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Monday, January 16, 2012

“Poemas com Cinema” Antologia Organizada por Joana Matos Frias, Luís Miguel Queirós e Rosa Maria Martello – Projecto FCT (Assírio & Alvim)




No prefácio, intitulado Antes do Filme, os organizadores desta antologia explicam os critérios de selecção a agrupamento dos textos:
Os poemas agora reunidos ilustram diferentes formas de diálogo da poesia dos séculos XX e XXI com o cinema. A amplitude do corpus poético aqui apresentado e a diversidade das poéticas nele desenvolvidas comprovam que o cinema tem merecido uma acção continuada por parte dos poetas portugueses. Foi a esta cumplicidade que procurámos dar relevo.”
A amplitude temporal do conjunto de poemas de que aqui tratamos abarca as décadas de 1930 a 2010, mas o critério de agrupamento segue uma ordem temática e não cronológica o que justifica a afirmação de que o objectivo da antologia foi o de “confrontar  ou aproximar diferentes autores, (…) abrindo alguns caminhos que o leitor facilmente poderá expandir ou reorganizar de acordo com os seus interesses”.
Os mentores deste projecto explicam a ausência de poemas ligados ao primeiro momento modernista em Portugal com base no facto de que «a sétima arte teve um impacto residual na criação poética dos escritores de Orpheu, pautando-se por referências ocasionais ou, em alguns versos, pela inclusão de vocabulário cinematográfico em alguns trabalhos de Fernando Pessoa (Álvaro de Campos e Bernardo Soares) e Almada Negreiros». Os autores da antologia vêm o caso da revista Presença como “um caso ainda mais complexo”, uma vez que colaboradores como José Régio e Adolfo Casais Monteiro colaboraram, também, em publicações relacionadas com o cinema. No entanto, afirmam que «descontados alguns poemas de Edmundo Bettencourt, José Gomes Ferreira e António Botto, o rasto que esse interesse deixou na lírica da Presença resume-se a pouco mais do que uma série de referências avulsas a um mero entretenimento das tardes de Domingo.» São, ainda, da opinião de que o diálogo entre a poesia e a arte cinematográfica é mais difícil de ser estudado porque a correspondência entre as duas formas de expressão artística é menos evidente do que a narrativa. No entanto, na poesia moderna contemporânea não está excluída a narratividade, para além de este género de poesia estar relacionada com uma temática de elevado teor imagético a qual associam um pouco à montagem cinematográfica:

«O fascínio pela imagem, a importância atribuída à relação entre as imagens e o seu poder evocativo justificam a cumplicidade tantas vezes evidenciada nos poemas agora reunidos

A Antologia está dividida em subtemas. O primeiro tem a ver directamente com o lugar onde começa a cinefilia e onde se forma o público cinéfilo: a sala de cinema. No cinema , é o lugar onde é tratado o ponto de vista do espectador e a forma como este é afectado palas imagens que perpassam na tela. O segundo grande momento da obra chama-se Depois do Filme. A intenção dos autores em incluir este conjunto de poemas nessa fase é a de ilustrar uma determinada temática ou género de filme específico. A terceira parte desta antologia é composta por uma colecção de retratos sob a forma de poemas, dedicados a cineastas, actores e personagens de filmes míticos a que se chamou de Homenagen”. E chegamos à secção Onde o cinema se insinua. Os textos incluídos neste segmento da obra implicam, já, uma relação ou forma de diálogo entre o cinema e a poesia que se exprime num caminho bastante mais indirecto para a compreensão «d’os diferentes níveis de apreensão do universo fílmico, as técnicas de produção de imagem cinematográfica, os movimentos de câmara em filme que se traduzem num “olhar inovador” (…) e num vocabulário específico que proporciona formas de renovação do discurso poético.» Para os investigadores responsáveis pela organização desta antologia, há como que uma influência mútua entre as duas artes que revoluciona  quer o discurso, numa delas, quer a forma de olhar, na outra.
Há, ainda, um conjunto extra, á laia de um posfácio, a que dão o título de “Filmagens” o qual inclui textos onde a presença do cinema surge nas entrelinhas por meio de um processo ecfrástico e de transposição de discurso onde o próprio poema é concebido como um filme.

Comentário:

Da primeira parte, No Cinema, destaca-se a beleza do discurso narrativo  de Cinemas abrindo com Herberto Helder, num arrebatamento deslumbrado do seu Cinema. Segue-se Edmundo Bettencourt, a acutilância de Ana Hatherly na sua Tisana 45, o drama implícito na morte inesperada de uma diva que em tudo se parece com Marilyn Monroe n' A Matiné das duas e Armando da Silva Carvalho. Sem falarmos das peripécias do hilariante e trapalhão espectador de A Invenção do Chimpanzé de Alberto Pimenta ou O Atalante de José Miguel Silva.

Depois do filme, temos a impressão da reescrita da narrativa após a montagem. A secção abre com um texto soberbo de António Botto seguido de Jorge de Senna com o fabuloso Couraçado Potemkin, inspirador da pequena grande homenagem que se lhe segue a cargo de Pedro Tamen. Nesta secção sobressai, também, o fortíssimo poder imagético de Ivan, o Terrível, no Alentejo de Alexandre Pinheiro Torres, a descrever todo o aparato de montagem de uma estrutura que irá permitir que o filme passe em plena praça pública. Curiosamente, a projecção desenrola-se ao mesmo tempo que a revolução popular naquela localidade, como se o cinema se projectasse na vida real e vice-versa. Outro poema de grande impacto é o Dies Irae de Maria Andresen.
À sublime ironia de Ruy Belo, em No way out junta-se um horripilante Psicho de Adília Lopes, com uma evidente piscadela de olho a Alfred Hitchcock, logo seguida de um sublime A queda do Império Romano por Fernando Guerreiro, em alusão ao épico de Hollywood. Segue-se um pungente Morte em Veneza de Jorge Sousa Braga e um espectacular poema narrativo de Jorge de Sena,  Filmes Pornográficos,  a que se segue o provocador Pornocine de Alexandre O'Neill.
A descrição telegramática de Fiama Hasse Pais Brandão em Do Titanic no écran e da precisão “crítica” de Miguel Gomes, tal como a Homenagem a Michael Hannecke por Daniel Jones a propósito de Funny Games compõem um vasto leque de intertextualidades e intersecções das diferentes linguagens que fazem a ponte entre a escrita poética – verbal – e a linguagem, poética também, que decorre da utilização dos meios audiovisuais. A secção finaliza com o tributo de Manuel de Freitas, acerca de uma cena do quotidiano Lisboeta, a Dona Benilde, enquanto espera pelo autocarro 100 a lenbrar um documentário de Sérgio Tréffaut.

Na secção Homenagens, são inúmeros os poemas referenciáveis. Alexandre O'Neill destaca-se, logo à partida, ao fazer a ponte entre o surrealismo na poesia e no cinema, num delirante tributo a Luís Buñuel com Bu! Bu! Quem tem medo de Buñuel? onde, ao utiliza a paráfrase evocativa do filme Quem tem medo de Virginia Woolf, protagonizada pela imortal Elizabeth Taylor. Um poema tão provocador quanto anti-clerical, bem ao estilo do realizador surrealista que foi Luis Buñuel:

Don Luís continuou a comer figos secos,
enquanto as catequistas engolem os seus credos...

Lucchino Visconti e o seu perfeccionismo estético e temático são cantados por Eugénio de Andrade em Outro Exemplo: Visconti”, tal como a tendência para causar incómodo nas consciências, característica típica de Pier Paolo Pasolini no poema Requiem para Pier Paolo Pasolini, poema onde se retrata um crime mediático, cujo contornos de violência chocam a opinião pública, aludindo a desejos proibidos.
Rui Lage evoca a memória imagética de um arrebatador Wong Kar Way num poema a preto e branco, iluminado por escassos detalhes coloridos. Um poema que fascina pela apresentação de contrastes, apostando na alternância de planos e da justaposição da cor com a não cor.
Inês Lourenço brinda-nos com a homenagem ao cinema português doa anos 1950 no seu Velho Celulóide e Mário Cesariny oferece-nos deliciosas caricaturas de actores e cineastas, pintados com o ácido, muitas vezes corrosivo, do humor que o caracteriza.
Charles Chaplin aparece nesta antologia num um conjunto de poemas especialmente dedicados à sua brilhante carreira de actor. É exaltado por Alexandre O'Neill em Charlotarde e numa apaixonada elegia por Ruy Belo. Marilyn Monroe tem, também, direito a uma pungente elegia pelo mesmo Autor em A Morte de Marilyn, assim como o tributo de Jorge Sousa Braga num poema lírico intitulado A Lua e MarillynRuy Belo volta mais uma vez no esplendor lírico que caracteriza a sua forma de tecer uma homenagem particularmente enfatizada em Esplendor na relvaJosé Miguel Silva transmite-nos a angústia de ser diferente ao lembra o filme O Rapaz de Cabelo Verde de Joseph Loosey. e José Tolentino Mendonça deslumbra-nos com um sublime Dos Olhos de Rubliev.

A terceira secção da Antologia, Onde o cinema se insinua, é explicada por Herberto Helder no texto poético Exemplos, onde o cinema se projecta no quotidiano e no imaginário de cada um; Luísa Neto Jorge alude aos filmes inspirados em histórias de vampiros e Alberto Pimenta à estética e imagética do cinema japonês, num poema sem título. Uma das mais belas composições incluídas nesta publicaçãoé o poema de Al Berto, Parece que Lucrécio dizia. De Rui Lage, os seleccionadores optaram por um poema representativo de uma imagem de choque: o alucinante Mad Max.
A evocação da tristeza e da morte, ou do simples processo de envelhecimento, no apagar de uma estrela em declínio é-nos dada por Vasco Graça Moura num “filme” que poderia decorrer do Estoril. De Ana Luísa Amaral colheram-se as Metamorfoses, que aproximaram uma cena do quotidiano de Leça da Palmeira com um plano do filme “Casablanca”. A secção termina com a alusão de José Miguel Silva  ao filme Ladrões de Bicicletas e ao cineasta italiano Vittorio de Sica, ao referir os incontáveis obstáculos com que se debate todo aquele que tenta triunfar na meca do cinema.

Na última parte desta antologia, à laia de posfácio, intitulada de Filmagens, Al Berto é escolhido, mais uma vez, na linha de frente, como figura de proa, pela fulgurante polissemia da linguagem, a contrastar com o minimalismo de Adília Lopes cuja poesia lembra mais uma fotografia  ou os longos planos ao ritmo de valsa lenta, típicos dos filmes do grande Manoel de Oliveira.
Manuel Gusmão fecha a obra com duas longas composições, sendo a última delas um arrebatador Triplo Sortilégio de onde se torna impossível não lembrar o “filme” presente na memória de um cataclismo tão completo, inexorável e irreversível como o sucedido no Japão, do qual resultou uma violenta catástrofe ambiental que tanto podemos identificar com o trágico final da segunda Grande Guerra para aquele país, tantas vezes explorado no cinema por inúmeros cineastas, como nos vem à memória, pelas palavras do poeta, a última catástrofe que alia as forças da natureza à irresponsabilidade humana.
A presente antologia resultou, assim, de um excelente trabalho de associação de formas de apreender e compreender o real, com a fusão perfeita de duas formas de Arte que perseguem a ideia do Belo e do Sublime como só o fazem a Poesia e o Cinema que é, também ele, uma forma de se fazer poesia. E onde, na Arte poética, condensamos o “filme” da imaginação e da memória concentrada em partículas atómicas de emoção que irradiam o Outro que é o espectador que se senta na sala de cinema.

04.04.2011
Cláudia de Sousa Dias

7 Comments:

Blogger Olinda Melo said...

Interessante!

Em versão mais terra-a-terra a Assírio & Alvim também lançou Agendas de 2012 que são mini-Antologias de poemas e receitas.Vi as duas edições hoje numa Livraria e, por sinal, comprei o Poemário. A iniciá-lo Herberto Helder seguido de Manuel António Pina, nos dois primeiros dias do ano.

:)

Olinda

4:27 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Primeiríssima a comentar, Olinda! Deixa-me mito contente...este blog está um pouco em baixo...

4:58 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

oh, Olinda, eu precisava de uma agenda dessas!o único problema é que ia ter pena de escrever nela...!



csd

10:33 PM  
Blogger M. said...

O cinema, tão importante para sonhar, acreditar, questionar neste tempo de crises... Mais do que evidente a sua cumplicidade com a poesia.
Beijinhos,
Madalena

11:32 AM  
Blogger Maria said...

Descobrindo o mundo de Sherlock... Comecei a ler The Complete Sherlock Holmes (Penguin Paperback). Depois do Sherlock de Robert Downey Jr e de Benedict Cumberbatch fiquei curiosa e encomendei o livro na Amazon.co.uk. São 1000 e tal páginas. Estou na página 253 e estou a gostar muito. É óptimo quando o cinema e a televisão são capazes de promover a leitura ^-^
[recomendo o livro e a série da BBC Sherlock]

beijos

12:01 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Muito bom policial. Sir Arthur Conan Doyle é uma referência no género.

;-)

10:44 AM  
Blogger Marcos said...

Olá...seu blog é excelente, curti muito. E se você aceitar uma indicação aí vai o livro que acabo de ler sobre o maior gênio do século XX, na minha opinião: "EIS ANTONIN ARTAUD" da escritora Florence de Mèredieu que, com este livro, acabou com todas as outras biografias de Artaud.
Depois me diga o que achou.
Sei que você ia acessar meu blog indicado pelo nosso amigo Miguel Carvalho: www.pensarnaodoi.com Também gostaria de saber sua opinião sobre ele. Vai daqui do Brasil o abraço
Marcos Fayad

11:51 AM  

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