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Monday, January 09, 2012

“Nocturno Indiano” de Antonio Tabucchi (Dom Quixote)





Tradução: Gaetan Martins de Oliveira




Antonio Tabucchi nasceu em Pisa, cidade onde realizou os seus estudos na Faculdade de Letras e na Scuola Normale Superiore. Ensinou na Universidade de Génova, Roma, Sienna e Bolonha. Publicou cerca de vinte e cinco livros, abarcando vários géneros literários, desde o romance à poesia, passando pelo ensaio e pelo teatro. A sua obra está traduzida em mais de trinta línguas. Antonio Tabucchi traduziu para italiano a obra de Fernando Pessoa e escreveu, inclusive, um romance em português, Requiem (1991). Além deste, outros romances como O Fio do Horizonte, Afirma Pereira e Nocturno Indiano foram adaptados ao cinema respectivamente, por Fernando Lopes, Roberto Faenza e Alain Corneau. Nocturno Indiano, é uma inquietantemente fascinante viagem à Índia, continente descrito no romance como uma terra de violentos contrastes entre a opulência e a miséria. O romance não é mais do que uma viagem a qual, de acordo com as palavras do editor, “poderia servir de guia a um amante de viagens absurdas.


Segundo Andrea Aparecida Machado na sua dissertação sobre "A Questão Policial em Nocturno Indiano de Antonio Tabucchi" (Brasil, 2006) :

« O romance apresenta-se sob a forma de uma viagem em busca de alguém que se perdeu na Índia, sugerindo uma questão policial. (...) Margeado pela reversão entre ficção e crítica, este romance breve afirma-se como referência ilusória que mascara, mas não esconde, as outras vozes que se insinuam na narrativa.»

O narrador e protagonista viaja ao abrigo da embaixada italiana na Índia, decidindo percorrer o continente à procura de um amigo que parece ter-se volatilizado ou desfeito em fumo. Ao lançar-se nesta demanda, o protagonista vai dando a conhecer aos seus leitores, como que de ouvintes se tratassem, o relato da viagem que decide empreender, justapondo cenários e ambientes contrastantes, onde se movimentam os actores, quer do topo quer da base, da imensa e complexa pirâmide social de que é composta a sociedade que integra a União Indiana: desde os ultra-ricos que se hospedam no Grande Hotel de Bombaim, aos intocáveis que tratam os doentes terminais no hospital mais infecto da cidade.


O romance é uma fotografia longitudinal, ou melhor um conjunto de slides ou quadros descritivos, referentes a vários pontos de paragem, num itinerário tão heterogéneo que consegue obter o mérito de abarcar uma paragem num hotel de frequência duvidosa, de aspecto sujo e pouco convidativo, até ao hotel de luxo que é frequentado por gente das upper-classes – uma cidade dentro da própria cidade e que é, ele sozinho, alimentado pela central nuclear, construída propositadamente para fornecer energia eléctrica àquele local. A viagem inclui, também, a visita ao já mencionado hospital público, estações e apeadeiros ao longo do percurso de um trajecto de comboio, um encontro com um interessante e misteriosa personagem feminina a bordo de um avião e a visita a um mosteiro goês, onde nos apercebemos da extensão da História, da cultura e da influência da presença portuguesa naquela cidade.
A observação directa e a descrição dos cenários são enriquecidas com entrevistas do narrador a informadores-chave: um padre-jesuita português, uma prostituta de Bombaim, uma repórter inglesa que se dedica a fotografar a miséria em Calcutá, uma curiosa dupla de profetas nómadas, um médico do hospital e um farmacêutico local.
Mas este misterioso ballet de sombras é sobretudo um treino às faculdades criativas da linguagem, pois é graças a uma palavra evocada em várias línguas que o viajante se aproxima daquele que procura. E é graças à escrita que esta viagem (…) passa da insónia ao sonho e do sonho ao texto”.
 Luiz Carlos Merten, crítico de cinema escreve, a propósito do livro e do filme, que Nocturno Indianotrata de solidão e do desdobramento de identidades.”

Antonio Tabucchi dá-nos várias pistas para a interpretação da estória estabelecendo a ponte entre o Autor e o narrador, duas vozes que por vezes se interceptam:

“Este livro, mais do que uma insónia é, também, uma viagem. A insónia pertence a quem o escreveu, a viagem, a quem a fez. Contudo, visto que também me aconteceu percorrer os mesmos lugares que o protagonista desta história, achei por bem fornecer um pequeno índice desses lugares. Não sei ao certo se parece tanto contribuir a ilusão de que um registo topográfico, graças à força intrínseca do real, poderia iluminar este nocturno em que se busca uma sombra; ou a insensata conjectura de algum amante de percursos incongruentes poderia um dia utilizá-lo como um guia.”

O índice, de que fala o Autor, detém o formato de um itinerário, com moradas incluídas, como se, à medida que avançamos nos capítulos, nos vamos detendo nas diferentes estações ou apeadeiros de que é composta a viagem. A obra estrutura-se assim, em termos espaciais, abrangendo o Percurso de Bombaim a Goa, passando por Madrasta e Mangalore.

Para além de dispor diante dos nossos olhos o variadíssimo leque de diferenças sociais do vasto continente indiano, o Autor torna-se exímio em fornecer a descrição da atmosfera de cada local, representada na forma como se entabulam as relações entre as pessoas e a tão incomensurável diversidade étnica, linguística, religiosa e cultural que comporta aquela federação.

As personagens de Nocturno Indiano fascinam e suscitam a curiosidade no leitor por serem “estranhos de passagem”. Isto é, são enigmáticas, intrigantes por anteciparem no leitor indiscreto o prazer da descoberta , pela adrenalina que faz intuir o perigo, pelo contacto com o desconhecido, que implica sempre alguma dose de risco. Desde o momento em que entramos num táxi e mergulhamos no trânsito caótico de Bombaim, ao franquear a porta do antro da pensão-bordel na mesma cidade, passando pelo estranho encanto da dupla que envolve uma belíssima criança, de olhos delineados a Khôl, acompanhada por um sibilino anão, que dita uma estranha profecia ao protagonista, o leitor é constantemente confrontado com situações que o deixam e suspenso. O mesmo adivinho é quem fornece ao narrador e ao leitor, de forma críptica, a chave do enigma, que só se consegue desvendar já depois de concluído o percurso, no epílogo, e de forma totalmente surpreendente.

Nos jogos de linguagem, tão do agrado do Autor, juntam-se as múltiplas referências à literatura portuguesa e às marcas culturais deixadas pelos portugueses e, também, pelos britânicos, patentes na forma como afectam o quotidiano dos locais.

Nocturno Indiano é, assim, um livro que se torna imprescindível para os amantes daquilo que de melhor se produziu em termos de literatura de viagens nas últimas três décadas.

Cláudia de Sousa Dias
28.03.2011

2 Comments:

Blogger M. said...

Mais um, impecavelmente resenhado por ti, a ir para a minha lista!
Beijinhos,
Madalena

11:46 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

obrigada...o mérito é do Tabucchi! por acaso, este é mesmo imperdível! estou a tentar adquirir todos os livros deste autor que me venham para à mão!


csd

7:05 PM  

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