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Bibliomaníaca e melómana. O resto terão de descobrir por vocês!

Thursday, February 21, 2008

“O Perfume” de Patrick Süskind (Presença)


O Perfume é daqueles livros que, quando lemos pela primeira vez, ficamos com a incómoda sensação de que a maior parte do significado nos escapa, ficando escondido nas entrelinhas pelo ao elevado conteúdo surrealista subjacente, ao desenvolvimento da trama. O mesmo se passa com as motivações e a forma de pensar e sentir do protagonista.

Trata-se de uma obra literária da qual sabemos, logo após a leitura do último parágrafo, que voltaremos a lê-la uma e outra vez.

Até desvendar o mistério de uma alma mergulhada nas trevas.

Porque
O Perfume consegue ser muito mais do que a história de um assassino, nascido no meio do lixo e dos restos de peixe podre, no local mais infecto da Paris do século XVIII.

A descrição inicial do fedor nauseabundo da capital francesa, por altura do nascimento de Jean-Baptiste Grenouille foi elaborada de forma a criar o maior impacto possível no leitor por forma a exaltar a sensação de nojo nos leitores. A profusão de detalhes, a minúcia, enriquecida pelas associações de olfactivas e visuais – com predomínio das primeiras – amplia a sensação anteriormente descrita pela repetição anafórica do verbo “tresandar”, ao qual são adicionados nomes e adjectivos de carácter repulsivo permitindo a reprodução (quase) exacta dos cheiros mais pestilentos.
O carácter surrealista é, também, enfatizado pelo animismo concedido à paisagem e aos objectos sobretudo se associados com forte carga olfactiva, apresentando-se ao leitor quase como se fossem seres vivos dotados de alma e sentimentos Ex: “…As chaminés respiram…”.

O discurso onírico de Süskind em O Perfume permite-nos experimentar a sensação de, ao lermos a obra, sentirmo-nos como se estivéssemos a sonhar ou a ter um pesadelo onde o insólito, o maravilhoso, o terrível e o absurdo se misturam ao pintar um quadro ou um mural semelhante a uma pintura de Hieronymous Bosch...

Jean-Baptiste Grenouille surge na trama arrastando consigo uma morte, despoletada pelo grito assassino que reclama o seu direito à vida implicando, simultaneamente, a morte da mãe por enforcamento. O destino da personagem está traçado logo à nascença: para sobreviver e triunfar terá de matar. Terá de despir-se de qualquer sentimento de amor, solidariedade, fraternidade e tudo o que se relacionar com altruísmo e viver apenas e só para o seu EU.
A fatalidade marca, pois, o início do seu nascimento e a orientação da própria conduta ao longo da vida, tal como, mais tarde o antraz lhe marcará o rosto, desfigurando-o.

A infância no século XVIII

Uma das características mais marcantes do romance é a precisão com que o Autor reproduz a mentalidade dominante das gentes que compõem a sociedade francesa, em plena era do arranque da Revolução Industrial, em relação à infância – mentalidade sobretudo representada por Madame Gallard e depois pelo curtidor de peles que “compra” Grenouille como se de um escravo se tratasse.

Um pormenor curioso que se verifica ao longo do desenvolvimento da narrativa é o de, àqueles que renegam Grenouille, escaparem a uma espécie de maldição, de uma vingança nemésica que atinge todos aqueles que, de uma forma ou de outra, ajudaram, involuntariamente ou não, ao seu desenvolvimento ou à realização dos seus objectivos…

Algumas pessoas sentem em Grenouille algo de anormal, alguém cuja ausência de odor, numa sociedade onde o banho não fazia parte dos hábitos de higiene diários – o que por si só aumentaria exponencialmente a incidência de um odor humano - o transforma num excluído social, numa espécie de espectro ou fantasma levando as pessoas mais sensíveis a intuir que há algo de errado dentro da alma árida de Grenouille – a rãzinha, o pequeno sapo, que princesa alguma irá beijar algum dia…

Em contrapartida, aqueles que, de certa forma ajudam Grenouille contribuem, voluntariamente ou não, para o seu desenvolvimento, permanecendo cegos e surdos em relação à sua falta de odor que o definiria como ser humano, sofrem uma espécie de “castigo” ou, se preferirmos, o efeito boomerang pelo facto de terem contribuído para a propagação do Mal em estado puro, personificado na pessoa de Jean-Baptiste Grenouille…

Os dotes especiais de Grenouille

O prodigioso nariz de Grenouille tem a particularidade de descodificar o ADN de quem quer que seja ou do que quer que seja ao actuar como um “espectofotómetro dos odores” ou como o sonar dos golfinhos ou dos morcegos. Ex: consegue saber se uma mulher é loira ou ruiva apenas pelo olfacto.

Grenouille possui, também, uma memória olfactiva prodigiosa apesar de revelar sérias dificuldades de aprendizagem linguística, sobretudo no que diz respeito à apreensão do significado em ligação com o significante com no que respeita a realidades não directamente ligadas a sensações olfactivas.

A posse de um nariz sobredotado faz com que, por seu lado, a linguagem seja insuficiente para traduzir todos os odores que é capaz de identificar, transformando-o num Mozart da perfumaria em potência.

Os adjuvantes de Grenouille

O primeiro dos adjuvantes do assassino Grenouille é a mãe, que o carrega durante nove meses no ventre, a qual paga com a vida o facto de ter gerado um monstro cuja voz a leva ao cadafalso.

A segunda adjuvante é Madame Gallard, dona do orfanato, mulher árida no que toca aos afectos, vítima de maus tratos na infância, de onde um acidente implicou a perda do olfacto e a impossibilidade de identificar Grenouille como uma criança diferente das outras – isto é, incapaz de inspirar afecto nos seres humanos. A ausência de olfacto o o facto de ter sido maltratada em pequena, como era habitual ou considerado normal na época, impede-a também de sentir afecto genuíno por qualquer criança.

É um facto que, na obra de Süskind, a capacidade o afecto e o olfacto estarem intimamente relacionados.

E em Madame Gallard a incapacidade de sentir os odores, faz com que esta seja incapaz de sentir amor amor pelos outros. Para Madame Gallard nenhuma das crianças tem cheiro, logo é incapaz de amar qualquer uma delas. Cuida delas como se fossem animais de capoeira. Nesta fase do romance, o Autor pretende fazer notar o quão violento pode ser para uma criança o não sentir-se amada ou crescer sem amor e até que ponto este facto condiciona o seu relacionamento com o Outro, ao constituir o factor X que determinará a exclusão/inclusão no sistema social e garantindo o grau de coesão, dentro dos diferentes grupos a que poderá vir a pertencer.

A ausência de amor atingia todas as crianças do orfanato, sobretudo Grenouille, que não era amado ou estimado por ninguém.

A resistência de Grenouille revela-se a toda a prova, como a dos super-heróis ou anti-heróis ou como a das carraças, parasitas ou bactérias…

O castigo de Madame Gallard é o de terminar os seus dias de uma forma completamente oposta àquilo que seria o seu desejo: com a exposição da sua miséria e declínio físico num hospital público, após uma longa e relativamente próspera vida.

O terceiro adjuvante é Grimal, o curtidor de peles para o qual Grenouille trabalha como um escravo. Grimal utiliza mão-de-obra infantil, composta por órfãos e enjeitados nos trabalhos mais sujos deixando-as à mercê das contaminações e infecções contraídas pelo contacto com os animais em decomposição e com os vapores corrosivos utilizados para o tratamento das peles.

A resistência de Grenouille é notória o que o torna partcularmente valioso. Contudo, logo após vender Grenouille ao perfumista Baldini, Grimal nem tem tempo para gozar o produto da venda, perdendo a vida, num estranho e aziago acidente.

Ainda antes de entrar pela primeira vez em casa de Baldini, Grenouille numa das suas saídas em dia de folga, depara-se com um perfume inusitado. Apercebe-se que se trata de uma belíssima jovem ruiva e segue-lhe o rasto. A jovem é de uma beleza deslumbrante, mas o que o atrai nela é o perfume, o cheiro natural que dela emana e que inspira a adoração dos outros.
Surge-lhe a Tentação. Inspirar amor nos outros. Quer o perfume para si. Mata, então a jovem com o único intuito de se apoderar do seu perfume. Debalde.

Grenouille descobre, então, o grande objectivo que irá orientar a sua conduta daí em diante: conseguir extrair o perfume, a essência da Beleza no seu estado puro e assim conseguir a submissão da Humanidade…

Grenouille deseja poder exalar o odor das pessoas que fascinam, o carisma que lhe foi negado à nascença.


Quando Grenouille entra em casa de Baldini, dá-se um ponto de viragem na história. Grenouille já tem o objectivo formado, mas precisa de passar por um processo de preparação, de aprendizagem antes de iniciar a concretização do sue objectivo.

Inicia, então, a aprendizagem do ofício de perfumista, inclusive os métodos e técnicas de extrair as essências das matérias-primas e depois misturá-las: extracção, composição da fórmula e misturação dos ingredientes.

Durante a estadia de Grenouille em casa de Baldini, Patrick Süskind aproveita para mostrar aos leitores a história da perfumaria em traços gerais e os meandros do ofício de perfumista.

Baldini é, na realidade uma farsa como parfumeur. Percebe do ofício, dos procedimentos mas não é um “nariz”.

Para Grenouille, que tem tudo para ser um parfumeur, a profissão é apenas a máscara que usa para ocultar os seus verdadeiros objectivos á sociedade.

É a sua camuflagem.

Primeiro com Baldini, em Paris, depois em Grasse com os Arnulfi, na extracção dos ingredientes.

Antes de Grasse, uma súbita crise existencial - como em todo o artista que se preze – obriga-o a afastar-se de Paris por ainda não saber como fabricar o Odor Supremo.

A Baldini também de nada lhe serve aproveitar-se do talento de Grenouille. Todos os seus sonhos se desmoronam a partir do momento em que Grenouille abandona a cidade.

Na segunda parte do romance, dá-se um interregno, marcado por um período de isolamento durante o qual Grenouille tenta encontrar-se a si mesmo e ao seu próprio odor natural. È aqui que nos apercebemos do alcance da sua natureza anti-social patente na necessidade de limpar o seu olfacto da mínima partícula de odor humano e reconciliar-se com o seu próprio odor. Até descobrir que, na realidade, não possui odor algum. É, então, chegado o momento de retomar a perseguição do seu objectivo.


Grenouille retorna à civilização, ao chegar à cidade de Montpellier onde encontra o lunático Marquês Tallade-Espinasse, um aristocrata enfatuado e pedante que procura a confirmação para uma extravagante tese sobre um suposto elixir para a vida eterna.

Mais um cego e surdo, desta vez vítima da adulação do manipulador Grenouille. A caba por encontrar a morte gelada, nos Alpes, quando julgava encontrar a fonte da eterna juventude, imediatamente após da partida da Carraça Grenouille para Grasse.

A personalidade de Grenouille

O parágrafo que melhor descreve a personalidade de Grenouille encontra-se logo na página 25.


A carraça que se faz deliberadamente pequena e insignificante para que ninguém a veja nem a esmague. A carraça solitária, fechada e escondida na sua árvore, cega, surda e muda, e apenas ocupada durante anos a fio, a farejar nos lugares à sua volta o sangue dos animais que passam e que jamais atingirá pelos seus próprios meios.

Durante a segunda parte, apercebemo-nos que Grenouille tem uma presunção desmedida - através da descrição dos seus delírios e sonhos megalómanos na gruta – e uma ambição incomensurável em relação a uma extravagante revolução no mundo dos odores.
Mas a faceta manipuladora de Grenouille só se começa a notar quando este regressa à montanha sendo a primeira vítima, a título de ensaio, o marquês Tallade-Espinasse. Até aqui fazia-o involuntariamente. A partir do momento em que sai da gruta fá-lo conscientemente.

A soberba de Grenouille

É, no entanto, neste parágrafo da página 149 que nos é dada a chave do romance, o móbil principal que está por detrás das atitudes e dos crimes de Grenouille.

(…) tinha conseguido, graças ao seu próprio génio reconstruir o odor humano e fizera-o de uma forma tão perfeita que até uma criança se enganara. Sabia agora que os seus poderes iam mais além. Sabia que podia melhorar este perfume. Seria capaz de criar um perfume não só humano, mas sobre-humano. Um perfume angelical, tão indescritível, bom e pleno de energia vital que quem o respirasse ficaria enfeitiçado e, quem o usasse, amaria Grenouille de todo o coração.
Sim, era preciso que o amassem quando estivessem debaixo do sortilégio do seu perfume: não apenas que o aceitassem como um deles, mas que o amassem até á loucura, até ao auto-sacrifício, que estremecessem de delírio, que gritassem, que chorassem de volúpia, sem saber porquê, era preciso que caíssem de joelhos como ante o odor frio de Deus, sempre que o cheirassem a ele, Grenouille! Tencionava ser o deus omnipotente do perfume (…) e o odor penetrava directamente neles até ao coração e ali tomava decisões sobre a simpatia e o desprezo, a repugnância e o desejo, o amor e o ódio. Quem controlava os odores controlava o coração dos homens.
Grenouiile estava totalmente descontraído, no seu banco da Catedral de S. Pedro e sorria (…) não havia uma centelha de loucura nos seus olhos, nem qualquer esgar demente no seu rosto. Estava em seu juízo perfeito. Achava-se tão lúcido e sereno que se interrogou sobre o motivo que o levava a desejar tudo isto. E concluiu que o desejava porque era essencialmente mau. E o pensamento fê-lo sorrir de contentamento. Tinha um ar da mais absoluta inocência semelhante a qualquer homem feliz.

Este trecho é a peça que irá encaixar no puzzlle das emoções demonstradas por Grenouille na altura do julgamento e execução – altura em que o sobredotadíssimo parfumeur percebe que aquilo que move a sua conduta é o ódio à humanidade.

Por agora a sua hybris, o seu orgulho desmedido, prossegue neste registo, ainda na igreja:

(…) que odor miserável tinha este deus! (…) Nem sequer era incenso verdadeiro, o que fumegava nos receptáculos. Era um mau substituto de tília, pó de canela e salitre. Deus cheirava mal. Este pobre pequeno deus era fedorento.

De facto, tanto no Antigo Testamento como nas tragédias clássicas, a hybris está ligada a um desejo imoderado de poder irá determinar o destino daqueles que desafiam os deuses. Será precisamente a vingança se não de um Jahveh, pelo menos aquela da divindade mais temida pelos Gregos e pelos Romanos: Némesis – Grenouille conhecerá a mais cruel das mortes, despoletada pelo sortilégio do seu perfume e marcada pela terrível ironia da deusa da Vingança e da Justiça punitiva...

Na verdade, trata-se, também, de um suicídio a partir do momento em que Grenouille verifica que nunca será amado (ou odiado) por si próprio, mas apenas e só enquanto estiver na posse do Perfume…

O romance é, em si, a negação do modelo teórico humanista relativamente à formação da personalidade, baseado na concepção de Jean-Jacques Rousseau o qual pressupõe que o Homem é naturalmente bom e que é a sociedade que o corrompe. Ao analisarmos a obra de Süskind, percebemos que, na óptica do Autor, o Mal parece ter uma raiz genética (hipótese mais do que controversa no seio da comunidade científica, que já originou acaloradas discussões a propósito da personalidade anti-social ou sociopata) que seria potenciada por um desenvolvimento destas características nefastas num meio social hostil – como é o caso.


Na Terceira parte – a chegada a Grasse – pouco mais terá que se lhe diga, trata-se apenas da execução de um plano previamente traçado, delineado ao pormenor.

É em Grasse que Grenouille encontra os ingredientes de que necessita – as “flores” – que irão compor o perfume mais maravilhoso que já existiu, para além dos utensílios e da aprendizagem do processo de extracção dos odores e, onde irá revestir-se da camuflagem que lhe é essencial para afastar suspeitas. A profissão que lhe garante respeitabilidade – a de artisan parfumeur, em casa de Madame Arnulfi…


O Estilo e a Linguagem

Em vários momentos ao longo da narrativa, Patrick Süskind descreve a paisagem e o ambiente de tal forma que parece que os lugares têm alma e manifestam emoções semelhantes às dos humanos lembrando um pouco a escrita de Conrad em O Coração das Trevas.

Também as flores (as flores reais, não as metaforizadas) durante o processo de extracção dos odores, são descritas como se fossem humanas – aos olhos do assassino não existe qualquer diferença a não ser no odor em si.

(…) deitava as flores frescas nos alqueires. Estas, semelhantes a olhos, reflectindo o medo da morte, flutuavam um segundo á superfície e descoravam mal a espátula as empurrava e a gordura quente as absorvia. E, quase instantaneamente, amoleciam e murchavam e a morte colhia-as tão de súbito que não lhes restava outra escolha senão o exalar de um último suspiro perfumado numa entrega ao elemento que as afundava (…).

Trata-se de uma descrição fria de um processo, aos olhos de um assassino que mata obsessivamente os seres belos para lhes extrair essa mesma beleza e utilizá-la, depois, como instrumento de vingança contra a humanidade que o exclui por ser destituído dessa mesma beleza odorífera.

O único momento em que o plano de Grenouille corre o risco de ser desmantelado deve-se à intervenção de Antoine Richis, o pai de Laure – o ingrediente principal do perfume.

O extraordinário insight do pai de Laure provém de uma invulgar capacidade de análise e de síntese e, principalmente, de estabelecer um fio condutor entre os diversos elementos da investigação, o que lhe permite identificar o padrão de comportamento do assassino.

A única falha no raciocínio de Richis, a qual acaba por se converter na grande vantagem para Grenouille, é o facto de aquele raciocinar segundo categorias visuais – ao pensar que o objectivo do assassino é a beleza de Laure – e não olfactivas, o que o leva a pecar por excesso de confiança. Richis não conhece todas as variáveis em causa. Por isso não identifica o assassino nem as suas motivações. Mas antecipa o que vai acontecer.
O erro de Richis permite a Grenouille reagir prontamente ao imprevisto, antecipar-se ao adversário e passar à execução do plano B, atingindo, assim, o seu objectivo.

Durante a cena surrealista que se segue à subida de Grenouille ao patíbulo, o Perfume, que contém a essência de vinte e cinco jovens deslumbrantes, torna-se o seu advogado de defesa ao invés de constituir a prova da sua acusação. O julgamento termina com um mega orgia, desencadeada pelo sortilégio do perfume, que enlouquece a multidão, submersa por uma gigantesca vaga de luxúria e erotismo...

Grenouille apercebe-se, no entanto, ao observar a multidão, que nunca será amado por si mesmo, mas apenas e só enquanto estiver na posse do perfume. Mais: as pessoas amam o perfume e não a ele, Grenouille. Compreende, então, que a sua satisfação não está no amor mas no ódio, em causar o Mal. Algo que nunca lhe será retribuído enquanto estiver na posse do perfume, já que o inodoro Grenouille só desperta indiferença.

Decide, então, morrer por obra e graça da sua criação mais perfeita…uma morte desencadeada, mais uma vez por um excesso de paixão, despoletado por um Perfume cujo efeito é mais devastador do que uma bomba…Grenouille morre despedaçado, numa cena cujo teor surrealista e macabro quase poderia ser parte integrante de um filme de David Lynch…
No último parágrafo o sentimento dominante é o da partilha de um sentimento colectivo de satisfação, com uma ambiguidade de significação que leva o leitor a perguntar-se: que tipo de amor pode desencadear um acto de canibalismo?

Amor-luxúria?

Ou cumplicidade na satisfação por terem livrado a humanidade de um monstro?


Cláudia de Sousa Dias

39 Comments:

Blogger Ana said...

já o li há alguns anos (livro emprestado, nunca cheguei a reler nem a comprar; falhas gravíssimas;))
recordo-me muito bem dos cheiros que fui sentido enquanto o li:)

Mais um belíssimo texto sobre um belíssimo livro. Gosto muito de Suskind. "O Contrabaixo" e "A história do sr Sommer" são dois livros deliciosos.

1:51 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Serão lidos...ae sua tempo!Estou, outra vez, com uma lista interminável...

Bjo

12:24 PM  
Blogger isabel mendes ferreira said...

O perfume é tb espelho.

quase lacaniano.


_______________.


brilhante "ensaio"....de quem sabe "ler".


bom dia e bom fim de semana.


_______________cordialmente.

2:01 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Obrigada Isabel...Lacan é também um autor que sinto necessidade de ler...conheço o modelo teórico mas falta-me ler a obra..

CSd

3:23 PM  
Blogger Ana said...

são os dois fininhos Cláudia:)em 2h no máximo estão lidos;)

1:24 AM  
Blogger Unknown said...

É daqueles livros que marcam...é demasiado real...deixa-nos a beira da realidade.. entre a vontade de querer e de ter...

beijo...

11:11 PM  
Blogger monge said...

Num longo período de convalescença, li o Perfume, após ter lido O Ensaio sobre a Cegueira.Imaginar-me provido de um sentido, rodeado por aquela podridão de cheiros. Angustia garantida!
No entanto, estou ansioso por ver o filme (embora goste sempre mais dos livros) e não está posta de parte um releitura, isto porque, em algumas cavaqueiras literários sobre o livro há aspectos que não são consensuais com os de outros leitores amigos.

12:22 AM  
Blogger Carla Gomes said...

Um livro que já li há alguns anos e que não reli (entretanto vão surgindo novas leituras, tantas novas leituras...).

Depois de concluir a leitura desta apreciação ao livro apercebi-me de que tenho MESMO de o voltar a ler, é urgente fazê-lo!

Beijos:)

12:02 PM  
Blogger Roberto said...

Grazie Claudia per la tua visita.
Che post lungo che hai scritto,peccato non poterlo leggere.
Baci
Roberto e buon inizio di settimana

5:52 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Hei-de lêlos de certeza, Ana!

CSD

6:54 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Carlos, Monge e Carla: è verdade e as tertúlias sobre este livro dão sempre polémica, como aconteceu em Janeiro no Cineliterário, uma vez que as atitudes de Grenouille despoletam reacções emocionais, para além de o filme também dar azo a interpretações que se desviam muito do livro...

CSD

6:57 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Roberto, grazzie per il tuo coment...

Peccato tu non leggere il portoghese...

Bacio e buona settimana per te...


CSD

7:00 PM  
Blogger JFDourado said...

Li este livro há mais ou menos um ano e lembro-me que quando dei por ela já o tinha acabado… ;)

bjs

10:34 PM  
Blogger NLivros said...

Viva Cláudia.

Como referi no meu blog, a minha opinião é um pouoc diferente da tua, pese embora a tua dissecação entronque em muitos aspectos na minha.

No entanto está soberba a forma como descascas o livro abordando não só a tua perspectiva como uma outra visão da obra, pelo menos para mim.

Este é um dos grandes livros da humanidade e é livro para ser discutido inumeras vezes, tenho até a impressão que por muito que se discuta se vai arranjar visões diferentes.
Bjs.
Miguel

10:21 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

É, de facto, um livro que prende a atenção.

O mal sempre fascina porque aterroriza.

Tentamos sempre identificar aquilo que nos causa o medo...é inato.
Assim como o medo das cobras, dizem os especialistas é inerente aos primatas desde o tempo em que viviam nas árvores e eram recolectores...

Daí o mito da serpente no génesis...

CSD

12:54 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Obrigada Iceman...É sempre bom olharmos as coisas por prismas diferentes. Eu estou convencida que os nossos dois pontos de vista são complementares...


CSD

12:56 PM  
Blogger Isabel said...

Olá Cláudia.
Continuas aqui a mostrar que sabes ler, amas os livros, transmites esse amor, e ainda por cima também sabes escrever.
O Perfume é um livro que me soube bem ler porque teve a capacidade de me deslumbrar com o incómodo causado.
Cada vez que as palavras têm a capacidade de provocar sensações intensas, viscerais, deslumbro-me.
O melhor que para mim posso obter de um livro é o deslumbra.
Apesar de O Perfume ter essa característica não me parece que volte a lê-lo, não há tempo na vida para buscar e ler todos os livros capazes de deslumbrar.
Ando deslumbrada, presentemente, com Haruki Murakami, não me acontecia nada semelhante há uns bons 10 anos diria...
Há tanto com que nos deslumbrarmos, não há Cláudia?

Isabel

1:18 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Que saudades, Isabel, de te ver por cá...

Sim, é verdade...há muito boa literatura (e não só) para prender a nossa atenção...


CSD

6:04 PM  
Blogger Rui said...

Ora aqui está um livro que me conseguiu abrir o apetite.
Gostei tanto que não fui capaz de ver o filme. Há coisas que só imaginadas.

4:25 PM  
Blogger Joana Roque Lino said...

Olá Cláudia,
Venho retribuir a visita. Tem um belo blogue. Vou fazer um link para aqui. Li o perfume há muito tempo, nunca mais lhe tendo pegado, mas ainda me lembro da parte final, que muito me impressionou. Fica na retina, pois fica! Um abraço.

6:21 PM  
Blogger Claudinha ੴ said...

Este me interessou. Vou procurar! Um beijo!

9:35 PM  
Blogger Elipse said...

ao contrário de ti, este é um livro que não re-lerei.

A impressão que me causou foi de repulsa. Mas foi a caminho do fim, porque o início prende-nos aos cheiros, integra-nos neles.

Não falo de um livro mau. não! Se o autor não tivesse conseguido fazer-me sentir o que senti, teria falhado no seu objectivo e a autópsia que fizeste aqui (completa, minuciosa, detalhada, certeira...)conduziu-me à estranheza do insólito e do absurdo que há muito tempo li, nauseada, até ao fim.
É uma obra prima da literatura, diria eu.
Mas terrível!

10:19 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

O filme consegue ter alguma piada mas não chega aos calcanhares do livro para além de deturpar completamente a ideia do fundamento da personalidade de Grenouille e quem viu o filme e não tenha lido a obra consegue facilmente encontrar num textozinho como este algumas diferenças...que fazem toda a diferença!

CSD

12:26 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

É verdade, JRL a cena final é impossível de esquecer...!Porque mexe com um dos nossos principais tabus...e com uma norma ética fundamental. A do início também consegue ficar na memória...


Obrigada pela visita!

CSD

12:29 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Claudianha, se ainda não leu, acho realmente que vale a pena...


CSD

12:30 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Elipse, tens toda a razão...mas o livro é pura arte.
E o conteúdo por mais horripilante que seja - é verdade:a professora Rosário Carneiro perguntou-me um dia, numa das aulas da cadeira de Educação para os Recursos Humanos como é que eu conseguia gostar do livro, dizendo "eu achei aquele homem horrível!" - e eu concordo inteiramente! Mas a escrita é magistral apesar, ou se calhar por isso, mesmo de gerar opiniões e reacções emocionais tão diversas...

e que apesar da divergência todas as piniões são unânimes em declarar "O Perfume" como uma obra marcante na literatura dos finais do século XX.

É curioso, mas aqui no blog encontramos duas reacções emocionais, em dois extremos do mesmo continuum (ou se calhar nem tanto), onde dum lado está o fascínio pelo horror e o extremo a que pode chegar a maldade humana e do outro a repulsa total, visceral face ao mesmo tema...!

Um beijo minha querida e obrigada por enriqueceres esta cibertertúlia com um comentário quem colocar colocar o dedinho na ferida :-)) - A náusea que despoleta no leitor - algo que ainda ninguém se tinha lembrado...

12:44 PM  
Anonymous Anonymous said...

olá, claudia, como estás? conhecemo-nos em famalicão, no dia da abertura do famafest, lembras-te? vim finalmente visitar-te e comento este post, por ter sido um dos livros que mais marcou, gostei muito da tua análise e fico leitora do teu blogue ;) um grande beijinho

12:03 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Obrigada, Alice! Fico muito contente...beijinho grande!


CSD

11:35 AM  
Anonymous Anonymous said...

a análise do livro está simplesmente perfeita. Apesar de não ter gostado do livro (devendo-se em parte ao personagem) tenho de o admitir, um texto fantástico.
Consultei o teu blog para fazer um trabalho e ajudou m imenso.

Parabéns...

7:52 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Obrigada...

ainda bem que pude ajudar!

um abraço e um bom 2009.


CSD

10:24 PM  
Blogger Jaquelyne Costa said...

Claudia,gostei muito do que você escreveu aqui sobre esse livro.
Parabéns!
Adicionei seu blog na lista de meus preferidos porque eu preciso continuar a ler tuas resenhas!!

Abraços!

3:17 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

obrigada jaqueline!

e bem vinda a este mini ficheiro da minha biblioteca pessoal...

9:56 AM  
Blogger Gabriela L. said...

É uma crítica muito completa. Procuro por um livro que se pareça com ele. Sobre as sensações que despertam ao ler, e a análise psicológica dos personagens... Indica algum?

5:52 PM  
Blogger Gabriela L. said...

Parabéns pela crítica do livro, muito completa.
Conhece algum outro que voce classificaria como parecido com esse?

5:54 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

pode tentar "A Criança Medusa" de Sylvie Germain.

6:21 PM  
Blogger Baltazar Gonçalves said...

Também fui engolfado pela leitura de O perfume, gostei muito do seu texto e o compartilhei no facebook. Conheça meu blog (DEPOIS EU CONTA)cartas, crônicas e contos). Grande abraço!

6:41 PM  
Blogger Undead12 said...

Excelente, Li este Livro em minha infância, meu pai possuía a 5ªEdição, porem, ele não havia lido, até onde sei... Por volta dos meus 15 anos, meu gosto pela leitura aflorou, estava lendo bastante comecei lendo quadrinhos do selo Vertigo e encontrei bem ao fundo, junto aos livros velhos, esta maravilhosa 5ª Edição do Livro de "Perfume : A historia de um Assasíno, do escritor Alemão Patrick Süskind, esta foi uma das melhores leituras que tive. Gostei tanto, que obviamente, passei para meu Irmão e alguns amigos, este raro exemplar, que infelizmente se perdeu em meio a mudanças repentinas da vida cotidiana. Anos após ler "Perfume", lançam o Filme, embora, na tentativa frustrada de sintetizar o filme, os diretores retalharam "um pouco" algumas cenas originais, mas ainda sim fiquei muito feliz de poder recordar a trágica historia de Grenouille... Este #Blog esta de parabéns e ESTOU muito grato pelas reflexões.

4:11 AM  
Blogger Unknown said...

Obrigada por ter feito uma análise tão cuidada deste livro.
Ajudou-me imenso a ter inspiração para escrever um texto sobre ele para um trabalho e, se não se importar vou fazer referência ao seu texto no meu próprio texto (não quero tirar as ideias de ninguém).
Continue :)

4:38 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Obrigada, Marta! um beijinho.

4:43 PM  

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