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Wednesday, September 05, 2012

“Os Doze Césares” de Suetónio (Biblioteca Independente)



Tradução e notas de João Gaspar Simões

Hoje falamos da obra de Gaius Suetonius Tranquilus, vulgarmente conhecido como Suetónio, o historiador romano nascido no ano 69 DC que veio a falecer no século seguinte, no ano de 122. Suetónio vinha de uma família pertencente à ordem equestre que conseguiu o prestígio no Exército Romano nos primórdios da época imperial.

De acordo com as fontes clássicas, parecem ter chegado aos nossos dias muito poucos elementos referentes à obra do Autor. Mesmo relativamente à sua biografia, muitos factos são ainda para nós um mistério. Tudo indica que Suetónio teria nascido durante o período em que Roma era ainda governada por Vespasiano, segundo o ensaísta e crítico João Gaspar Simões, autor do prefácio desta edição e responsável pela tradução do Latim. Suetónio era filho de um tribuno augusticlavo do Exército Romano, na 13ª Legião. O filho, em contrapartida, foi sobretudo um homem de letras, protegido por Plínio, o Novo, a partir de cuja correspondência se depreende ter sido Suetónio casado e pai de uma família numerosa. Escreveu inúmeras obras literárias e históricas das quais pouquíssimas sobreviveram, atravessando quase dois milénios até chegar a época actual, entre elas Os Doze Césares, tal como A vida dos Retóricos e Gramáticos Ilustres. Suetónio conquistou os favores do Imperador Adriano, o qual fez dele seu secretário, encarregando-o da sua correspondência. Contudo, um atrito emocional, tendo como figura central a Imperatriz Sabina, desencadeia a inimizade do Imperador, fazendo cair Suetónio, a partir de então, em desgraça. Após este incidente, o Autor passa a viver por um longo espaço de tempo afastado da sociedade, à semelhança de Ovídio, no tempo de Augusto, e de Séneca, no tempo de Nero, dedicando-se então a escrever e a compilar as biografias de “Os Doze Césares”. O livro está classificado como uma obra-prima, figurando no meio literário clássico não apenas como uma grande mais-valia em termos históricos, mas também como modelo estrutural para a edificação de uma biografia – género até então pouco explorado. Por esta obra-prima, Suetónio é considerado um autor escrupuloso nas suas informações, minucioso nos esclarecimentos que nos proporciona sobre o aspecto físico e moral dos Césares(João Gaspar Simões). Suetónio traça um retrato bastante fiável da civilização romana, a qual nos habituámos a conhecer através da história factual, ao invés das circunstâncias particulares do “viver quotidiano” daquela época da história europeia e da literatura então produzida.

Os doze césares de Suetónio

Os primeiros livros são aqueles a que o Autor dedica mais páginas escritas, devido à importância que estas figuras tiveram – desde Júlio César a Nero – na remodelação das instituições romanas e na alteração que provocaram no modo de vida dos cidadãos e habitantes de Roma em geral.

O Livro I trata exclusivamente de Gaius Julius Caesar (Caio Júlio César), descrito como o primus inter pares de entre todos os que até à época em que vive Suetónio geriram e governaram os destinos de Roma. Gaius Julius Caesar tinha a verdadeira noção das suas capacidades, mas era também dono de uma ambição e sede de poder que assustava os mais ciosos membros do Senado. Sobretudo aqueles que defendiam encarniçadamente república, tendo bem presente na memória colectiva o fantasma do despotismo da monarquia, mostrando-se por isso amantes do sistema político oligárquico, o qual obrigava à eleição de dois cônsules de dois em dois anos, sistema que impedia que um dos seus membros ou clã patrício se destacasse demasiado dos demais, açambarcando poder. GJ Caesar parece, a crermos no retrato de Suetónio, um homem que não hesita em quebrar as regras para alcançar os seus objectivos e para quem os fins justificavam os meios.
«Se é preciso, realmente, violar o direito, que seja para reinar. Nos outros casos, respeitai a justiça.»

No Livro II, a personagem de destaque é Octávio Augusto, filho de Átia, sobrinha de Gaius Julius Caesar. Este torna-se o único herdeiro da fortuna do ilustre Tio, após eliminar o único rival, Cesarion, filho de Caesar e Cleópatra, rainha do Egipto. Octávio é caracterizado por Suetónio como um rei absoluto, salientando a faceta que este sempre quis destacar: a do pater-familias que se institui o “pai da pátria”, durante mais de meio século, fortemente auxiliado pelo seu braço direito – e armado – Marco Agripa, ao qual trata logo de casar com Júlia, filha do primeiro matrimónio de Octávio. Com este zelo familiar, Octávio aparece como um chefe de estado que institui leis duras para regulamentar as relações institucionais da família, apesar de, no seu caso particular, ter obrigado uma mulher grávida (Lívia) a divorciar-se para consigo próprio. Com isto torna-se alvo da sátira do já mencionado Ovídio, o que lhe vale uma condenação ao exílio em Tomi, na Dácia (actual Roménia), na foz do Danúbio, nos confins do Império.

O romance da Roma Imperial, contado por Suetónio, envolvendo os restantes césares e intrincadas intrigas políticas, assassinatos, incestos e golpes de estado tem origem precisamente no conflito de interesses entre os descendentes de Augusto através de Júlia, e os descendentes de Lívia, a qual traz dois filhos do primeiro casamento, Tibério e Druso. A luta pela sucessão do império trava-se encarniçadamente entre esta duas famílias - os Julii e os Claudii – até à morte de Nero, o qual é substituído pelo General Galba. A partir de então, o título de Caesar deixa de ser atribuído por sucessão sanguínea e passa a ser aplicado à figura de maior poder dentro do Império. À medida que percorremos a galeria dos Césares, descritos por Suetónio, vamos ganhando a percepção de que o Império caminha para uma inexorável entropia, minado por lutas intestinas que vão facilitando a incursão de invasões de povos que lhe são hostis, à medida que o Império, de tão vasto, se vai tornando ingovernável.

A estabilidade do chefe de Estado depende, sobretudo a partir de Nero – embora já fosse notório a partir de Augusto –, muito mais do apoio do Exército, seja através da prova do génio militar, seja através de subornos e pagamento de salário elevados ou concessão de terras após se reformarem, bem como das ligações de parentesco, do que de um sistema eleitoral. Nota-se uma progressiva desilusão por parte do Autor com os chefes de estado, apesar de ter ainda uma boa imagem de Imperador Vespasiano. Esta desilusão deve-se à proeminência do favoritismo baseado na adulação e na ascensão por complicadas teias de intrigas ao invés de o ser por mérito.

Os Doze Césares é, assim, um livro sedutor que traça o retrato mais do que o dos senhores de Roma, de toda uma forma de conceber a vivência do quotidiano, das relações familiares, da forma de encarar e o lugar que é atribuído à cultura, às artes, à dicotomia entre liberdade de expressão e pensamento versus a imposição da submissão às directivas de um chefe de estado.

Um livro cuja temática se pode encaixar perfeitamente nos dias de hoje e em cuja intemporalidade esteja, talvez, a chave da sua sobrevivência até aos nossos dias.

31.10.2011 – 16.18.2012
Cláudia de Sousa Dias

6 Comments:

Blogger M. said...

O retrato de um império, muito interessante!
Beijinhos,
Madalena

2:25 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

e tenho amigos que já leram milhares de livros e não conheciam este autor. É uma das principais fontes documentais de investigação para historiadores do período romano...

4:12 PM  
Blogger P said...

Excelente lembrança!

3:30 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

:-)

bjo

7:35 PM  
Blogger ana said...

Gostei bastante de ler a visão de Suetónio sobre os imperadores: desde os atos políticos às paixões.
Boa noite!

1:14 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Obrigada!


Boa noite também!


csd

2:19 AM  

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