“Os Doze Césares” de Suetónio (Biblioteca Independente)
Tradução e notas de João Gaspar Simões
Hoje falamos da obra de Gaius
Suetonius Tranquilus, vulgarmente conhecido como Suetónio,
o historiador romano nascido no ano 69 DC que veio a falecer no
século seguinte, no ano de 122. Suetónio vinha de uma
família pertencente à ordem equestre que conseguiu o prestígio no
Exército Romano nos primórdios da época imperial.
De acordo com as fontes clássicas,
parecem ter chegado aos nossos dias muito poucos elementos referentes
à obra do Autor. Mesmo relativamente à sua biografia, muitos factos
são ainda para nós um mistério. Tudo indica que Suetónio
teria nascido durante o período em que Roma era ainda governada por
Vespasiano, segundo o ensaísta e crítico João Gaspar Simões,
autor do prefácio desta edição e responsável pela tradução do
Latim. Suetónio era filho de um tribuno augusticlavo do
Exército Romano, na 13ª Legião. O filho, em contrapartida, foi
sobretudo um homem de letras, protegido por Plínio, o Novo, a partir
de cuja correspondência se depreende ter sido Suetónio
casado e pai de uma família numerosa. Escreveu inúmeras obras
literárias e históricas das quais pouquíssimas sobreviveram,
atravessando quase dois milénios até chegar a época actual, entre elas Os Doze Césares, tal como A vida dos Retóricos e Gramáticos Ilustres. Suetónio
conquistou os favores do Imperador Adriano, o qual fez dele seu
secretário, encarregando-o da sua correspondência. Contudo, um
atrito emocional, tendo como figura central a Imperatriz Sabina,
desencadeia a inimizade do Imperador, fazendo cair Suetónio, a
partir de então, em desgraça. Após este incidente, o Autor passa a
viver por um longo espaço de tempo afastado da sociedade, à
semelhança de Ovídio, no tempo de Augusto, e de Séneca, no tempo
de Nero, dedicando-se então a escrever e a compilar as biografias
de “Os Doze Césares”. O livro está classificado como uma
obra-prima, figurando no meio literário clássico não apenas como
uma grande mais-valia em termos históricos, mas também como modelo
estrutural para a edificação de uma biografia – género até
então pouco explorado. Por esta obra-prima, Suetónio é
considerado um autor escrupuloso nas suas informações, minucioso
nos esclarecimentos que nos proporciona sobre o aspecto físico e
moral dos Césares(João Gaspar Simões). Suetónio traça
um retrato bastante fiável da civilização romana, a qual nos
habituámos a conhecer através da história factual, ao invés das
circunstâncias particulares do “viver quotidiano” daquela época
da história europeia e da literatura então produzida.
Os doze césares de Suetónio
Os primeiros livros são aqueles a que
o Autor dedica mais páginas escritas, devido à importância que
estas figuras tiveram – desde Júlio César a Nero – na
remodelação das instituições romanas e na alteração que
provocaram no modo de vida dos cidadãos e habitantes de Roma em
geral.
O Livro I trata exclusivamente de Gaius
Julius Caesar (Caio Júlio César), descrito como o primus inter
pares de entre todos os que até à época em que vive Suetónio
geriram e governaram os destinos de Roma. Gaius Julius Caesar tinha a
verdadeira noção das suas capacidades, mas era também dono de uma
ambição e sede de poder que assustava os mais ciosos membros do
Senado. Sobretudo aqueles que defendiam encarniçadamente república,
tendo bem presente na memória colectiva o fantasma do despotismo da
monarquia, mostrando-se por isso amantes do sistema político
oligárquico, o qual obrigava à eleição de dois cônsules de dois
em dois anos, sistema que impedia que um dos seus membros ou clã
patrício se destacasse demasiado dos demais, açambarcando poder.
GJ Caesar parece, a crermos no retrato de Suetónio, um homem
que não hesita em quebrar as regras para alcançar os seus
objectivos e para quem os fins justificavam os meios.
«Se é preciso, realmente, violar o
direito, que seja para reinar. Nos outros casos, respeitai a
justiça.»
No Livro II, a personagem de destaque é
Octávio Augusto, filho de Átia, sobrinha de Gaius Julius Caesar.
Este torna-se o único herdeiro da fortuna do ilustre Tio, após
eliminar o único rival, Cesarion, filho de Caesar e Cleópatra,
rainha do Egipto. Octávio é caracterizado por Suetónio como
um rei absoluto, salientando a faceta que este sempre quis destacar:
a do pater-familias que se institui o “pai da pátria”,
durante mais de meio século, fortemente auxiliado pelo seu braço
direito – e armado – Marco Agripa, ao qual trata logo de casar
com Júlia, filha do primeiro matrimónio de Octávio. Com este zelo
familiar, Octávio aparece como um chefe de estado que institui leis
duras para regulamentar as relações institucionais da família,
apesar de, no seu caso particular, ter obrigado uma mulher grávida
(Lívia) a divorciar-se para consigo próprio. Com isto torna-se alvo
da sátira do já mencionado Ovídio, o que lhe vale uma condenação
ao exílio em Tomi, na Dácia (actual Roménia), na foz do Danúbio,
nos confins do Império.
O romance da Roma Imperial, contado por
Suetónio, envolvendo os restantes césares e intrincadas
intrigas políticas, assassinatos, incestos e golpes de estado tem
origem precisamente no conflito de interesses entre os descendentes
de Augusto através de Júlia, e os descendentes de Lívia, a qual
traz dois filhos do primeiro casamento, Tibério e Druso. A luta pela
sucessão do império trava-se encarniçadamente entre esta duas
famílias - os Julii e os Claudii – até à morte de Nero, o qual é
substituído pelo General Galba. A partir de então, o título de
Caesar deixa de ser atribuído por sucessão sanguínea e passa a ser
aplicado à figura de maior poder dentro do Império. À medida que
percorremos a galeria dos Césares, descritos por Suetónio, vamos
ganhando a percepção de que o Império caminha para uma inexorável
entropia, minado por lutas intestinas que vão facilitando a incursão
de invasões de povos que lhe são hostis, à medida que o Império,
de tão vasto, se vai tornando ingovernável.
A estabilidade do chefe de Estado
depende, sobretudo a partir de Nero – embora já fosse notório a
partir de Augusto –, muito mais do apoio do Exército, seja através
da prova do génio militar, seja através de subornos e pagamento de
salário elevados ou concessão de terras após se reformarem, bem
como das ligações de parentesco, do que de um sistema eleitoral.
Nota-se uma progressiva desilusão por parte do Autor com os chefes
de estado, apesar de ter ainda uma boa imagem de Imperador
Vespasiano. Esta desilusão deve-se à proeminência do favoritismo
baseado na adulação e na ascensão por complicadas teias de
intrigas ao invés de o ser por mérito.
Os Doze Césares é,
assim, um livro sedutor que traça o retrato mais do que o dos
senhores de Roma, de toda uma forma de conceber a vivência do
quotidiano, das relações familiares, da forma de encarar e o lugar
que é atribuído à cultura, às artes, à dicotomia entre liberdade
de expressão e pensamento versus a imposição da submissão às
directivas de um chefe de estado.
Um livro cuja temática se pode
encaixar perfeitamente nos dias de hoje e em cuja intemporalidade
esteja, talvez, a chave da sua sobrevivência até aos nossos dias.
31.10.2011 – 16.18.2012
Cláudia de Sousa Dias
6 Comments:
O retrato de um império, muito interessante!
Beijinhos,
Madalena
e tenho amigos que já leram milhares de livros e não conheciam este autor. É uma das principais fontes documentais de investigação para historiadores do período romano...
Excelente lembrança!
:-)
bjo
Gostei bastante de ler a visão de Suetónio sobre os imperadores: desde os atos políticos às paixões.
Boa noite!
Obrigada!
Boa noite também!
csd
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