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Monday, November 26, 2012

“O Sangue do Mundo” de Catherine Clément (ASA)




Tradução de Isabel St. Aubyn

Depois do êxito do sublime romance A Viagem de Théo, Catherine Clément decidiu escrever uma sequela. Assim, ficamos a saber em que espécie de jovem adulto se transformou o sobrinho de Marthe, a criança que sobreviveu ao cancro. Desta vez, dando largas ao temperamento cada vez mais vincado de milionária excêntrica, Marthe consegue convencer Théo, a acompanhá-la em mais uma viagem à volta do planeta. E Théo é agora estudante de medicina, com o objectivo de concluir a tese sobre as doenças características dos países do III Mundo, isto é, associadas à ausência de infraestruturas, relacionadas com os problemas de saúde pública.

Através do recurso a métodos pouco ortodoxos – ou nem tanto – a manipuladora Marthe consegue persuadir Théo ao convencê-lo de que está doente e a acompanhá-la na viagem que pretende realizar, a pretexto de uma cura emocional. Em troca, promete ajudar sobrinho, dando-lhe os meios para prosseguir a sua investigação no terreno, em vários continentes afectados por problemáticas diversas. Mas a tendência para Marthe assumir o comando das operações cedo desencadeia um conflito ao chocar com o forte sentido de autonomia de Théo, o qual tem bem definidos os moldes em que deseja concretizar a viagem. Afinal não se trata de um passeio de teor propriamente recreativo.

O desenvolvimento da narrativa é feito com base na dicotomia entre duas formas de ver o mundo: o hedonismo materialista de Marthe, para quem o dinheiro é a solução de todos os problemas e o idealismo ou as preocupações relativamente a um futuro sustentável e saudável para o planeta, postura que é incarnada pelo jovem estudante de Medicina que, no romance se dedica a avaliar o estado de saúde do planeta. No aspecto psicológico, temos a propensão para o hiper-dramatismo e algo histriónico de Marthe a contrastar com a bonomia e altruísmo do sobrinho, habituado já a lidar com condições adversas.

Sangue do Mundo está longe de ser o melhor romance de Catherine Clément, mas é em contrapartida aquele que mais questões obriga o leitor a colocar no sentido de pensar a forma como tratar do planeta e os obstáculos à sua optimização, regra geral de natureza, política, cultural, religiosa, etc. A temática dos amores impossíveis, rodeados da aura trágica do sublime passa a ocupar o segundo plano neste romance. O desgosto amoroso ou mesmo a desilusão e o vazio emocional não são totalmente alheios à personagens de Sangue do Mundo, mas aqui o lugar central da trama é ocupado pela Terra, enquanto ser pulsante de vida. E a Terra encontra-se gravemente doente...

A primeira etapa da viagem é Delhi, uma das cidades mais poluídas do planeta e onde a pobreza como que agride os sentidos do visitante estrangeiro. Entretanto, no avião, a caminho de Delhi, Théo apercebe-se de que a verdadeira causa da “doença” de Marthe é emocional. Esta propõe então que o sobrinho a acompanhe à volta do mundo e, em troca, fornece-lhe os meios materiais para prosseguir com o seu projecto de investigação. Théo cede, mas as coisas têm de ser feitas à sua maneira: terá de ser ele a escolher os locais a visitar ao longo do itinerário.

Assim, Delhi é a primeira etapa. Tratando-se de um dos lugares mais populosos e poluídos do mundo aquela cidade indiana torna-se um excelente ponto de partida para os planos do jovem. A cidade sofre as consequências directas do aquecimento global e do efeito de estufa. Devido ao excesso de poluição atmosférica, a água do rio que banha a cidade está inquinada sendo este o grande foco de transmissão de doenças infecto-contagiosas para aquela população. A partir daqui, o estilo da prosa de Catherine Clément adquire um tom cáustico, onde a voz narrativa vai descrevendo os locais e a sua devastação, entrelaçando estes momentos descritivos com diálogos acalorados, discussões e debates que misturam a Filosofia, a Ética, a Antropologia Cultural e Biológica e ainda, claro está, a Ecologia. O objectivo é identificar as ameaças mais prementes que põem em perigo o planeta e todos os que nele vivem, propondo soluções que só parecem frágeis devido à enorme cegueira humana, o verdadeiro e maior vírus que contamina a Terra.

De Delhi passamos a Benaresh e ficamos a saber que, à parte da água, o principal problema indiano reside numa complexa estrutura social, cujos tabus e condicionalismos culturais muitas vezes colocam em risco os que habitam aquele continente. O problema da Índia passa não só pelo excesso de poluição e de população, mas também pela estruturação da economia. Mas não só: são ainda factores culturais e religiosos que sublinham a urgência de as chefias políticas encontrarem um compromisso urgente entre ecologia e tradição.

Da Índia passamos, assim, ao Uzbequistão e ao drama ecológico do mar de Aral, associado à desertificação, onde o mar desaparece a uma velocidade assustadora.

A narração fica alternadamente a cargo de Marthe e Théo. Outras pessoas se juntam, no entanto, à viagem. Prem, o psiquiatra hindú, amigo e confidente de Marthe, cuja amizade contribui grandemente para o bem estar da temperamental anciã (e para a paz de Théo); Renate Stern, a jovem e inteligente estudante judia, amiga de Théo, por quem este se apaixona.
Ainda no Uzbequistão constata-se com pesar e tristeza a irreversibilidade da destruição de todo um ecossistema, devido a uma política agrícola tão mal planeada quanto irresponsável levada a cabo durante décadas.

A etapa seguinte leva os viajantes à República dos Camarões onde o principal problema é, mais uma vez, a falta de água potável e o saneamento, a par de uma progressiva e inexorável contaminação biológica, a que se junta a acumulação de gigantescas montanhas de lixo. Tudo aponta para necessidade gritante de reciclar o lixo acumulado e controlar o crescimento da lixeira, a par da necessidade de implementação de uma politica governamental de tratamento do mesmo. O périplo de Marthe e Théo continua em África, pelo Chade e Senegal onde, mais uma vez, os grandes lobbies económicos colidem com as reais necessidades de desenvolvimento local que beneficiariam a população. A Autora aproveita, neste ponto do romance, para lançar uma dura crítica ao chauvinismo europeu, em pleno século XX, já nos anos 60 e 70, mais preocupada em usar os recursos alheios para atender aos próprios interesses do que propriamente ao bem-estar das populações locais.

Daqui, fazem um desvio a Paris com o objectivo de visitar a central nuclear de La Hague. Ao optimismo da técnica que acompanha os viajantes numa visita guiada como se de um museu se tratasse, opõe-se algum cepticismo dos viajantes, sobretudo da parte de Théo. Esta oposição seria talvez mais veemente se o livro tivesse sido escrito depois do tsunami de Fukhushima. Por outro lado, a Autora não perde a oportunidade de lançar um virote crítico aos mecanismos de empréstimo e de ajuda financeira do FMI:

Gente disposta a financiar os países do Terceiro Mundo, mas com um desprezo sem Fundo. Na opinião da Autora, o verdadeiro significado que comporta a expressão “a fundo perdido”.

Paris tem a Central Nuclear de La Hague, a partir de cuja descrição ficamos a saber de todo o processo de tratamento do lixo nuclear. Théo não se mostra muito convencido, ao passo que Marthe quase se deixa seduzir pelos argumentos da guia e dos técnicos. A diferença de posicionamento de ambas as personagens é o meio através do qual se serve a Autora para expor os pontos a favor e contra desta rentável mas altamente poluente forma de energia, sem deixar de chamar a atenção para a irresponsabilidade dos Governos Francês e Americano nos anos 1960 e 1970 nesta questão.

A última etapa da viagem é no Canadá, com o povo Inuït, em que ficamos a conhecer um pouco mais da cultura esquimó, praticamente em vias de extinção, devido à aculturação e à destruição do habitat – ao degelo, sobretudo – e aos lobbies do governo canadiano.

A viagem termina de forma dramática durante um voo com destino à Europa. O final trágico de uma história de amor que, apesar de ocupar uma posição secundária na trama, faz-nos regressar ao toque poético eivado de nostalgia , típico de Clément, a sublinhar o lado trágico da vida, onde a acção das Fúrias se manifesta quando menos se espera, à maneira das tragédias clássicas, reduzindo o homem à sua fragilidade, alertando-o para que a sua arrogância não ofenda os deuses.


25.07.2011- 23.10.2012
Cláudia de Sousa Dias

5 Comments:

Blogger Maria said...

Fiquei com vontade de ler o livro anterior e este também ^-^

beijinhos

11:40 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

o anterior é muito bom. Este também, mas num género diferente. Abrange também o público juvenil. Penso que foi intencional por parte da autora. Actuar como agente formativo na mentalidade dos jovens. Isso vê-se pela postura do protagonista...

11:45 PM  
Blogger Roberto said...

:-))
Un bacio

12:39 PM  
Blogger Roberto said...

:-)
Un bacio
Roberto

12:40 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

un baccio anche per te Roberto!

5:19 PM  

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