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Tuesday, May 31, 2011

"As memórias Secretas da Rainha D. Amélia" de Miguel Real (Dom Quixote)



Depois de vários romances históricos e dois contemporâneos, Miguel Real, docente de Filosofia, reúne, o seu último romance publicado por altura do primeiro centenário da Implantação da República, três épocas distintas que abrangem os cem anos de vida da jovem República Portuguesa: o período histórico no qual incide o núcleo principal da história compreende o último quartel do século XIX e vai até às primeiras quatro décadas do século XX, passando pela implantação da República em 1910, pelo exílio da família real e pelo teor das relações com a política do Estado Novo.

O Autor executou um exaustivo e cuidadoso trabalho de reconstrução da personalidade, gostos e emoções de uma soberana nascida em França, com grande parte da juventude passada em Inglaterra, numa altura em que estes dois países eram o motor do desenvolvimento da Europa - continente onde começavam a despoletar, um pouco por toda a parte, movimentos anti-monárquicos, como na Áustria, Itália, a própria França e, também, Portugal, onde se fazia a apologia da anarquia em resposta às discrepâncias sociais, dos sectores republicanos mais extremistas. A futura rainha oriunda da casa de Orléans, terá o seu futuro associado a um país europeu sim, mas em vias de desenvolvimento, rico sim, mas com incomensuráveis assimetrias sociais, dominado por uma aristocracia decadente e algo comodista a viver à sombra de um passado glorioso e de uma burguesia emergente e ávida de Poder.

Curiosamente, o romance abre, no entanto com o tumulto e o caos anárquico que se segue à Revolução de Abril de 1974, que põe fim à "monarquia" do Estado Novo. No fundo, a revolução de 1974 é a ratificação dos acontecimentos de 5 de Outubro de 1910. Talvez por esta razão, Miguel Real decidiu encetar “As memórias Secretas da rainha Dona Amélia com esta espécie de prólogo, antes de efectuar o primeiro salto no tempo. Trata-se de uma avalanche de acontecimentos, contados em catadupa, que dão uma ideia do que foi a transição de um regime totalitário, que se traduziu em meses onde o caos, ditado pela euforia, marcou um inflamável período de anarquia social, económica e política. Período esse que é de forma tão exacta e vividamente exposto, numa impressionante torrente verbal, de caudal imponente como o transbordar de uma barragem. Este período da História recente de Portugal é descrito numa única frase, que se estende ao longo de quase dez páginas, recorrendo somente ao ponto, à vírgula e ao travessão. O ponto final é propositadamente esquecido, para dar ideia da velocidade vertiginosa dos acontecimentos, assim como da sua inexorabilidade.

O episódio mais marcante do romance é, sem dúvida, este traçar do quadro descritivo do período que caracteriza a anomia, vivida pelo povo que sai para a rua em festa e pelo ruído ensurdecedor da comemoração. A Revolução de Abril, mostrada por Miguel Real parece ser um pouco o eco do Maio de 1968 em Paris, onde o slogan que corria de boca em boca “é proibido proibir estava na ordem do dia. Este frenesim é-nos transmitido na obra de que aqui tratamos pela sensação trepidante que nos dá a enumeração dos acontecimentos, compõem a paisagem social daqueles tempos, em nove páginas, a que o Autor deu o nome de “A Vertigem.

A terceira época que que completa a articulação do romance em três ritmos completamente distintos, é um momento de pausa e relativa tranquilidade criando um forte contraste com o tempo anterior. a acção aqui é situada na actualidade contemporânea, durante uma visita do narrador à Bulgária, onde este encontrará o precioso manuscrito da última Rainha de Portugal, misteriosamente desaparecido do espólio da Residência de Oliveira Salazar, por altura da Revolução. Este é o momento de onde partirá a acção principal do romance. A este período, que engloba duas épocas a que o Autor chamou de “Um rasgão no Tempo, chamámo-lo de prolepse , isto é, trata de um tempo posterior em relação aos acontecimentos principais da trama, ou seja, período em que viveu D. Amélia de Orleães e Bragança. A função deste "rasgão no tempo" visa ligar os acontecimentos ao descrever a forma como foi furtado o manuscrito após a revolução; a segunda época deste período de suspensão do tempo da acção principal refere-se à viagem do narrador acompanhado pela Bulgária, durante a qual o mesmo manuscrito é recuperado. Ao mesmo tempo o casal português em viagem de lazer, toma consciência da mudança sofrida pelo Leste Europeu desde a queda do Muro de Berlim em 1989, altura a partir da qual a Bulgária passa a ser, tal como Portugal nos anos setenta, um país em vias de transição para um regime democrático, com todo um mar de contradições enfrentando, com algumas diferenças, as mesmas dificuldade que os países que hoje se encontram na periferia da União Europeia.

Após este interregno, entramos na páginas onde a “voz da protagonista é reconstituída pelo Autor e se faz “ouvir. Deparamo-nos, então, com um mulher de mentalidade progressista, preocupada com o desenvolvimento do país, sobretudo no tocante à saúde e à educação, mas cuja principal utopia seria a de atenuar o abismo que separava, na época, ricos e pobres.

D. Amélia de Bragança é uma rainha que se depara com o laxismo de uma elite aristocrática, preocupada apenas com a manutenção do status quo, após ter-se demitido de qualquer responsabilidade social ou política. Por outro lado, tem de enfrentar a facção da alta burguesia, do baronato, implacável na disputa pelo poder, mas ocupada e dividida em lutas intestinas, entre liberais e conservadores, a que se juntam os cépticos republicanos.

D. Amélia acaba por ser a narradora principal do romance, dona de um discurso que denuncia uma pessoa amável e instruída, mas também crente, de fé e convicções religiosas definidas, a que se junta um certo gosto, bem português, pela superstição. Alguém que aprende a amar um país que teve de adoptar como residência, a respeitar a cultura local e um povo carente. Dir-se-á que D. Amélia não se limitou a casar com um rei português, casou com o próprio País. Está, no entanto, sozinha, a remar contra a maré da ignorância e contra o comodismo de uma horda de políticos de ganância desmedida, dominados por um desejo ilimitado de poder e um impulso provinciano de exibicionismo, qualquer deles incapaz de encontrar soluções à medida dos problemas com que se deparam.

Observamos ainda o estoicismo, patente na voz desta narradora que se mostra capaz de exercer a função de moderadora junto das facções envolvidas na luta pelo poder. No entanto, a nível pessoal, tem ainda de se defrontar com o trauma da perda da família - primeiro do afastamento em relação à família de origem; depois, a perda do marido e do filho mais velho, aquando do Regicídio, a provação de um segundo exílio (o primeiro ter-lhe-ia sido imposto na infância após a Comuna de Paris), a implantação da República em Portugal, duas guerras mundiais, a pacificação do País, debaixo do controle férreo de Oliveira Salazar, o qual beneficia da facilidade de atemorizar consciências, ajudado por um oportuno “"milagre" (no qual a rainha deposta acredita piamente).

Já no exílio, a soberana mantém relações cordiais com Oliveira Salazar, chegando inclusiva a visitar o território português nessa altura, sem deixar de constatar a forte ligação entre a pobreza de espírito de um povo e a pobreza efectiva, assim como o desinteresse do chefe de estado em fazê-la recrudescer, nem em diminuir as desigualdades sociais, incentivando o conformismo que grassa num país onde nada evolui, desde o tempo da monarquia.

As memórias secretas da rainha Dona Amélia são contadas em doze capítulos, um por cada mês do ano, ao ritmo das quatro estações, um tema que se repete, invariavelmente, nas artes plásticas no período do Romantismo e do Barroco, com Alfred Boucher e Winterhalter. Uma concepção estética que teria com certeza influenciado o estilo de escrita da soberana.

Mas As memórias secretas da Rainha D. Amélia é muito mais do que uma biografia. É antes o retrato de todo um século em termos de evolução (ou, por vezes de involução) da mentalidade colectiva e da alternância de elites que sempre governaram em proveito próprio em detrimento do bem comum.

05-02-2011/30-05-2011

Cláudia de Sousa Dias

2 Comments:

Blogger M. said...

Adorava ler esta narrativa!
Beijinhos,
Madalena

11:27 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

ias gostar, sem dúvida, M!


beijinhos...


csd

1:11 AM  

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