“Cidade Proibida” Eduardo Pitta (Quidnovi)
Eduardo Pitta é poeta,
ficcionista, autor de relatos, contos e, também, ensaísta. Nasceu
em Lourenço Marques e viveu em Moçambique até 1975. É colunista
na revista Ler e crítico literário na Sábado.
Publicou dez livros de poesia entre 1974 e 2011, o romance Cidade
Proibida de que hoje
falamos, em 2007, uma trilogia de contos, Persona,
com uma piscadela de olho a Ingmar Bergman, e um diário, tendo como
pano de fundo a cidade de Veneza – Os dias de Veneza
- , pintando- como uma série de quadros formando um painel ou então,
um fresco, a ilustrar várias cenas emblemáticas da cidade. Publicou
ainda o ensaio intitulado Fractura,
em 2003, sobre a homossexualidade na Literatura Portuguesa.
Há
poucas semanas atrás lançou, através da editora Tinta-da-China, o
livro de viagens intitulado Cadernos Italianos,
um périplo pelas cidades de Roma e Veneza, incluído na colecção
de viagens dirigida por Carlos Vaz Marques.
Mas
falemos de Cidade Proibida:trata-se
de um romance de interditos. Para muitos, poderá parecer fracturante
porque aborda temas incómodos para a franja mais conservadora da
sociedade portuguesa, tais como o amor e a sensualidade erótica
entre homens, o flagelo da Sida e consequentes alterações no
quotidiano e nos comportamentos sexuais de todos os sujeitos,
independentemente da orientação sexual, ao explorar as facetas do
comportamento humanos que a moral católica insiste em ignorar.
Por
outro lado, Cidade Proibida pretende
traçar o retrato de uma franja muito específica da sociedade
portuguesa: a elite económica lisboeta e respectivas ligações à
esfera política e ao mundo da alta finança, ou seja, a elite
económica da lisboeta e respectiva ligação ao gigantesco polvo
financeiro que estende os seus tentáculos a nível mundial.
Outra dimensão explorada por Eduardo Pitta neste romance é a
forma como esta mesma elite se relaciona com os outros elementos da
mesma sociedade que pertencem a outros grupos socioeconómicos. Ou da
quase ausência dessa mesma relação, nomeadamente, com a classe
média e com a classe trabalhadora, salientando o esforço titânico
da elite em preservar todo um modus vivendi no sentido de
evitar a “contaminação” pela infiltração de elementos
estranhos àquele grupo privilegiado. Esta homogamia das elites visa,
como diria o sociólogo italiano Vilfredo Paretto, exercer pressão
por parte das mesmas enquanto instaladas no Poder, no sentido de
evitar a ascensão de novos elementos. Um exemplo deste tipo de
atitude é a reacção da secretária de Martim, face aos namorados
deste, não tanto pela relação homossexual em si, mas sobretudo
pelas suas origens sociais, revelando uma fortíssima xenofobia
social.
Eduardo Pitta empenha-se também, nesta obra, em equiparar os
cenários de duas capitais europeias, as quais encerram em si dois
pólos opostos no tratamento das questões das liberdades
individuais: Lisboa e Londres. Esta última, a cidade onde Martim
conhece Ruppert. Lisboa encontra-se no pólo oposto de Londres, sendo
esta o lugar onde impera o sensualismo, sobretudo à noite onde não
há lugar a inibições e todas as formas de desejo têm o seu lugar
e forma de expressão, sem haver lugar à estigmatização moralista.
Este é um facto facilmente constatado por Martim, na sua ronda pelos
bares da capital britânica. Neste cenário, Londres surge valorizada
em relação a Lisboa unicamente porque esta última privilegia a
dissimulação do desejo, sempre que este se manifesta sem se
enquadrar no perfil definido ela moral judaico-cristã.
A obra de Eduardo Pitta está normalmente conotada com a
corrente de pensamento denominada de neo-expressionismo, a qual se
associa a um “páthos autobiográfico” onde a voz do narrador se
debate com as questões ligadas à identidade sexual. Esta corrente
de pensamento e expressão artística marcou sobretudo as décadas de
'70 e '80, cuja eclosão se deu em consequência da insatisfação do
minimalismo. Como tal, os adeptos do neo-expressionismo procuraram
sobretudo resgatar a figuração, a emoção declarada, a
autobiografia, a memória, a psicologia, o simbolismo e a
sexualidade. A pintura é salientada nesta corrente literária como
meio de expressão transversal a todas as artes, sobretudo na
Literatura e no Cinema. Sofrerá, também, a influência do
pós-impressionismo e do surrealismo ao debruçar-se sobre as
questões traumáticas e a relação com o passado, sendo que este
último elemento é fundamental no desenvolvimento da relação de
Ruppert e Martim no romance de que aqui tratamos.
Cidade Proibida é, pois, um romance que tem como tema
central a identidade sexual e a forma como esta questão é encarada
por três gerações diferentes ao longo da trama. O objectivo é
dar ao leitor uma visão panorâmica da sociedade e da forma como a
mesma vê as questões da sexualidade e da mobilidade social como se
de um fresco se tratasse. Nesta visão panorâmica, é ainda evidente
restos do pensamento do período do Estado Novo em algumas das
personagens, sobretudo em relação à temática da descolonização.
Por tudo isto, Cidade Proibida torna-se um romance fascinante
mostrando o mundo em que os Portugueses vivem de uma perspectiva não
convencional. Enriquecedor é sair do “quadrado”.
Cláudia de Sousa Dias
07.03.2012 – 28.03.2013
7 Comments:
E eu fiquei com muita vontade de o ler! Gosto muito deste género de literatura com perfume "urbano" (céus, já estou a sacrilegar!).
Beijinhos, minha crítica de eleição!
Madalena
E tem um sensualismo muito especial!
A QuidNovi – Edições e Conteúdos, SA, uma empresa portuguesa sediada na Rua 10 de Junho nº 54, Aveleda – Vila do Conde, editou em 2011 uma um obra, em 16 volumes, intitulada: “Guerra Colonial - A História na Primeira Pessoa”.
Esses livros foram distribuídos por três jornais portugueses (“Jornal de Notícias” e “Diário de Notícias” em 2011) e, em 2013, pelo jornal “i”.
Os dois autores destes 16 volumes (Paulo F. Silva e Orlando Castro), apesar de a obra ter sido distribuída em 2011, continuam, ao contrário do acordado com os administradores da QuidNovi (Ricardo Afonso e Francisco Melo), sem receber milhares de euros em dívida há dois anos.
Os meus cumprimentos,
Pois...é lamentável.
Mas o Autor do livro em questão de falo aqui no post não tem culpa nenhuma. A minha missão é divulgar os autores, a respectiva obra.
O máximo que posso fazer por si é publicar este comentário.
Pelo que sei poderá não ser caso único.
Um abraço.
CSD
Agora com uma reedição,pela Planeta e pala mão de Ana Maria Pereirinha, a obra fica mais visível. E valorizada pelo prefácio de Fernando Pinto do Amaral.
Deixo-vos o link com a opinião do escritor José Rentes de Carvalho a qual subscrevo na íntegra.
http://tempocontado.blogspot.co.uk/2014/01/cidade-proibida.html
CSD
E aqui está um texto espectacular sobre a obra que eu adorava ter escrito:
http://acriticoblog.wordpress.com/2014/02/03/cidade-proibida/
E a opinião de Daniel Santos:
http://qualquercoisa.blogs.sapo.pt/cidade-proibida-19276
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