

Baci


CSD

12:47 PM  
Blogger Roberto said...

Non ci crederai ma piano piano sono riuscito a leggere il tuo post.
Faccio progressi
Roberto

3:03 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Sono felicissima per questo...! Nel tuo blog io trovo l'opportunitá di pratticare il mio italiano...

Um bacio e grazzie!!


CSD

7:08 PM  
Blogger isabel mendes ferreira said...

:) andamos a ler os mesmos livros...


.


e perfilho da mesmíssima opinião quanto à M.G.Llansol...:(

uma luz raríssima.

uma luz Iluminada!


beijo.

8:49 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

A sério?!

que giro!

Relativamente a Maria Gabriella...li um dos mais beloa textos que me passaram pelos olhos em "Contos do Mal errante", um livro que comentei há cerca de dois anos atrás, creio que em junho de 2006, ou Julho, não tenho bem a certeza...

CSD

9:53 PM  
Blogger Vanda said...

Claudia,boa noite!

Admiro o grande e exaustivo trabalho que aqui tens!

...e mesmo assim tiveste tempo para me visitar! :)

Obrigada!

Também eu faço caminhadas quase diárias :) não para gastar :) mas para solidificar musculos e tendões :)

Mas as caminhadas transformam-se sempre em prazer, quando junto ao mar, já vislumbro a esplanada onde me sento depois, a beber o meu café e a ler o meu livro...

Este ainda não li :)

Beijos, note feliz de leituras :)

12:35 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Obrigada agora estou a ler o Danúbio do claudio Magris e a traduzir os poemas de uma autora colombiana, mas antes ainda vou publicar o comentário a "Orgulho e Preconceito" da Jane Austen, mais lá para o final da semana...

Beijinho

CSD

5:36 PM  
Blogger PG said...

Não tenho palavras para descrever a alegria que sinto por ter descoberto este blog. Obrigado pela partilha Cláudia.

11:38 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Obrigada eu, pela tua visita!

beijinho


CSD

1:35 PM  
Blogger Rui said...

Só conhecia a banda. Mas fiquei a gostar de conhecer o livro.

Obrigado.

1:07 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Sim, mas uma coisa não tem nada a ver com a outra!

Provavelmente a banda inspirou-se em Carbrera...

:-)


Beijo grande e bom fim de semana...!

Ainda vou ver se consigo postar qualquer coisita entre hoje e amanhã...

CSD

3:19 PM  

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