“A Idade da Inocência” de Edith Wharton (Europa América)
Edith Jones, Wharton pelo casamento, nasce em 1862 em Nova Iorque, no seio de uma sãs famílias mais tradicionais e abastadas da Costa Leste. Educada na Europa, movimenta-se dentro do círculo das elites de ambos os continentes, no ambiente restrito da aristocracia e da alta burguesia financeira, deparando-se com o desafio imposto pela sua personalidade anti-convencional em vencer os preconceitos típicos de uma sociedade ultra-conservadora para fazer aquilo de que mais gosta: escrever e publicar.
Aos 23 anos casa com o banqueiro Edward Robin Wharton, de quem se divorcia vinte e oito anos depois.
A sua primeira publicação de sucesso data de 1902 com The Valley of Decision. Antes tinha escrito The Touchstone (1900). No entanto, o primeiro grande romance só é publicado em 1905, coincidindo com a época do divórcio, cuja temática incide numa virulenta crítica à alta sociedade norte-americana.
O pendor realista está muito presente na obra desta autora, de espírito inconformista, o que se evidencia sobretudo em Ethan Frome (1911) a enfatizar a luta individual face à pressões sociais orientadoras da conduta; e, também, em The Custom of the Country de 1913. Mas é com A Idade da Inocência que em 1921 obtém o Prémio Pulitzer e o reconhecimento internacional como escritora. Contou, também, com o apoio incondicional de um grande amigo, o escritor Henry James, nome que dispensa apresentações.
Edith Wharton passa a viver em Paris, a partir de 1907 e, em 1915, é condecorada com a Legião de Honra Francesa pelo auxílio prestado a refugiados de guerra. Virá a falecer em França, na localidade de Saint-Brice-sous-Fôret, em 1936.
A trama de A Idade da Inocência gira à volta de um triângulo amoroso composto por Newland Archer, advogado, oriundo de uma família abastada, gestor das propriedades do vasto clã que inclui a própria família e a da mulher. As suas inclinações afectivas colocam-no num dilema que opõe o seu carinho por May – a jovem com quem parece destinado a casar-se e que perece reunir todos os atributos considerados válidos e que a tornam elegível para esposa de alguém com os pergaminhos de Newland – à paixão que nutre pela Condessa Olenska que, após passar uma longa temporada na Europa regressa, divorciada e com modos afrancesados, a remeter levemente para a licenciosidade da corte de Versailles no tempo do Rei-Sol.
Archer é, também, um jovem de espírito inconformista – mas só em privado – que é sufocado pelo apertadíssimo espartilho das normas de conduta social, num meio onde a aparência de verticalidade e uma reputação sem mácula é tudo o que conta para a preservação do prestígio social desejável para se ser um modelo de conduta, invejado e imitado pelos demais. O equilíbrio precário entre impulsos e desejos a necessidade de submissão às convenções associados ao medo de se ser marginalizado levam Archer ao dilema existencial no qual reside o motor de desenvolvimento da narrativa.
May, a jovem com quem Archer é por todos os que o rodeiam subtilmente pressionado a casar, tem todas as qualidades que é suposto reunir uma jovem esposa de um advogado em início de carreira. Muito jovem, inexperiente, amante do exercício físico intenso, May não partilha do entusiasmo de Newland Archer pelas artes plásticas, arquitectura e paixão pelas letras. Talvez por a família da própria May ser de índole essencialmente pragmática, com os interesses centrados exclusivamente nos negócios e na vida social, os Weelland não conseguem interessar-se por actividades do foro intelectual senão superficialmente. A forma como May foi educada teve como prioridade o apego excessivo às convenções, o que cria algumas dificuldades no que respeita à conciliação das próprias afinidades com as de Archer. May é uma mulher inteligente mas frívola, com capacidade para amar mas a quem a educação revestiu de uma camada de gelo de tal forma espessa que se torna impossível de derreter. May tem sempre o gesto e o tom de voz certo para cada ocasião, tendo também desenvolvido a capacidade de colorir uma contrariedade ou censura com um sorriso ou uma frase apaziguadora. No entanto, esta característica acabará por fazer dela uma pessoa dissimulada e incapaz de enfrentar as situações, preferindo optar pela manipulação.
Ellen Olenska, legalmente casada com um aristocrata europeu reside em Paris. Prima de May, foi educada pela irreverente tia Medora Manson e pela maliciosa e condescendente Avó Catherine, as quais ajudaram a moldar uma personalidade tão inconformista quanto a de Archer. Após escandalizar a ultra-conservadora elite da costa este nova-iorquina, ao debutar com um vestido de cetim preto. Casa-se com um nobre da Europa do Leste, mudando-se para o Velho Continente, onde vive durante largos anos, numa atmosfera de luxo rendilhado de boémia, mas onde é respeitada. O fracasso do casamento com um marido de personalidade autocrática, além de dissipador, leva-a a regressar ao ninho da família de origem em busca de refúgio. Ao chegar, depara-se com a muralha das convenções. Todos parecem estranhar a sua maneira de vestir, ao olhar desconfiadas a figura da Condessa, desta vez num vestido de corte império, totalmente deslocada da figura estilizada das damas do início da belle époque, que olham com receio os seus modos exuberantes, recheados de estrangeirismos. No entanto, o principal motivo de receio é que a nódoa que constitui o estigma social altamente pejorativo de “mulher divorciada”, possa macular, de alguma forma, a aparência impoluta da imagem moral da família Weelland-Archer. O que mais abominam é a publicidade negativa que possa ser associada a um escândalo de ordem sentimental. Por isso, não é de estranhar que seja precisamente a família mais próxima a recear a presença da condessa Olenska. Sobretudo pela possibilidade de esta desviar a atenção de Archer relativamente à noiva. Por outro lado, temem a possibilidade de os seus pares lhe virarem as costas, recusando-se a sentar à mesa com uma mulher “transviada”. Na realidade, a maior parte dos convidados para o jantar de boas vindas a Olenska declina o convite. Para isso, será necessário recorrer aos Van der Luyden, o casal mais idolatrado e inacessível da Costa. O controlo social é apertadíssimo contando, para tal, com a minúcia que raia a mesquinhez dos árbitros das elegâncias, peritos em mexericos, como Sillerton Jackson que se entretém a apontar as supostas falhas dos outros de forma a desviar a atenção da própria conduta.
Olenska gosta de quebrar convenções a cada momento, apesar dos esforços para não o fazer – tanto na forma de vestir como na conduta em sociedade como, por exemplo, ao falar com homens, nem sempre bem conceituados no que toca a respeitabilidade com as mulheres, a qualquer altura do dia, independentemente do estado civil.
No entanto, a superioridade do carácter de Olenska destaca-se pela coerência com que ultrapassa convenções sem se sujeitar aos convencionalismos impostos pela opinião pública acerca de si própria. Sobretudo a de quem a não conhece directamente, a ela e às circunstâncias em que toma determinadas atitudes.
Quando Mrs Beaufort cai em desgraça, devido à imprudência do marido nos negócios, a solidariedade de Olenska para com a prima é de uma coragem a toda a prova, ao contraria a atitude dos seus pares, que decidem votar o casal ao ostracismo, mediante um imprudente lance financeiro. Defendem, também, que uma escolha mal calculada deve ser mantida indefinidamente.
Perante isto, Olenska escolhe desde cedo, viver de acordo com as próprias regras e ser ela própria a seleccionar as suas amizades. Primeiro, num contexto social onde lhe é permitido fazê-lo, como a Paris da viragem do século XIX para o século XX, onde conquista o prestígio social por mérito próprio, depois junto da família de origem, após o divórcio e, por último, novamente em Paris. Outro aspecto que faz com que Olenska se destaque da tribo a que pertence tem a ver com o estratagema “airoso”, dotado de falsa solidariedade, com que esta se tenta livrar dela, como o elemento incómodo, fazendo questão de sempre se afirmar como dona do seu próprio nariz e fazer o que muito bem entende. A própria família Van der Luyden, idolatrada pela mesma tribo como o protótipo da perfeição, acaba por ajudar a família de Ellen e May na altura de se livrarem daquela por a considerarem uma ameaça ao casamento de May. Para tal, organizam-lhe um jantar de despedida como se a homenageassem. Nesse momento, Ellen Olenska apercebe-se que todos a tomam por amante de Archer. Na realidade este chega, por duas vezes, a pensar em abandonar a cidade e traçar um plano de vida em comum com Olenska. Mas acaba sempre por ceder às pressões familiares, quer antes quer depois do casamento.
No epílogo, percebemos o lento processo de mudança, a marcar o comportamento das gerações seguintes, numa perspectiva optimista que transparece no discurso da Autora. Nos mais velhos, as atitudes e inibições solidificadas durante tantos anos, tendem a persistir. Só os jovens se movimentam segundo outras premissas. Assim se explica a atitude passiva de Archer numa altura em que poderia ter invertido o rumo das vidas de ambos, deixando-se levar pela inércia e comodismo. Atitude que transporta consigo, ao longo de toda a vida, passadas cerca de duas décadas. Isto porque a acção do tempo colabora no sentido da erodir a vontade e a iniciativa. Trata-se de uma das ideias mais importantes que a Autora pretende transmitir: Archer, após analisar todo o leque de oportunidades perdidas, apercebe-se de que viveu uma felicidade a meia haste, sem usufruir de todo o seu potencial.
Nesta fase da vida, Archer observa o comportamento dos jovens da geração a que pertencem os seus próprios filhos e de May, nos anos vinte do novo século, cuja mentalidade revolucionária favorece o afrouxamento das convenções, tal como acontece no vestuário, onde é abolido o espartilho e as saias começam a deixar ver as pernas.
Também nesta altura as fronteiras entre as classes sociais parecem ter ficado mais permeáveis, permitindo por exemplo, o fechar de olhos relativamente à origem de algumas fortunas. A mudança geracional ocorrida nos E.U.A., neste curto espaço de tempo, acompanha a evolução tecnológica, com a introdução e a disseminação do uso do telefone, as viagens mais rápidas. Tudo factores que aproximam a pessoas e agem como facilitadores da interacção social no sentido de permitirem ultrapassar algumas barreiras, desmantelar alguns preconceitos e desvalorizar estereótipos.
No entanto, a mensagem mais importante do romance é aquela que é introduzida por Ellen Olenska quando se refere à figura da Górgona que, ao contrário da lenda, não transforma propriamente os homens - ou as mulheres – em pedra. Apenas os endurece, no sentido em que “seca as lágrimas”. É a perda da inocência, onde o homem ganha, em troca, a resistência ao sofrimento. Ambos - inocência e sofrimento - se desintegram, devassados pela fria luz da realidade.
Onde o preço a pagar será, talvez, as emoções, doravante petrificadas…
Cláudia de Sousa Dias
Cláudia de Sousa Dias
12 Comments:
Cláudia, é você?
Aqui sou a Dany, sua maninha mineira! Não acredito qu enovamente encontrei você por acaso em um blog. Me deixe um recado! Você sumiu da minha vida!
Adorei seu blog, e por falar em literatura, ainda tenho " A Lua de Joana" que você me deu de presente!
Saudades imensas!!
Bjos,
Danielle Luciano
www.conversandocomosbotoes.blogspot.com
desculpe, mas há de certeza um engano...
não tenho irmãs no brasil!
:-D
e tmbém não ofereci "A Lua de Joana" a ninguém. Também nunca comprei o livro...
:-)))
csd
Mil desculpas pelo engano!
Na verdade, ela foi minha amiga virtual, nunca nos encontramos, mas trocávamos cartas escritas à mão, era uma delícia, porém nos perdemos... Também se chama Cláudia Sousa e mora em Portugal.
Mas fico feliz em fazer nova amizade! Espero ver-te mais vezes no blog!
Grande abraço!
Não conhecia esta autora (vir aqui implica reconhecer isto muitas vezes). Mais um excelente texto: é, como tantas vezes, uma espécie de ficar com balanço para a leitura, colocar-nos na rota de leitura do livro...
abraço
P.
e também existe o filme!
com Michelle Pfeiffer, Winona Ryder e Daniel Day-Lewis.
com a direcção de Martin Scorcese.
Tive-o no cineliterário em Junho passado.
Vi o filme, que não associei à obra. Perde-se densidade, sem dúvida, nesse condensar que é a adaptação do livro para filme. Não é uma crítica negativa relativamente a estas adaptações; é uma fatalidade/inevitabilidade que, felizmente, em muitos casos, permite a construção de objectos interessantes.
Boa crítica, Cláudia.
Um abraço
é erdade, Toutinegra..será que acontece o mesmo com os filmes do 007?
como nunca li os livros não sei...
:-)
csd
Pois...pode ser que sim. Também não li os livros. E os filmes, pura fantasia sem ligação com a lógica da mais pura espionagem. Digo isto comparando, modestamente, com o realismo das minhas aventuras, claro.
Um abraço
P.
Acabei e ler o livro. Comecei com alguma resitência, não sei bem explicar porquê, mas a meio do livro fiquei completamente agarrada, é tudo muito intenso. O final é exclente foge completamente ao lógico. Gostei mesmo muito.
Que o ano 2010 nos traga muitas e boas leituras.
eu fiquei completamente rendida não só em relação à sobriedade e limpidez estilística como também à capacidade de a Autora se colocar um bom par de décadas à frente da sua época. E da audácia de desafiar as convenções da rigidíssima alta sociedade da Costa Leste...
Poderia me dar a informação de onde posso encontrar esse livro em pdf em português?
ja procurei em toda a minha internet e nao encontro :(
precisando ler ele pra uma coisa da faculdade
www.meumuraldeideias.com
Não imagino, Marcelle...só tenho em papel. Tente encomendar a versão em português de Portugal através da Amazon.
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