“O Satyricon” de Petrónio (Europa-América/Cotovia)
Tradução de Jorge de Sampaio para Ed
Europa-América
O Satyricon é uma obra
de literatura latina cuja autoria é atribuída a um certo Caio
Petrónio Arbiter, conselheiro de Nero, escrita por volta do ano 60
D.C., pouco antes do célebre incêndio de que falam as fontes
históricas, como Suetónio (Os Doze Césares).
A narrativa de O Satyricon
está a cargo do jovem patrício e boémio Encólpio, que fala de um
conjunto de peripécias, na sua maior parte de teor extremamente
cómico, que envolvem o seu amante Ascilto, assim como um escravo
adolescente de deslumbrante beleza, Gíton. A eles junta-se também,
mais tarde, o poeta Eumolpo. As aventuras vividas por estes quatro
noctívagos pintam a decadência de costumes e valores na sociedade
romana e enfatizam a postura cínica do pensamento dominante
sobretudo quando este quarteto de foliões vai parar ao
estabelecimento de Circe, mulher que se dedica ao comércio sexual. O
cinismo desta personagem que se distancia do posicionamento do Autor,
está patente na forma como simula conduzir o ritual de casamento –
neste caso, de acasalamento – entre Gíton e Paniquis, duas
crianças. O objectivo de Petrónio é exibir a desumanização
relativamente aos valores da sociedade romana, recorrendo à sátira
na sua forma mais crua. Neste caso, coloca em evidência a infância
naquele meio social, patente na ironia virulenta com que o episódio
é narrado. O equivalente à narração de Petrónio em termos de
posicionamento e olhar, nos nossos dias seriam provavelmente os
textos que servem de base ao programa televisivo Gato Fedorento,
ou seja, a sátira sim, como indicia o título da obra, mas na forma
mais elevada e refinada de escrita literária.
A classe mais visada pela pena ferina
de Petrónio, é sem dúvida a dos cortesãos bajuladores que rodeiam
o Imperador – Nero, filho de Agripina e trineto de Augusto - ,
sobretudo os libertos que conquistam a riqueza e posição social
através da lisonja e da execução de trabalhos fora dos limites da
licitude para o Imperador, bem como a classe dos cavaleiros que
enriquecem à custa do comércio e pretendem atingir um estatuto
idêntico ao dos patrícios (aristocratas, detentores dos mais
elevados cargos públicos). O salientar do aspecto burlesco desta
situação está mais evidente na descrição e na exaltação do
exibicionismo grosseiro durante o banquete de Trimalchion. Trata-se
de um episódio construído de forma a atingir directamente a figura
tipo do novo rico romano, seja ele oriundo da categoria dos antigos
escravos seja da classe dos cavaleiros e mercadores.
A pobreza em Satyricon
Vários autores têm vindo a mostrar
interesse pela questão da pobreza em presente em O Satyricon,
a forma como o problema afectava a sociedade romana e de como
condicionava a relação com as províncias anexadas e geridas,
depois, pelo império que a sobrecarregava com pesadíssimas taxas e
impostos. Segundo o artigo da autoria do investigador Fábio
Faversani, publicado na Revista Brasileira de história da
Universidade de São Paulo, a questão da pobreza na obra de Petrónio
passa pelo posicionamento dos agentes sociais nas relações de
poder. Faversani dá a entender que a classe pobre de então viveria
à mercê da boa vontade e do grau de generosidade dos ricos,
concluindo que «...a plebe não poderia viver sem qualquer tipo
de estratégia que lhe garantisse ao menos o sustento.»
Isto explica a ascensão dos libertos
na corte de Nero. Mas leva também à discussão de dois conceitos
implícitos na obra: a noção de classe (ou categoria social) e
respectivo estatuto ou papel a ela associado. São dois conceitos
essenciais para a podermos compreender do alcance da crítica
relativamente à posição social de Trimalchion e dos que o rodeiam.
Trimalchion é um homem que sofreu uma rápida ascensão social e que
tenta imitar o estilo de vida de Nero.
O problema que se põe aqui é saber se
este Trimalchion é o típico representante de uma classe que vem da
categoria dos cavaleiros ou mercadores ou se se assemelha mais a um
dos libertos do Imperador que enriqueceram rapidamente. No entender
de Faversani, Trimalchion seria apenas uma caricatura, um
estereótipo acerca de “como as élites viam os libertos ricos e
não de como eles de fato poderiam ser. (Faversani, op. Cit.)”
Logo, a figura de Trimalchion poderá apenas corresponder a um
conjunto restrito de tipos sociais que se dividem em: comensais –
na sua maioria, libertos – pessoas mencionadas pelos comensais
(alusões) e servidores. Cada uma destas categorias converge
directamente para a figura central de Trimalchion ( vértice da
pirâmide social durante aquele evento), criando assim o seu quadro
geral de relações de poder entre as classes sociais da Roma do
século I, sendo precisamente estas
relações de poder o factor que estrutura, ordena e conduz a
sociedade romana. Ao focar-se nos cidadãos pobres mas livres da
sociedade romana de O Satyricon,
Faversani
chama a atenção ara realidades sociais que são inquietantes mesmo
na actualidade: a de que a pobreza “é um problema
latente , não só para os que a observam de longe – sejam eles
senadores romanos ou académicos e financeiros dos nossos dias –
mas para os que nela vivem”
(Faversani,
idem), sobrevivendo
ainda graças às mesmas atitudes para com o poder (subserviência,
bajulação, tráfico de influências, prostituição física, moral
ou intelectual).
Mas as opiniões
acerca do Autor de O Satyricon vão divergindo,
consoante os investigadores optando alguns por vezes, por uma leitura
segundo mais literal. Segundo o tradutor e ensaísta Jorge de
Sampaio (autor do prefácio da edição da Europa América) o
estilo de Petrónio revela-se naquilo a que chama de “realismo
corrupto”: «Com efeito, o autor passa em revista, com certa
complacência, os vícios e anomalias sexuais da época.
(Sampaio, Jorge de; in “O Satricon, prefácio desta edição)”
Para Pierre
Athenaïse Larousse, as estórias, as reflexões, as imagens não
são apenas imorais, mas quase sempre de uma obscenidade revoltante.
Para este Autor, contudo, “Petrónio será sempre lido por quem
quiser conhecer a fundo a Antiguidade”.
Exploração do conteúdo temático
da obra
Na intenção de
facultar uma corrosiva exposição a um público leitor e culto numa
sociedade que começa a apodrecer nas suas estruturas, o Autor
ocupa-se em revelar alguns mecanismos que fazem imperar a lei do mais
forte, e dos que gozam de relações sólidas com o poder, sob uma
aparente capa de frivolidade patente nas atitudes exteriores dos
protagonistas. Esta frivolidade é contrariada por inúmeras
passagens do texto em que as personagens – sobretudo Encólpio e
Eumolpo – assumem uma postura de reflexão crítica:
«Que podem as
leis, onde o dinheiro é o único senhor e onde a pobreza não pode
ter razão? Mesmo os que, na vida, seguem carregados com a escola
cínica, mais do que uma vez vendem por bons denarii a verdade. A
justiça não passa de uma mercadoria pública e o cavaleiro que
julga a causa limita-se a aprovar o mercado.»
Na mesma secção do texto são
aludidas também, de forma velada, as arbitrárias expropriações
ordenadas pelo imperador, visando heranças avultadas e objectos
pessoais de grande valor que passam directamente para a sua fortuna
pessoal e não para o erário público, do qual dispõe mesmo assim,
como se lhe pertencesse.
À medida que avançamos na leitura,
vamo-nos apercebendo de várias lacunas no texto, que há vários
fragmentos que se perderam ou foram corrompidos, mas o fio condutor,
apesar de tudo, não se perde.
No quadro ilustrativo da polémica ceia
de Trimalchion, Encólpio mostra-se atónito perante o exibicionismo
vulgar do ex-escravo, que tenta imitar a aristocracia. Encólpio
ocupa-se, durante todo o capítulo, em ridicularizar a extravagância,
o exagero, a ostentação.
Outro grupo fortemente visado pela
ironia de Encólpio são os astrólogos e adivinhos, cujos oráculos
sempre tiveram grande influência nas decisões imperiais, e que
exprime na parábola da terra e do favo de mel.
O desalento esta patente na secção 44
numa interrogação retórica:
«Que se pode esperar se nem os
deuses nem os homens têm dó da nossa Cidade?
(…)
Já ninguém acredita que o céu
seja o céu (…) ninguém dá um prego a Júpiter, mas toda a gente
conta de olhos fechados os seus tostões».
Numa palavra o dinheiro não circula e
com o medo crescente que este se esgote, recorre-se então ao
entesouramento, crescendo também a mesquinhez e a avareza.
Petrónio não deixa de chamar a
atenção, pela voz de Encólpiom para a precariedade, sempre em tom
irónico, em que vivem os intelectuais e artistas em Roma:
«...os intelectuais são mal-vistos
pelos ricos. É mais considerado um cabeleireiro ou um latoeiro ou,
mesmo, um advogado!».
Nesta época da história, a
mentalidade comercial de um advogado é colocada ao mesmo nível da
que qualquer comerciante vulgar. É o mercadejar da Justiça que se
deixa manipular pelo poder e pelo dinheiro. No seguimento, é também
abordada a questão da fuga aos impostos e da sorte dos mais
desfavorecidos, os quais andam como saltimbancos atrás de um
patrono, rico e poderoso, dependendo a sua sobrevivência da sorte
mas também da protecção e da benesse dos mais ricos.
O narrador continua a sua observação
e crítica social, sempre com exacerbada veia satírica, aplicando-a
à classificação das profissões, no que aproveita para chamar a
atenção para a terror supersticioso dos romanos, de que se
aproveitam alguns inteligentes oportunistas.
Prossegue ainda a descrição
estilizada dos apetites, que se traduzem muitas vezes em festins
pantagruélicos. Um dos momentos mais hilariantes da trama consiste
no final da festa de excessos dada por Trimalchion, de cuja casa os
protagonistas tentam escapar-se, após assistirem a uma violenta rixa
entre o anfitrião e a mulher, mas esta casa é de tal forma e
ridiculamente descomunal que os amigos perdem-se nos corredores. À
semelhança do Imperador, Trimalchion manipula o “domus” como se
fosse a corte.
Nero continua a ser visado ainda
durante aquele jantar, que termina em orgia, com a alusão aos maus
declamadores, artistas medíocres e não profissionais, imitadores de
saltimbancos, chamando indirectamente a atenção para o
comportamento narcisista de um imperador que se torna ridículo na
sua insistência no que é comunmente visto – mas jamais dito –
como uma tentativa patética de eclipsar poetas, declamadores e
actores profissionais.
A decadência expressa na atitude dos
convivas e sobretudo na do anfitrião é representativa dos valores e
da ética – ou falta dela – que dominam a sociedade romana
naquele período. O desregramento social e o crescimento da anomia no
tocante às relações sociais, éticas e jurídicas indicia a
inexorável derrocada de uma civilização onde passou a dominar o
pensamento de que “o amor do talento nunca enriqueceu ninguém”
e de que:
«Se inimigo de todos os vícios,
alguém decide seguir na vida o caminho recto, começa por ser
detestado (…) gostaria de que o inimigo a quem devo esta
confidência (Nero) fosse bastante virtuoso para se deixar comover.
Mas é um malfeitor endurecido..».
A chamada de atenção para a
hipocrisia e falso moralismo onde o dinheiro corrompe a virtude,
destruindo até a inocência, encontra-se patente na forma como
Eumolpo descreve a sedução de um jovem de quem foi preceptor. A
amoralidade das personagens presente no discurso é aqui utilizada,
mais uma vez, como recurso de estilo, em género de caricatura,
utilizada por Petrónio para melhor ilustrar um quadro de sátira aos
costumes (mores) e à moralidade (moralitas) da sua época.
O mesmo faz e relação às artes ou ao
conceito de arte dominante. A obra caracteriza-se por uma crítica
violenta ao paradigma dominante, uma vez que a Arte deixou de ser o
resultado de uma reflexão ou do pensamento para passar a ser o
reflexo do estilo de vida ideal dos novos-ricos.
A demarcação do posicionamento do
Autor da obra, é projectada na voz de Encólpio, patente na frase:
«E nós, mergulhados no vinho e no
deboche, nem sequer temos força para estudar as artes existentes...»
(…)
«Todos os homens acham que uma
barra de ouro é mais bela do que todas as obras de Apolo ou
Fídias...»
No seguimento desta linha de
raciocínio, Encólpio prossegue a reflexão, ao falar da perseguição
aos poetas ao aludir, de forma dissimulada, ao facto de o Imperador
tentar eliminar os seus concorrentes mais directos na arte de compor
e declamar poesia, não podendo admitir a ideia de alguém ocupar a
posição central naquele domínio que não ele próprio.
Seguem-se mais peripécias envolvendo
rixas e situações burlescas representadas por várias figuras tipo
da sociedade romana – como a Viúva Inconsolável. O envolvimento
de Gíton com a viúva de quem fora antes escravo, provoca ciúmes em
Encólpio, que se esmera em cínica verborreia visando desconsolada
senhora. Disfarça a situação encobrindo Gíton, facilitando-lhe a
fuga . A farsa ameaça desmoronar-se mas a sorte acaba por
favorecê-la: o barco onde viaja a viúva naufraga e o poeta Eumolpo
dá vozz à tragédia sob a forma escrita. A morte de Lichas, outro
dos perseguidores de Gíton, que foi também seu antigo proprietário,
prova que a opulência não salva ninguém do próprio destino.
O tema a explorar a seguir é a morte,
discutindo-se os vários tipos de morte esperada.
Com o desembarque em Crotona, os quatro
protagonistas questionam até que ponto há margem para que um
cidadão possa enriquecer honestamente sem recorrer à mentira e ao
embuste, à dissimulação e à bajulação.
“Nessa cidade, as letras não
ocupam posição de relevo, a eloquência não tem lugar, a
simplicidade da vida e os costumes puros não são louvados nem
recompensados, mas sabei que todos os homens que encontrareis na
cidade se dividem em duas categorias: os caçados e os caçadores.
Nessa cidade ninguém cria crianças, porque quem tiver herdeiros
naturais não é convidado para os jantares e os espectáculos, é
excluído de todos os prazeres, fica obscuramente entre os infames.
(…)
Ides penetrar numa cidade que se
assemelha a um campo assolado pela peste: só encontrareis cadáveres
a serem devorados e que os devoram...» .
Trata-se evidentemente de uma alegoria
que representa a cidade de Roma e o assédio que exerce o Imperador
às famílias cujos bens cobiça.
Entre a questão social, a justiça, as
normas e comportamentos, a questão artística, a forma de produzir
arte e a ética oscila a orientação da escrita e do pensamento, de
Petrónio, vertido na narrativa de Encólpio. O evidente repúdio à
então forma dominante de fazer poesia que assassina a arte, produz
um tipo literatura grosseira e primária, uma poesia pobre “contando
as silabas, como quem dispõe tijolos para erguer as paredes de um
prédio”.
«Mas um espírito bem formado, não
aprecia ouropéis e o espírito não pode conceber nem dar nada à
luz sem ter sido impregnado pela vaga imensa da literatura.
(…)
é preciso atender a que formas
felizes não entrem em choque com o corpo da obra, mas que brilhem em
harmonia com o tecido em que se inserem.»
E referindo-se indirectamente ao
imperador:
«Já todo o mundo pertencia ao
Romano vitorioso, todo o mar, toda a terra e toda a órbita de um ao
outro lado e ainda não estava saciado».
Não deixa de ser um intrigante
contraste o requinte da prosa poética, contida nos parágrafos de
conteúdo reflexivo, e os contornos grotescos com que é exposta a
acção das personagens, sempre que fundidas no conjunto da mole
humana ou em confronto com aqueles a quem Encólpio e Eumolpo
classificam de arrivistas. Os textos reflexivos são ricos em
significações, imagens evocativas, associações de elementos
sensoriais eivados de uma ironia ácida, particularmente incisiva na
forma de fazer política. Chega-se inclusive a fazer a evocação da
deusa Fortuna, apelando à sua intervenção na erradicação da
tirania. O impulso revolucionário manifesta-se, assim, apenas em
privado, ou numa sob a forma de narrativa e, mesmo assim, camuflado
nas entrelinhas, velado, já que não existe a menor margem de
manobra para ser expresso publica e explicitamente no momento em que
é escrito O Satyricon, a não ser sob a forma de alegoria ou
parábola, prevenindo a possibilidade de o Autor cair na apertada
malha de intrigas da corte e dos esbirros de Nero. É por isso que
assistimos na narrativa de Encólpio à exortação à guerra civil
numa cidade algures no Império Romano, mas feita por personagens de
conduta duvidosa e de imagem pública mais do que desgastada, logo
sem credibilidade. É sobretudo por esta razão que as personagens
não assumem a postura de herói tradicional, de paradigma
susceptível de ser imitado, mas antes a atitude exterior de seres
vulgares, praticamente no limiar da exclusão da hipocritamente “boa
sociedade”, perdulários. Ou seja, a imagem oposta do tradicional
modelo de virtudes do pater famílias romano. Só com o perfil
de pessoas que não são dignas se serem imitadas porque retratadas
como devassas ou perversas se poderia, então, expor de forma tão
ousada os vícios das elites corruptas.
Assim, Petrónio coloca muitas vezes
Encólpio a narrar uma história, uma parábola que lhe foi contada
por Eumolpo, passada numa época anterior. Petrónio joga com a dança
das horas, na Roda da Fortuna, a alegoria da Boa-fé e da Justiça,
esta última apresentada com os cabelos em desalinho e a Concórdia,
de luto, rasgando a túnica. No reino das trevas, o Reino de Plutão,
deus dos Infernos, canta o coro das Erínias, as Fúrias,
acompanhadas por Éris, a Discórdia.
Por último, Encólpio é submetido à
humilhação de um último fracasso num templo consagrado ao que
parece ser um santuário a Príapo, o deus da virilidade masculina,
após falhar a missão de ter relações sexuais com uma das mais
belas cortesãs do Império.
É açoitado, submetido a tratamentos
violentos, sem sucesso. Não consegue pagar por sexo, mesmo com a
mais sublime das criaturas e é escarnecido pelo facto. O mau
“desempenho” de um jovem como Encólpio num lugar daqueles, é de
tal forma socialmente mal-visto que o torna alvo das mais
requintadamente sádicas humilhações. É obrigado a humilhar-se e a
submeter-se a um sinistro ritual dirigido por uma sacerdotisa de
deuses infernais, evocando, além de Príapo, a misteriosa Hécate. O
livro termina com uma lacuna, mais um fragmento que se perdeu mas a
dar a entender ser o destino do intelectual e do virtuoso fracassar,
ao contrário do medíocre, mergulhado no deboche do estilo de vida
dominante, a que se submete para sobreviver sem ser perseguido.
“O Satyricon” de Fellini
O filme de Federico Fellini, baseado
na obra de Petrónio, é uma verdadeira obra-prima da sétima arte e
uma pérola do cinema clássico italiano. Para além de ter realizado
uma notável adaptação de um clássico latino ao cinema e tem o
mérito da impecável mestria com que ultrapassa uma possível
dificuldade inicial, dado que a obra literária chegou até nós
incompleta. Fellini ultrapassa com notável habilidade o problema da
manutenção de um fio condutor , ao elaborar quadros cénicos, como
se fossem situações independentes, facetas da mesma realidade
social, diversas faces do mesmo prisma.
Fellini é fortemente influenciado
pelas obras do psicanalista Carl Jung, facto que é notório
durante a rodagem deste filme, sobretudo no tocante à teoria da
“anima” e do “animus” (os arquétipos masculino e feminino na
alma humana independentemente do sexo). Esta ideia e a teoria do
inconsciente colectivo foram amplamente explorados em O
Satyricon.
O Satyricon de Fellini
tem ainda o mérito de exibir uma cuidada reconstrução da época
em termos de cenários, guarda-roupa, assim como trechos onde são
declamadas obras clássicas gregas e latinas na língua original,
como acontece durante os espectáculos que acompanham o banquete de
Trimalchion.
Por todas estas razões, o filme de
Fellini e a sátira/alegoria de costumes de Petrónio constituem duas
obras de notável talento que se complementam e iluminam mutuamente.
Cláudia de Sousa Dias
18.11.2011- 17.09.2012
Outros trabalhos interessantes sobre a obra:
6 Comments:
Bom texto, Cláudia!
E o Baudolino o primeiríssimo a comentá-lo!
Estou a ler 'O mendigo' de F. Pessoa. Vamos ver a impressão que causa.
bj
Que bom, Cláudia!!! Anseio por oportunidade para o ler, espero que ainda este ano ou no início do próximo!
"Se inimigo de todos os vícios, alguém decide seguir na vida o caminho recto, começa por ser detestado (…)" - continua actual...
Beijoquinhas,
Madalena
;-)
a capa amarela é tradução de Delfim Leão.
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