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Sunday, October 09, 2011

"Mundo do fim do mundo” de Luís Sepúlveda (ASA)



Traduzido do Espanhol (Chile) por Pedro Tamen

Esta é uma obra algo ambígua quanto à classificação do género literário, já que se trata de uma fusão entre o romance e o relato ou narrativa, podendo ser também incluída na categoria de “literatura de viagens". A trama é empolgante e cheia de peripécias, descrevendo uma verdadeira odisseia que atravessa a Terra do Fogo de comboio e o extremo sul da costa da Patagónia até ao Cabo Horn, a bordo de um velho baleeiro: uma história que denuncia uma inesgotável sede de aventuras, despertada pela leitura do clássico de Hermann Melville, Moby Dick, no jovem protagonista, ainda adolescente, ainda na primeira perte do romance.

Anos mais tarde, o mesmo jovem, agora adulto e membro do Greenpeace, está de volta à Patagónia, após um prolongado exílio em Hamburgo. Regressa ao Chile em missão especial daquela organização, com objectivo de investigar os movimentos suspeitos de uma embarcação nipónica que se julga persistir, ainda, na caça à baleia naquelas águas, apesar de proibida internacionalmente.

O narrador é alguém que, desde cedo, se apaixona pelos cetáceos e pelo romance de Melville e que, tendo desenvolvido competências de investigação policial, consegue - como resultado das suas indagações, após ter passado pela prova de fogo, ao assistir na juventude a um episódio de caça à baleia num navio baleeiro artesanal -, conquistar a confiança e o respeito dos velhos lobos-do-mar.
Já na parte do desenvolvimento da trama propriamente dita descobre, durante as suas investigações, um verdadeiro barril de pólvora, envolvendo negócios paralelos, lucros vultuosos e acordos secretos e ilegais entre o Governo Chileno e os grandes armadores da indústria pesqueira japonesa. Armadores esses que vivem do comércio de subprodutos originários daqueles animais, capturados em águas austrais.

O relato da aventura de “Mundos do fim do mundo” é uma autêntica bomba-relógio, funcionando como um precursor do fenómeno, relativamente recente, denominado “Wickieleaks”, mas relativo a acontecimentos passados no início dos anos 1980 que o livro, publicado pela primeira vez em1989, denuncia com detalhes de intenso sabor a escândalo internacional. O objectivo da obra, foi o de desmascarar a hipocrisia dos países mais desenvolvidos face ao cumprimento das convenções internacionais que visam, supostamente, limitar acções despóticas de interesses privados, cuja megalomania costuma funcionar como uma espécie de eclipse, impedindo-os de ver as consequências a longo prazo para o futuro do planeta.
Esta obra de Sepúlveda, tem o poder de conseguir sensibilizar a opinião pública para as consequências da caça descontrolada a estes animais, colocando não só a espécie em risco, mas pondo, também, em perigo todo o ecossistema da vida nos mares.
O livro torna-se fascinante, também, pelo estilo literário muito próprio e pelo uso do léxico ou da gíria típica dos marinheiros: trata-se de um verdadeiro diário de navegação por cabotagem, ao longo de grande parte da costa do extremo sul do continente americano, em direcção ao Estreito de Magalhães e Cabo Horn, para onde confluem o oceano Pacífico e Atlântico, chegando mesmo a entrar no Oceano Glacial Antárctico.
A minúcia dos detalhes no tocante à descrição da viagem e a rota percorrida são de uma riqueza por demais verosímil. O discurso adquire uma tonalidade demasiado vívida para ser ficcional, a ponto de, em alguns parágrafos, sentirmos a necessidade de acompanhar a leitura com um mapa ou, então, uma carta de marear.
Outro dos aspectos mais cativantes da obra é o de ficarmos a conhecer a calorosa hospitalidade dos habitantes da Terra do Fogo, sobretudo na recepção do hotel-pensão onde, na primeira parte do romance, o jovem viajante pára para almoçar, após a longa viagem de comboio em direcção ao Sul do Chile.
O leitor sente-se imediatamente seduzido pela aparente rudeza, cheia de bonomia e levemente condescendente, dos velhos marinheiros que aí param para beber cerveja e contar as suas histórias cheias de perigos, uma vida no fio da navalha, sem deixar, contudo, de demonstrar uma verdadeira admiração e respeito pelos cetáceos.
Luís Sepúlveda, ao utilizar a técnica do contraponto de forma a criar maior contraste entre a atitude de veneração dos velhos mestres da pesca artesanal pelas baleias e a selvajaria dos tripulantes dos navios piratas japoneses - dotados de um equipamento tecnológico cuja utilização se traduz no extermínio descontrolado da espécie e um verdadeiro atentado ao ecossistema local -, dá-nos a conhecer a refinada inteligência e sentido de solidariedade dos cetáceos, cuja emotividade parece ser perfeitamente proporcional ao seu tamanho físico, opondo-se aos incomensuráveis actos de desumanidade da espécie humana que, não raro, se canibaliza, num imenso oceano de egoísmo.
Estilo e Linguagem
A beleza da narrativa é sublinhada pela nostalgia, patente no discurso dos velhos marinheiros, cujas histórias fascinam, sobretudo, quem vive com ambos os pés em terra firme e a mente andarilha, a viajar pelo mundo dos sonhos e pelos sete mares.
Somos, também, submergidos pelo cenário arrebatador e agreste e pela extraordinária beleza selvagem de uma das regiões mais remotas do planeta, com a paisagem a variar desde a pampa, às montanhas, glaciares, fiordes, pintada numa linguagem fortemente evocativa de sensações cinestésicas, auditivas, térmicas e visuais:
Ao amanhecer, a ventaneira declinou um pouco mas a sua orientação não variou: continuou a soprar do Sul. O Canal de Messier disparava-a, como um jorro de ódio por cima de nós.
O gosto pelas histórias de aventuras marítimas nas gentes locais parece radicar em todo um património imaterial que se transmite por via da tradição oral: as antigas lendas e tradições índias e os seus deuses do mar, que fazem os habitantes daquelas aldeias de pescadores venerar estes animais, denunciando uma estreita ligação com os gigantes marítimos, patente na cultura local e nos vestígios deixados pela antiga religião das civilizações pré-cristãs. É, talvez, por esta razão que, ainda no hotel foguino, na primeira parte do romance, os convivas que partilham da refeição de borrego se sentem como que hipnotizados quando o jovem protagonista os enfeitiça com a leitura de um capítulo de “Moby Dick”, junto ao calor do lume.
Um história irresistível, para levar na bagagem durante às férias e deixar a mente e o corpo viajar pelos mundos das terras do Fim do Mundo...
Cláudia de Sousa Dias
31.07.2011


PS: o acordo secreto entre os EUA e o Japão, elaborado com a conivência do Governo Chileno, que permitiria aos navios industriais caçar baleias nas águas territoriais do Oceano Glacial Antárctico foi anulado em 2010.
Ver:
também pode ler um pouco mais sobre a obra aqui.

8 Comments:

Blogger Luis Nunes Alberto said...

Ola Claudia

Deste livro gostei muito, como, alias, de todos os luis sepulveda que li. Por acaso tive a oportunidade de o encontrar pessoalmente e de trocar meia duzia bem aviada de palavras.

1:22 AM  
Blogger P said...

Este é um velho conhecido. Gostei bastante.
A propósito da evocação de Melville, reli, não há muito tempo, o curtíssimo mas sempre intrigante 'Bartleby, the scrivener'.
Excelente texto, Cláudia!

11:04 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

De Melville tenho de ler ambos os que mencionas, já que dele só li o intrigante e sensorial "Taipi".

De sepúlveda, penso que este é um dos melhores que ele escreveu.


csd

2:36 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

E vale realmente a pena conhecer, LNA!

Trata-se de alguém com quem o tempo passa a voar ultrapassando a barreira do som, ;-)

CSD

2:37 PM  
Blogger M. said...

Parece uma obra fascinante! De Sepúlveda tenho (vou ali à estante... voltei da estante), então, "Diário de um killer sentimental" e o famoso "História de uma gaivota e do gato que a ensinou a voar" que, lamentavelmente, não li ainda, mas conto recomeçar a ler, para além da Visão, ainda esta semana ;)
Beijinhos, bom sábado!
Madalena

3:51 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Si, é mesmo!


quanto aos outros dois, já comentei ambos.

Nas correntes d'escritas do ano passado no final de uma mesa de conferências onde estavam vários escritores, destacou-se uma menina que tinha um gatinho de pelúcia e o livro da tua estante, que ainda não leste, na mão. O gatinho chamava-se Zorbas, claro. O Autor ficou emocionadíssimo, com o impacto que o livro teve na criança.


csd

5:49 PM  
Blogger Maria said...

"o acordo secreto entre os EUA e o Japão, elaborado com a conivência do Governo Chileno, que permitiria aos navios industriais caçar baleias nas águas territoriais do Oceano Glacial Antárctico foi anulado em 2010."


[inserir suspiro de alívio]

8:17 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

sem dúvida, Maria!

bjs


csd

6:06 PM  

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