"Adeus , minha Concubina" de Lillian Lee (ASA)
Adeus minha concubina é o título de uma das mais belas e dramáticas peças do repertório da ópera tradicional chinesa (Nota do Editor).
Este foi um dos (poucos ) aspectos positivos do regime cuja a Revolução Cultural tentou eliminar todo e qualquer vestígio da China imperial e de carácter feudalista. O reverso da medalha é a perda total da autonomia devido à interferência, sem limites, do Estado na vida humana.
Lilian Lee consegue mostrar-nos, através de um belíssimo texto literário onde são intercalados alguns dos mais sublimes trechos poéticos da peça "Adeus minha Concubina", as mais revoltantes formas de violação dos Direitos Humanos mais básicos. A Autora exibe, sem qualquer pudor, a forma totalitária de difusão da propaganda ao regime maoísta que substitui e condiciona toda e qualquer forma de expressão artística, mutila a criatividade, expurgando qualquer manifestação de pensamento, do mais ínfimo vestígio de emoção para não deixar margem para um único átomo de individualismo. Trata-se da história do triunfo do Império da Censura e da Repressão. Todas as acções levadas a cabo pelos funcionários do Estado, têm como objectivo supremo a total submissão ao deus Mao, como conclui brilhantemente um dos personagens principais. Para isso recorre-se a métodos eficazes devido ao anonimato em que operam os seus especialistas, comosendo a delação. Encoraja-se também a traição, fomenta-se a inveja com vista à subjugação pelo medo e assim realizar o grande objectivo. Criar uma sociedade eficiente, produtiva e totalmente desumanizada.
Adeus minha Concubina não é apenas um livro que se serve de uma das mais belas e completas formas de expressão artística da China tradicional para ilustrar a situação política da época e os respectivos abalos sísmicos no seu tecido social e cultural ao longo do século XX e que se reflectem até aos dias de hoje. É, também, um riquíssimo texto literário, poético e trágico, que fala da história de um amor proibido, unilateral, e por isso mesmo recalcado, que não se pode exprimir livremente. Mas pode ser, igualmente, um documento de interesse histórico e sociológico que dá a conhecer uma sociedade desiludida por um quotidiano miserável e procura recorrer à arte como forma de evasão, uma válvula de escape para deixar fluir as emoções e ter acesso à vida heróica e sumptuosa dos seus interessantes personagens. O palco é, assim o local onde o sonho individual se materializa e o espaço onde cada um pode exprimir o que sente, recebendo o prémio do aplauso, que surge sempre que o público se identifica com o comportamento de uma determinado personagem. Até ao dia em que a própria ópera passar a ser censurada e o aplauso, controlado pela polícia política.
Adeus minha Concubina exibe a escrita de Lilian Lee no seu melhor, numa obra que reproduz, com um realismo quase cinematográfico, as alterações que a paisagem cultural que a China foi sofrendo ao longo do séc.XX, com o desmoronar do Império, a instauração da primeira República, a ocupação japonesa, a Guerra Civil entre nacionalistas e comunistas e a própria Revolução Cultural...
Um livro que permite compreender até que ponto os verbos "amar" e "suportar" se encontram em campos opostos.
Sublime e acutilante.
Cláudia de Sousa Dias
Labels: Repostagem repescada do arquivo morto de Fevereiro de 2005
9 Comments:
Olá Cláudia,
bom dia!
Como não são só bons livros que nos chegam às mãos, há uns meses criei uma rubrica no meu blog intitulada "O Pior Livro", rubrica onde convido vários bloggers a mencionar e opiniar sobre o pior livro que já leram.
Dessa forma gostava de te convidar a elaborar um pequeno texto sobre a pior obra que já leste.
Cumprimentos,
Blog NLivros
posso ter umas ideias, sim...
Olá Cláudia. Pois é, essa complexa realidade da China Pré e Pós Revolução Cultural.
Estou a ler o 'Peito Grande, Ancas Largas'. Até agora, estou a gostar do texto, despido das putativas polémicas sobre o autor que nada me interessam.
bj
sim, também tenho curiosidade em ler Mo Yan, independentemente das suas opções políticas. Só ainda não comprei o livro porque já me disseram que levou bastantes cortes face à versão original. Vamos lá ver se eu tenho paciência para esperar que saia a versão integral da obra...
CSD
Tens de ler o Deathless! É um livro sobre Koschei e Marya Morevna, folclore russo com "roupagem" moderna... ligeiramente moderna, revolução russa, comunismo, magia, romance épico. Acho que ias gostar. Há um excerpto no meu blog.
beijinhos
Vou gostar, de certeza. Mas espero por uma tradução em Português. Ou quando mito, uma versão em inglês, um dia que vá viver para terras de sua Majestade...
Olá Cláudia,
gostaria de saber onde comprou o livro! É que estou farta de procurar e está esgotado em todo o lado!
Obrigada e parabéns pelo blog.
Já é bastante antigo, Cíntia. E penso que este comprei mesmo na ASA no Edifício Oceanos na Av da Boavista no Porto...
Cíntia, pode encontrar o livro aqui:
https://esconderijodoslivros.pt/produto/adeus-minha-concubina-lilian-lee/?gclid=EAIaIQobChMI44CG0sLM2QIVzLftCh2_GQ6tEAYYASABEgLRm_D_BwE
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