“Animal Volátil” de Rosa Alice Branco e Casimiro de Brito (Edições Afrontamento)
Animal Volátil nasceu de um desafio que se traduziu numa troca de emails entre ambos os Autores, de onde emergiu um diálogo poético sobre o amor, a solidão e a morte, enquadrados numa paisagem outonal e de luz crepuscular, que em tudo faz lembrar a paz dos campos elísios.
Emoções como a saudade e a nostalgia afloram à pele, evocando a Memória, tecendo quadros de rara beleza.
O teor do diálogo ressalta e entroniza a Amizade a partir da qual o amor pelas letras e pelas palavras apela à exploração das mais diversas facetas da vida, desmontando tabus e, sobretudo, esse tema tão complexo e rico: o amor. Este, é aqui discutido, debatido, recordado, pintado
nos seus múltiplos desdobramentos: o amor-amizade, o amor-romântico, o amor filial, o
companheirismo no amor e, claro, o Eros.
Os diálogos são sempre pautados por uma grande beleza imagética, projectando quadros tranquilos, de uma serena luminosidade, dourada e tépida, deixando entrever um estado de espírito no qual domina a disposição em disfrutar da tranquilidade de um Jardim da Hespérides, após o tempo instável e tumultuoso de um verão emocional, marcado por abruptas oscilações.
Os poemas são compostos essencialmente pela beleza arcádica, pautada pelo forte sentido de harmonia estética de ambos os autores, esperando serem desvendados por todos aqueles que amam e partilham da poesia no quotidiano…
“O poema, tal como a amizade, é uma coisa animal: há um momento em que nasce não se sabe o quê, uma gota, uma sílaba furtiva que depois se desenvolve, se vertebra, vértebras quase invisíveis que se cruzam em vias labirínticas e não se sabe muito bem que caminhos ou descaminhos seguem, mas levam a algum lugar, a alguma coisa."
Casimiro de Brito sobre Animal Volátil
Para Rosa Alice Branco, a Poesia é, ela própria, a essência do animal volátil de que trata este belíssimo diálogo poético.
Deixo-vos com três poesias extraídas deste "Animal" que se materializa e volatiliza a duas vozes e quatro mãos.
Animal Volátil
Animal andrógino que dança
até à morte, a mais volátil, a do jardim
das delícias.
(pág. 9)
Longe das Abelhas
As palavras são mais do que palavras
e menos peso
por isso sobem a montanha com se descessem
a linha dos juncos e dos choupos
e veio de ar a linha de água.
Está tudo intacto a própria certeza se mantém
no horizonte onde a terra toca o corpo
e quando a chuva cai a beleza penetra-a
e faz caminhos
nos caminhos
onde a gravidade não tem peso e a língua
se esquiva à vigilância do pensamento.
As palavras não ocupam o espaço interior
qua as consome ou o tempo
mais cedo que as deseja.
Mas há formas entre elas no vazio onde respiro
o teu poema
com os ossos leves
e o pulso delicado de um animal.
(pág. 12)
A Alegria dos Pés na Terra Molhada
Quando as palavras se deixam possuir
como se fossem raízes e ossos leves que trepam
à montanha
ouço a infância, o som do berlinde, a flauta
do anjo anunciador da chuva
e a formiga da mãe a enxotar-me
para a escola onde aprendi
a ler no quadro da janela
as metamorfoses do céu. A poesia escreve-se
copiando os mestres, imitando mal
as fontes naturais: as patas
da água
descendo pela serra, a melopeia silenciosa
do azeite; a boca do vento
nas telhas da velha casa
do monte, a chama interior
dos cavalos
e dos cães da família: de manhã
pela mão do avô
eu partia de visita às árvores
e aos pássaros - esta é uma cerejeira, aquela,
a dona nogueira, olha
um picanço! a que parece muito cansada
é a figueira, Vamos comer um? O avô
pegava nele como se fosse um animalzinho
acabado de nascer, um pássaro com pétalas e já morto
na boca sedenta e logo
saciada. Um figo é uma
dádiva do sol e da terra e da nossa
humilde fome, e tudo são figos, ah não comas,
não comas nunca nada
sem fome. Ouço -
aprendo nesses dias a ouvir
o melhor da infância: água
na língua
quando a morte é gémea
e se aproxima.
(págs. 13-14)
Cláudia de Sousa Dias
17.06.2011
2 Comments:
Muito interessante essa forma de composição!
Beijinhos,
Madalena
E lindíssimos poemas para recitares...mais logo coloco um ou dois para veres...
bj
csd
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