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Tuesday, April 03, 2012

“O Padrinho” de Mario Puzo (Bertrand11/17)










Tradução de: Carlos Vieira da Silva

Com a publicação, em 1969, deste romance sobre a Máfia nova-iorquina passado nos anos 1940, Mario Puzo, também ele, tal como as suas personagens, um descendente de imigrantes italianos nos Estados Unidos, jornalista de profissão, consegue finalmente afirmar-se como ficcionista. O mesmo romance daria, alguns anos mais tarde, origem à adaptação cinematográfica de Francis Ford Copolla, em 1972, com Marlon Brando no papel de Don Vito Corleone e Al Pacino como Michael Corleone. Uma película que ganharia três óscares para a categoria de Melhor Filme, Melhor Argumento Adaptado e Melhor Actor (Brando).

A acção principal do romance incide, como já foi referido, em Nova-Iorque durante a chamada “Lei Seca”, que proibia a venda de bebidas alcoólicas, época que coincide com a ascensão do poder tentacular dos vários ramos da Máfia Siciliana naquela cidade, os quais, durante a segunda metade do século XX, estendem a sua influência a cidades como Las Vegas e Los Angeles.

No primeiro volume da saga Corleone, Puzo explora, embora de forma algo superficial, as raízes históricas das Máfias sicilianas em terras do Tio Sam e a razão do secretismo à volta daquela organização, construída à base de laços afectivos e de sangue, com raízes que as culturas que remontam à época medieval na Europa,surgindo num contexto de oposição à ordem estabelecida e às classes dominantes como forma de subversão, formando um grupo reaccionário face às leis impostas pela sociedade e, principalmente como forma de resistir aos desmandos da Inquisição.

Mas com o passar do Tempo dá-se, segundo o Autor, uma nova inversão de valores e a rede mafiosa passa a ser, ela própria, um instrumento de opressão, baseando as suas atitudes na rapina, na contrafacção e na extorsão, dirigida a todas as classes sociais, inclusive àquelas que era suposto proteger.

O autor dedica uma boa pare do romance a explicar a forma como, pouco antes da II Guerra Mundial, as famílias mafiosas e os seus associados passaram a ser perseguidos em Itália. Mussolini mandava prender todos aqueles que se lhe apresentavam como meros suspeitos de pertencer a uma qualquer organização criminosa, mas sem proceder a qualquer tipo de julgamento, fundamentação ou validação de provas ou depoimentos que se lhe apresentassem, prendendo culpados e, na maior parte das vezes, inocentes, baseando-se frequentemente em denúncias falsas.

Com a chegada dos Aliados à Península, sobretudo após o desembarque do Exército Americano, é deliberada a libertação de todos os prisioneiros durante o regime de Mussolini sem terem em conta que alguns eram, de facto, criminosos.

Noutra perspectiva, o Autor elabora, também, o retrato da situação política do fascismo e do pós-guerra que acaba por pressionar grande parte da população siciliana a emigrar, impelida pelas graves dificuldades económicas na Ilha a emigrar para os Estados Unidos.

Já nas décadas de 1930 e 1940 – coincidindo com a ascensão e consolidação do poder de Mussolini -, as organizações mafiosas começaram a proliferar nos Estados Unidos, com o pretexto inicial de garantir a protecção aos seus conterrâneos, actuando os seus chefes como patriarcas de uma grande tribo ou clã. Noutras publicações deste Autor, como O Siciliano de que falaremos dentro de algumas semanas, o Autor dedica-se a explorar com pormenor as razões pelas quais os habitantes daquela ilha e os seus descendentes em terras estrangeiras, confiam muito mais nos laços de parentesco do que nas instituições do Estado para garantir a própria segurança.

A família siciliana, retratada por Puzo é muito mais do que uma família de sangue: trata-se de uma família alargada, que engloba também um vastíssimo número de “afilhados”. No caso concreto da comunidade ligada à família Corleone,em O Padrinho, trata-se de pessoas com problemas sobretudo do foro legal, a quem falha a ajuda das instituições. É por essa razão que procuram Don Vito, um homem poderoso, com as mesmas origens e raízes culturais, com o qual estabelecem laços de suserania e vassalagem, garantindo assim a coesão social tipicamente italiana, baseada na ajuda mútua e na troca de favores. Desta forma é construída uma micro-estrutura social dentro do macro-sistema social que é a sociedade norte-americana.

O motor do desenvolvimento da história de O Padrinho será, no entanto, o conflito de gerações no seio da família Corleone, cujo patriarca se vê pressionado pelas outras famílias rivais a alargar o seu ramo de actividade:ao invés de se limitarem a contrabandear bebidas alcoólicas e a cobrar uma espécie de dízimo para garantir a segurança dos seus protegidos, a família Corleone é assediada por outros grupos rivais no sentido de vir a colaborar no tráfico de drogas - a família Tataglia, que gere uma rede de clubes nocturnos na Big Apple. A tensão está patente, dentro e fora da família, uma vez que o poder de Don Corlene assenta numa complexa teia de favores – tráfico de influências –, embora para o patriarca os fins nem sempre justifiquem os meios.

Estrutura da trama

Para explicar a forma como se estrutura o poder de Don Corleone, Mario Puzo começa por expor, de forma simples e dinâmica, algumas situações concretas de pessoas que se encontram em situação frágil, sendo o único traço em comum entre elas, uma situação de absoluto desespero, para a qual procuram a ajuda e a protecção de Don Corleone, ao qual passam a chamar de “Padrinho”. A ajuda terá, obviamente, o seu preço, o qual será cobrado na hora exacta. A pessoa que é ajudada coloca-se sob a sua protecção, mas ficará, a partir daquele instante, devedora de uma lealdade incondicional ao seu benfeitor. O tratamento por “Padrinho” é sinónimo de uma afectividade da qual o patriarca é credor, sujeitando os seus aficcionados à lei do silêncio – a Omertà – face às autoridades oficiais e instituições do Estado, já que a Máfia continua a ser, como nos tempos medievais, um desafio à ordem estabelecida, constituindo um sistema de justiça paralelo. A Omertà protege este tipo de laços. Se esta lei é quebrada, cessa o dever de protecção do “Padrinho”, ficando o delator sujeito consequências que daí possam advir – a vendetta. Uma punição implacável, cruel, mas sempre coerente. Para Don Corleone a vendetta é um prato que se come frio, nunca esquecendo uma ofensa, como os felinos, característica que é também típica do temperamento sulfuroso e vulcânico dos sicilianos.

Há, no romance, uma personagem, Johnny Fontana, que lembra de forma algo alarmante o cantor Franck Sinatra, com a sua voz de veludo dos tempos áureos, as tão especuladas ligações à Máfia, as suas atribuladas ligações sentimentais, o alcoolismo, a perda ou modificação da voz, para além de nos permitir mergulhar no mundo de corrupção que é Hollywood e o Showbizz e as ligações perigosas da Meca do cinema.

Estrutura e desenvolvimento da trama
O romance divide-se oito partes ou Livros: No livro I são esquematizadas as situações que levam a que algum dos protegidos de Don Corleone lhe peçam um favor “especial”, no dia do casamento da filha deste, sabendo da tradição siciliana que obriga a que um patriarca nunca recuse um pedido que lhe façam no casamento de uma filha: o funerário Amérigo Bonasera, o cantor Johnny Fontane, o padeiro Nazorine e Anthony Copolla, o futuro dono de uma trattoria. Assistimos também nesta fase ao nascimento de uma ligação sentimental clandestina entre Sony e Luci Mancini, uma das damas de honra da noiva, Constanza, facto que dá um toque picante ao romance. Em simultâneo, o leitor é também posto ao corrente do desenvolvimento da estrutura organizacional da rede de contacto e actividades de Don Corleone, a qual se divide em várias facções, lideradas pela sua equipa ou Capporegime (facções encabeçadas por vários líderes): Tessio, Clemenza e Paulie Gatto. Estes centuriões de actividades ilícitas encabeçam a facção armada do pessoal de Don Corleone. Controlam as bancas de jogo e todo um sistema de apostas e comércio de bebidas ilegais. A entrada de Tom Hagen, um irlandês de ascendência germânica tão próximo de Don Corleone como um filho, desde a adolescência, altura em que perdeu os pais, dá-se na altura da sucessão de Genco Abbandando, para o lugar de consigliere, homem da máxima confiança e braço direito do “Padrinho”, acaba por despoletar alguns ciúmes e ódios virulentos.

Ao mesmo tempo o desenvolvimento da personagem Michael Corleone, o filho mais novo, sofre uma viragem de 180º. Trata-se da personagem mais modelada do romance, posto que, inicialmente, somos levados a pensar que este terá um percurso de vida fora das redes da Máfia, mas os acontecimentos subsequentes e um ataque directo à família por clãs rivais alteram drasticamente o percurso e a própria personalidade do benjamim Corleone.
Nos capítulos seguintes, a história segue o seu curso fazendo entrever um desenvolvimento algo previsível. A trama é articulada como um organograma de uma organização que funciona como uma grande empresa ou corporação, mostrando os múltiplos expedientes de que se serve para se infiltrar nas instituições estatais: na política e no senado, nos grandes negócios (legais), e até no cinema e demais meios de difusão de massas, montando todo um complexo esquema de lavagem de dinheiro.
Por outro lado, a tentativa de assassínio de Don Vito Corleone e a morte de Sonny marcam o início de uma guerra sem tréguas, entre os Corleone e os outros clãs das máfias de origem siciliana…

Nos livros III e IV, assistimos a uma analepse – um recuo no tempo, cujo objectivo é o de ficarmos a saber as origens de Don Corleone, desde o seu passado e origens familiares na Sicília à construção do enorme poderio económico em Nova Iorque, sobretudo no livro III. Ao recuo temporal que possibilita o mergulho no passado de Don Vito segue-se uma pausa no desenvolvimento da narrativa, que consiste na estadia de Michael na Sicília, para se recuperar das feridas de um tiroteio e escapar da mira dos seus inimigos. A história de Michael na Sicília é uma das passagens mais belas do romance, e provavelmente, a de maior valor literário, com um episódio lírico a terminar à maneira das tragédias clássicas. Os dias passam lentos na paisagem quase paradisíaca da Sicília. Quase. Porque a ilha esconde debaixo dos perfumes da terra, venenos sulfurosos e um Etna social que é a Máfia local. A família Corleone tenta colocar Michael sob a protecção de um dos padrinhos da ilha, enquanto nos E.U.A. se tomam diligências para limpar o nome de Michael, de forma a que este possa regressar àquele país sem correr risco de prisão.

No livro V, sobressai a velocidade dos acontecimentos após a morte de Santino (Sonny). A guerra deflagra entre as famílias mafiosas de Nova Iorque, após serem identificados os traidores dentro do grupos, violadores do princípio da Omertà. Mas a tensão manter-se-á até ao final do último capítulo. A identidade do traidor-mor é mantida até ao fim, através de uma técnica utilizada pelo Autor a que podemos chamar de “cortina de fumo”, que consiste em desviar as atenções do principal suspeito, mantendo-o cuidadosamente “na sombra”, em segundo plano. Uma estratégia frequentemente utilizada por Mario Puzo e que se repete em romances posteriores como O Siciliano e O Último Padrinho. O grande vilão de O Padrinho”, romance no qual praticamente todas as personagens – salvo Kay, Apollonia e Mrs. Corleone são anti-heróis, pode definir-se como um indivíduo inequivocamente reles: para além da ambição desmedida é alguém possuidor de inteligência medíocre e sempre pronto a vender a alma e o corpo pelo lance mais alto.

A actividade da Família Corleone começa a deslocar-se gradualmente para Las Vegas e , através do contacto de Johnny Fontana, a olhar para Los Angeles e Hollywood como futuros foco de actuação.

No Livro VI, voltamos novamente à Sicília onde ainda se encontra Michael, já casado com a bela Apollonia, em recuperação. Neste episódio temos um breve vislumbre de como o fundamento da Omertà favorece as relações de poder insulares, que radicam num feudalismo serôdio que se escusa de premiar o mérito pessoal ou o trabalho mas somente as relações de poder.

Mike apercebe-se que esta Máfia, com um código de honra ainda tão decalcado dos moldes do feudalismo é, afinal, o garante da ordem política e jurídica existente…

No livro VI, é relatada a paixão fulminante que acomete Michael pela primeira mulher, uma mistura de gazela feita de ar, virginal, mas com algo de bacante, pela luxúria que desperta a sua carne adolescente. Os acontecimentos precipitam-se no entanto de forma funesta, precipitando o regresso de Michael a Nova Iorque.

O livro VII mostra o filho mais novo de Don Vito de volta aos Estados Unidos e aos braços da antiga namorada, Kay, tal como um Ulisses que regressa a Ítaca e ao leito de Penélope, após um idílico romântico e insular com a ninfa Calipso. Ao contrário da relação com Apollonia esta é uma relação baseada em afinidades: Kay não é fulminante como um raio, mas antes um lago calmo.

Neta fase da história, assistimos à evolução da saúde de Johnny e à ascensão profissional de Nino, um protegido de Don Corleone e, também ao peso crescente do médico Jules, amante da jovem Mancini, antiga paixão de Sonny. Este será o médico que assiste ao pessoal e clientes dos casinos Corleone, em Las Vegas, e gestor do hospital, fundado pela família, num genial esquema de lavagem de dinheiro de origem duvidosa. Jules enriquece em troca de ajudar alguns amigos de Don Corleone cuja saúde está ameaçada. Como paga dos seus benefícios só tem de ignorar a proveniência dos fundos que servem para criar - e manter - um luxuoso hospital privado.

Freddie, o filho do meio, lidera os negócios Corleone em Las Vegas, dedicando-se definitivamente ao jogo, à hotelaria e evitando o narcotráfico, por ordem expressa do patriarca.

Após o seu regresso, Michael começa entretanto a preparar-se para suceder ao pai nos negócios, tarefa que lhe exige grande esforço diplomático, devidamente aconselhado por Don Vito e Tom Hagen.


O Livro VIII, marca a entrada de um novo elemento na organização: Albert Neri, que substitui o feroz Lucca Brasi: para não ferir susceptibilidades nem pôr em causa a autoridade dos dois lugares tenentes da organização , Michael tem de agir como se pisasse ovos, mas sem demonstrar receio.
Entretanto são descobertos mais dois traidores ligados à família, entre os quais Carlo Rizzi, cunhado de Mike.

A morte de Don Vito é o segundo momento de grande beleza literária do romance , culminando numa cena cheia de dramatismo, um quadro digno de uma ópera de Verdi ou Pucinni.

O livro IX consiste numa espécie de epílogo, onde é descrita a “limpeza final”, a terrível vendetta e as tendências de evolução e mudança, ocorridas na Família, cujo foco de acção se desloca, cada vez mais, para Las Vegas. Uma palavra para os nomes das personagens a provar a extrema ironia, caracterizada por evidentes traços de humor negro que caracterizam a escrita de Mario Puzo: o devasso Santino (Santinho) ou Sonny (filhinho) diminutivo anglicizado, o impiedoso Clemenza (clemência), o funerário Buonasera (Boanoite), entre outros…

Este não é o melhor livro de Mario Puzo, estando muito longe da obra-prima que publicou postumamente A Família sobre os Bórgia, durante o período do Renascimento. Mas é um romance policial que se lê com prazer, devido à forma cinematográfica com que são descritos os acontecimentos, muitos deles em sequência alternada, o que dá impressão de que os factos se sucedem a um ritmo voraz, tornando a obra facilmente adaptável ao mundo da Sétima Arte. Com isto, Mario Puzo forneceu a base do argumento daquele que foi, durante muitos anos, considerado o melhor filme de sempre, realizado por Francis Ford Copolla: O Padrinho I.

Cláudia de Sousa Dias

30.06.2011

4 Comments:

Blogger Maria said...

Sim, sim, sim. Encomendei o livro em inglês na amazon. Ainda não chegou... por isso não li todo o post porque não quero spoilers ^-^

beijos

2:33 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Ahah...!

Aguardo então depois a tua opinião ;-)

beijos


csd

3:00 PM  
Blogger M. said...

Mais uma falha minha; nem o livro, nem os vários filmes!
Beijinhos,
Madalena

4:52 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

oh...tens de ver o filme,então!

8:53 PM  

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