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Monday, June 19, 2006

“O Cego de Sevilha” de Robert Wilson (Dom Quixote)


Depois do best-seller intitulado O Último acto em Lisboa, Robert Wilson regressa com mais um thriller psicológico, desta vez passado na bela, festiva e salerosa cidade andaluza – Sevilha, la maravilha.

O estilo jornalístico do Autor faz lembrar uma crónica ou um depoimento. A escrita é objectiva, factual, predominantemente narrativa, de uma frieza e precisão cirúrgicas.

Os capítulos estão organizados por datas sendo que, por vezes, a mesma data é coincidente em mais de um capítulo, diferindo apenas a hora ou a localização espacial.

As descrições dos cenários onde se desenrolam os vários episódios que compõem a narrativa são depuradas, despidas de adjectivação de carácter emocional. “Frieza. Objectividade. Distância. O trabalho de detective é um trabalho destituído de emoção”.
A condução da narrativa principal é intercalada com os diários de Francisco Falcón - pai do protagonista Javier Falcón, encarregue da investigação -, diários esses que contêm a chave do móbil do crime.

A localização espacial da narrativa encontra-se distribuída pelas cidades de Sevilha e Tânger, pelo que se pode observar o contraste não só da paisagem social e cultural mas também a da organização urbana de ambas as cidades.

O Cego de Sevilha é um romance policial que trata de um crime inusitado no qual, o assassino corta as pálpebras das suas vítimas para obrigá-las a ver aquilo que não querem enfrentar. É, então, apelidado pela opinião pública de “o cego de Sevilha”, devido à sua aparente obsessão pela visão perfeita. “As pessoas só vão ver o que querem. A cabeça está sempre a interferir com a visão (…) aprende-se mais com um cego”. “O génio é um interstício (…) uma fenda (…) uma inspiração em que (…) o movimento não implica esforço”.

O perfil psicológico do assassino, delineado logo no início da obra, faz lembrar o do psicopata do best-seller de José Carlos Somoza Clara e a Penumbra. Em ambos os casos, trata-se de um homem ligado ao espectáculo, ao meio artístico, que utiliza o assassínio como veículo para atingir uma pseudo-genialidade na arte de matar – The art of real Killing – e, desta forma, cativar a atenção dos media.

A medida que a intriga se desenvolve vamos construindo, de uma forma cada vez mais detalhada, o puzzlle que é a personalidade do assassino, nas suas diversas facetas, seguindo o fio de Ariadne que são os indícios que o Autor nos vai legando, ora para nos elucidar ora para nos confundir. E à medida que vão surgindo novos dados e novas personagens, vamos sendo capazes de reformular e reconstituir o quebra-cabeças, embora o Autor nos reserve uma surpresa para o final.

A mulher da primeira das vítimas – a bela e provocante Consuelo Jimenez – tem o aspecto típico da mulher fatal, cuja descrição física parece ter sido inspirada na da célebre mulher louva-a-deus – Catherine Tramell – interpretada por Sharon Stone no mítico filme de Paul Verhoeven.
Trata-se, inequivocamente, de um falso indício. Consuelo é excluída logo à partida como autora do crime pelo leitor médio, por se tratar de uma suspeita demasiado óbvia. A viúva Jimenez incarna a típica socialite das revistas cor-de-rosa espanholas, uma fashion victim, exibicionista e demasiado consciente do seu poder sexual assaz perturbador em Javier, cuja misoginia não lhe permite, contudo, desviar-se do curso da investigação, ao contrário da personagem interpretada por Michael Douglas no filme supracitado.
Javier é o protótipo da discrição e cem por cento low profile.

Misturada com uma profusão de temas actualíssimos, - corrupção na Expo 92, tráfico e abuso sexual de menores, contrabando de armas e estupefacientes – surge o verdadeiro móbil do crime: desmascarar um falso génio e dar largas a um desejo desmedido de exibicionismo.

Noutra vertente, não menos interessante, Wilson descreve, do ponto de vista antropológico, alguns traços da personalidade colectiva dos espanhóis, sobretudo da região andaluza: uma profunda religiosidade e misticismo aliados à paixão pelas touradas e à trepidante movida dos sevilhanos, todas elas eficazes estratégias usadas no combate ao medo e à depressão. São-nos também mostradas algumas características sócio-culturais do povo português, bem como de outros países da União Europeia, à laia de comparação. Sem mencionar o impacto que têm nos europeus alguns traços culturais da civilização árabe.

O apreço de Wilson por Freud e pela teoria do Inconsciente encontra-se patente quando recorre ao método psicanalítico combinado com a metodologia da escola cognitivista, para construir os diálogos dentro do consultório de psicologia clínica, fazendo lembrar o lendário Spellbound de Hitchcock. É este o local onde se procede ao desembaraçar do complicado novelo que é a trama deste romance, particularmente, na exploração da origem do medo bem como de algumas fobias inexplicáveis e incontroláveis patentes no comportamento de Javier.
Ainda em relação ao medo, o torero Pepe pronuncia uma frase premonitória: “…é o medo que te ajuda a ver. É o medo que te salva”.
Em relação ao trauma de Javier, podemos encontrar na obra uma analogia ou intertextualidade com a história de Rudy de A Rainha das Neves de H.C. Andersen – um estilhaço (memória deturpada) no olho de Rudy/na mente de Javier, que o endurece, tornando-o um homem aparentemente frio, inteiramente devotado à lógica da razão que recalcando as emoções e deturpando a memória de forma a permitir o afastamento, a distanciação do acontecimento traumático. Porque as pessoas enterram, normalmente, os seus horrores.

A constante referência aos famosos das revistas cor-de-rosa – “a sociedade da flor de laranjeira e do esterco” (sic) chama a atenção para a cultura que privilegia a exibição da riqueza em detrimento das capacidades intelectuais aliada ao pretensiosismo, características que servem para ocultar a ausência de alguns valores fundamentais. A dada altura, chega mesmo a parodiar Milan Kundera em A Insustentável Leveza do Ser – “A extraordinária leveza da bondade? (…) Ou o peso dourado do poder, posição social e riqueza?”

No legado de Francisco Falcón a Javier, está a tentação de morder ou não a maçã do conhecimento. O poder de conhecer o bem e o mal.

Nos seus diários, o pintor transforma-se gradualmente em escritor, alternando uma escrita descritiva, polvilhada de sensações visuais com cenas estéticas, lembrando quadros ou fotografias, com momentos narrativos onde os tempos verbais no presente do indicativo ou pretérito perfeito denotam acção ou movimento.

Já no que toca à ética de Falcón pai, este pauta-se pelo oportunismo e pela excessiva elasticidade moral. Sucumbe à tentação do social e sexualmente proibido: “Tenho um impulso fortíssimo para alibertação imoral. Para mim não há regras”.

Consuelo, em contrapartida, é uma mulher que, apesar de ter muito a esconder, não é uma assassina, possuindo apenas o cinismo de uma sofista: “não se chega à verdade sem mentiras”.

Para além de tudo o que já foi dito, um dos pontos fortes do romance é o realismo e a profusão de detalhes relativamente à condução de uma investigação.

Em relação ao criminoso, este vê o assassínio como forma de arte. Do ponto de vista do psicopata, este tem como objectivo “fazerem as pessoas verem o que já sabem, mas a uma luz diferente”, rompendo com a ordem estabelecida. Até aqui, trata-se da posição normal do artista. Contudo o psicopata vai mais longe: para além de romper com preconceitos, sair do “quadrado” em que está aprisionada a mente das pessoas que não são criativas ou se limitam ao pensamento convergente – isto é, que apresentam uma única solução para um dado problema em vez de várias, ou verem só a superfície das coisas ou, ainda, emitirem juízos de valor baseadas em pré-conceitos –, rompe com as normas da ética fundamental que nos permitem viver em sociedade. O psicopata age indiferentemente ao facto de a sua conduta causar danos físicos, psíquicos ou económicos em outrem apenas e só para conseguir os seus objectivos. Como tal, considera-se superior em relação aos outros espécimens do género humano e, por isso, acima do bem e do mal.

Relativamente à genialidade do artista plástico, e à excessiva tolerância ética e moral para com aqueles que são considerados génios, uma das personagens chega a comentar a necessidade de ver para além do olhar fazendo, ao mesmo tempo, a apologia contra a comercialização ou melhor da prostituição do talento, de um dom especial: “ Não vendas a tua visão a quem dá mais”.

A inveja em relação ao talento alheio conjugada com a necessidade de um ajuste de contas acaba por ser o móbil da vingança. O assassino, além de querer chamar a atenção, quer também obrigar à compreensão da verdadeira dimensão do talento ou pseudo talento de alguém considerado um génio.

Porque o psico ou sociopata acredita sobretudo no ódio. Nunca no altruísmo.
Um livro onde predomina o suspense.
E o mistério.

Que persegue a raiz da palavra medo.

Ou da sua ausência.

Para ler compulsiva e obsessivamente.

Até à última página.



Cláudia de Sousa Dias

12 Comments:

Blogger Claudia Sousa Dias said...

Obrigada,mais uma vez, Pirata Vermelho!

Posso dizer-te que foi um dos que me deu mais trabalho!

Bjs

CSD

1:29 PM  
Blogger free emotions said...

claudia tenho passado por aqui mas não tenho deixado comentário. espero que esteja tudo bem!
bjs

9:35 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Sim, Free está tudo bem!
Eu vé que tenho andado um pouco ocupada agora com o regresso às aulas e além disso o próximo texro a comentar requer um npouco mais de trabalho e reflexão mas na próxima semana sem falta já haverá nosvos posts!

beijinhos e obrigada pelo carinho!

CSD

1:31 PM  
Blogger MJ said...

Gostei muito!
MG

11:30 PM  
Blogger GNM said...

Obrigado pelas amáveis palavras,
Claúdia. Tento reinventar de cada
vez que escrevo. Algumas vezes
sai razoavelmente bem, outras nem
por isso! Mas há que continuar...

Continua a sorrir!

11:38 PM  
Blogger Lauro António said...

Belo livro. Gosto de todos os de Robert Wilson. É um dos meus escritores preferidos da actualidade. Quando aparece um título novo, corro. Um excelente estudo do medo. O anterior, passado em Lisboa, com nazis, é notável, e o primeiro, misturando épocas e lugares, com o violfrâmio a unir a corrupção e os destinos da guerra e do crime, muito bom.

6:52 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Hmm...! Acho que vou gostar de ler ambos...

Agora que as aulas estão a terminar o o tempo está mesmo convidativo para uma leitura numa esplanada à beira-mar...


CSD

1:04 PM  
Anonymous Anonymous said...

Looks nice! Awesome content. Good job guys.
»

11:53 PM  
Anonymous Anonymous said...

Parabéns pelo blog. Fiquei fã!Como seleciona as leituras? Também aceita sugestões de bons livros? Bjs

9:48 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Claro que sim, Lygia!

A minha selecção é feita percorrendo as livrarias e seleccionando temas ou autores que me chamem a atenção...

Fico à espera das suas sugestões!

uM beijo

CSD

11:59 AM  
Blogger Miss Alcor said...

Que engraçado! Andava precisamente à procura de informações sobre o livro para colocar no meu blog de livros!!!
Adorei! Se queres que seja honesta, ainda estou à procura de palavras que lhe façam jus!

3:23 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Pois...

Na vedade gostei muito, mas ainda gostei mais de um autor cubano que dá pelo nome de José Carlos Somoza com "Clara e a penumbra" e "A Caverna das Ideias".

Este último em especial eu considero-o um dos melhores romances policiais de sempre.Porque é só na última frase é que consegues decifrar o mistério...


CSD

8:20 PM  

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